Eu acho que a grande jogada da Igreja de Roma em atrair os anglicanos descontentes tem muito mais a ver com geopolítica que com teologia. De certa forma, a Igreja de Roma precisa chamar a atenção do mundo, até porque tem perdido espaço (e gente) para outras confissões cristãs, além de prestígio internacional pelo retrógrado posicionamento que sempre toma diante das grandes questões do mundo contemporâneo - a sexualidade, biologia, etc. (que saudades de João XXIII...)
Por outro lado, SS Bento XVI não tem nem 10% da simpatia e empatia com a mídia que teve seu antecessor, o Papa João Paulo II, que - pelo menos - sabia ser um reacionário simpático!
O conhecido teólogo católico-romano Hans Küng se pronunciou a respeito da tentativa romana de desestabilizar a Comunhão Anglicana:
"Teólogo critica duramente ao papa e Vaticano contesta realidade de argumentos
Cidade do Vaticano, 28 out (EFE).- O teólogo dissidente Hans Küng criticou duramente seu antigo amigo Bento XVI por haver aberto as portas aos anglicanos, afirmando que se trata de "uma tragédia", provocando uma resposta do Vaticano que disse que as acusações estão "muito longe da realidade".
Küng, de 81, em artigo publicado hoje nos diários "The Guardian" (Reino Unido) e "La Repubblica" (Itália), intitulado "Esse papa que pesca nas águas da direita", afirmou que a decisão de Joseph Ratzinger de acolher na Igreja Católica a todos os anglicanos que o desejem é uma "tragédia".
Segundo o teólogo suíço, se trata de uma "tragédia" que se une "às já ocasionadas (por Bento XVI) aos judeus, aos muçulmanos, aos protestantes, aos católicos reformistas e agora à Comunhão Anglicana, que fica debilitada perante a astúcia vaticana".
"Tradicionalistas de todas as igrejas, unir-vos sob a cúpula de São Pedro. O Pescador de homens pesca, sobretudo na margem direita do lago, embora ali as águas sejam turvas", escreveu Küng que acusa o papa de querer restaurar "o império romano, em vez de uma Commonwealth de católicos".
Segundo Küng, "a fome de poder de Roma divide o cristianismo e danifica sua Igreja" e o atual arcebispo de Canterbury, o chefe da Igreja Anglicana, Rowan Williams, "não esteve à altura da astúcia vaticana".
Para o teólogo dissidente, as consequências da "estratégia" de Roma são três: "o enfraquecimento da Igreja Anglicana, a desorientação dos fiéis dessa confissão e a indignação do clero e o povo católico", que veem - diz - como se aceitam sacerdotes casados enquanto se insiste de maneira "teimosa" no celibato dos padres católicos.
O diretor do jornal vespertino vaticano "L'Osservatore Romano", Giovanni María Vian, respondeu hoje que "mais uma vez, uma decisão de Bento XVI volta a ser pintada com rasgos fortes, preconceituosos e, sobretudo, muito afastados da realidade".
"Infelizmente Küng faz outra das dele, antigo colega e amigo com quem o papa em 2005, só cinco meses após sua escolha, se reuniu, com amizade, para discutir as bases comuns éticas das religiões e a relação entre razão e fé", escreveu Vian.
O diretor do jornal assegurou que Küng voltou a criticar seu antigo companheiro na Universidade de Tübingen (Alemanha) "com aspereza e sem fundamento".
O gesto do papa, segundo Vian, tem como objetivo "reconstituir a unidade querida por Cristo e reconhece o longo e fatigante caminho ecumênico realizado neste sentido".
"Um caminho que vem distorcido e representado enfaticamente como se tratasse de uma astuta operação de poder político, naturalmente de extrema direita", acrescentou Vian, que ressaltou que "não vale a pena ressaltar as falsidades e as inexatidões" de Küng.
O representante vaticano criticou as acusações vertidas contra o líder da Igreja Anglicana e expressou sua "amargura" perante este "enésimo ataque à Igreja Católica Apostólica Romana e a seu indiscutível compromisso ecumênico.
No último dia 20, o Vaticano anunciou a disposição do papa a acolher na Igreja Católica todos os anglicanos que o desejem e a aprovação, com esse objetivo, de uma Constituição Apostólica (norma de máxima categoria) que prevê, entre outras, a ordenação de clérigos anglicanos já casados como sacerdotes católicos.
No mundo são cerca de 77 milhões fiéis anglicanos e nos últimos anos sua igreja viveu momentos de crise e de forte divisão interna, devido à ordenação de mulheres e homossexuais declarados como bispos e a bênção de casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Por enquanto se desconhece o número exato de anglicanos que desejam rumar à Roma, embora segundo fontes do Vaticano esse número pode estar na casa de meio milhão, entre eles meia centena de bispos. EFE
Fonte: o texto acima é colagem do Portal G1 (Globo) e sua fonte é a Agência EFE.
Meio milhão de anglicanos indo a Roma??? talvez como turistas no verão italiano...
O segmento anglicano que quer ir para o "colinho papal" é uma minoria conservadora ultra reacionária na Inglaterra, e talvez em outras partes do mundo de influência anglo-saxônica. É o tipo de gente que não fará falta na Comunhão Anglicana, porque contraria a essência do "ethos" anglicano, que é a unidade na pluralidade. Afirmar uma coisa dessas - meio milhão! - é uma atitude ufanista que revela o mau caráter do Vaticano e demonstra as intenções veladas de tentar desmoralizar uma Comunhão de Fé Cristã que tem atraído cada vez mais as inteligências católicas cansadas do reacionarismo, do autoritarismo e da intransigência de Roma para com as questões mais vitais da vida humana no mundo contemporâneo.
Não conheço, realmente não conheço, aqui no Brasil, um anglicano que tenha se tornado católico-romano; é bem capaz que haja um ou outro! Mas conheço mais de uma centena deles que nos últimos anos vieram para nosso convívio, inclusive muitos padres, solteiros e casados. E NÃO FORAM REORDENADOS, porque os anglicanos não negam as Sagradas Ordens Romanas, ao contrário de Roma que não nos reconhece e vai reordenar os que para lá forem... Aliás, não é de hoje que a migração de romanos para o mundo anglicano é grande. Eu mesmo, aos 19 anos, após me converter ao senhorio de Cristo no meio ecumênico, vim parar na Igreja Episcopal por conselho de um Bispo Romano que, mais tarde, veio a ser Cardeal em Roma e era amigo de minha família... ele me disse: "da forma como você pensa o mundo, você será muito feliz entre os anglicanos" e me deu uma carta de apresentação... E ele estava certo!
As Igrejas da Comunhão Anglicana têm a coragem de debater às claras questões como sexualidade humana, bioética, engenharia genética, etc... e ouviu o clamor das mulheres, trazendo-as (ou seria melhor lembrar, reconduzindo-as) ao sacerdócio cristão e ao episcopado, como outras confissões protestantes também já fizeram. Nenhuma mulher anglicana sente culpa por tomar pílula anticoncepcional e estar pecando contra sua igreja, e uma pessoa homossexual sabe que não será desprezada - antes, será acolhida em nome de Cristo - numa comunidade anglicana. Clérigos (e não clérigos) anglicanos não precisam mais "ficar no armário" , ao contrário de muitos padres (e não padres) romanos... (pergunta ai para quem foi seminarista e desistiu!!!). Clérigos e clérigas anglicanos podem usufruir do convívio familiar, ter sua companheira ou companheiro de vida (e se separar se não der certo - foi eterno enquanto durou!), ver seus filhos crescerem e se tornarem adultos, ao contrário de muitos padres que têm "sobrinhos" ou têm de sustentar uma "prima que ficou grávida e é pobre"... Conheço muitas histórias assim; não vou revelar porque as ouvi sacramentalmente. Santa hipocrisia! No anglicanismo há espaço para masculinidades e feminilidades! No anglicanismo há espaço para se ser humano e ter-se sua prórpia identidade!
Muita gente não consegue conviver com isso: pluralidade, autoridade dispersa, antidogmatismo... então, que sigam seu caminho, busquem seu rebanho e se for Roma, que seja! Sigam com a paz de Deus e deixem-nos em paz também!
Como todo bom católico-romano, Hans Küng não conhece bem a organização das outras igrejas cristãs, segundo o que reporta a reportagem da EFE: o Arcebispo de Cantuária não é Chefe da Igreja Anglicana. Não há chefe na Igreja Anglicana, além de Cristo. Ao contrário do Papa, o Arcebispo de Cantuária não é infalível, e é apenas o símbolo da unidade na Comunhão Anglicana. Na Inglaterra ele é também o Chanceler do Rei, ou seja quem guarda o selo real após a morte do rei até a coroação do sucessor. Mas não é Chefe da Church of England (a qual é dependente do Parlamento Britânico!). Sua autoridade é moral e espiritual, e não burocrata.
Além disso, os Bispos Anglicanos, ao contrário da maioria (com grandes excessões) dos Bispos Romanos, não se metem nas questões particulares e de consicência das pessoas: como sabem que são humanos, têm também seus problemas e suas dores - por isso, evitam julgar!
Eu não demonizo a Igreja de Roma, como fazem muitos evangélicos, até porque não sou evangélico, muito menos do "mundo evangélico de consumo religioso"! Mas fui aluno jesuíta, conheci o ambiente romano por dentro e pelos bastidores dos diversos movimentos laicos e sei muito bem como se pensa naquele curral do Senhor: ainda hoje acreditam que só eles são curral do Senhor, e que os demais (as outras Igrejas) são incompletos... muita arrogância, não é?
Mas, mesmo não demonizando, começo a achar que a Igreja Metodista, no Brasil, está com a razão ao se negar a qualquer relação ecumênica com a Igreja Romana. Isso não é um desabafo, mas uma conclusão a que estou chegando, ao rever o pontificado de João Paulo II e antevendo a tragédia que será, para o mundo cristão, o pontificado de Bento XVI .
"Xô, Bento! Cruiz credo, padre-nosso treis veiz! arreda!"