7 de nov. de 2009

A IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL SE PRONUNCIA

A Secretaria Geral da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil distribuiu o seguinte comunicado à Igreja:

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Dada a repercussão da recente medida do Vaticano de adotar uma provisão que acolha anglicanos dissidentes dentro da Igreja da Inglaterra, nosso Primaz, em consulta com bispos e Comissão Especial, torna pública essa palavra como orientação a respeito da matéria.

Solicitamos divulgá-la amplamente por toda a Igreja.

Recebam meu abraço e minhas orações por suas vidas e ministérios!
Rev. Con. Francisco de Assis Silva
Secretário Geral da IEAB


O anúncio feito em 20 de outubro pelo Vaticano, de criar uma provisão constitucional especial para acolher anglicanos descontentes com a ordenação feminina e de pessoas homoafetivas, certamente representa um novo e inesperado patamar nas relações entre a Comunhão Anglicana e a Igreja Católica Apostólica Romana.

Ao longo de 40 anos, as duas Comunhões mantiveram um franco e profícuo diálogo desde a iniciativa do Papa Paulo VI e do Arcebispo Michael Ramsey de quebrar séculos de silêncio entre as duas partes. Viviam-se os ventos resultantes do Concílio Vaticano II, como uma era de avanço no diálogo e superação de indiferenças. Esse processo continuou ao longo das últimas décadas com a produção de documentos e a criação, em nível de Províncias (como a do Brasil), de comissões nacionais de diálogo anglicano-católico romano.

Damos graças a Deus por todo o trabalho construído em meio a muitas dificuldades, mas igualmente de mútuo respeito. Para isso contribuiu a capacidade de nos enxergarmos como irmãos que confessam o mesmo Cristo e a mesma fé credal, sempre buscado construir uma compreensão comum em torno de suas identidades teológicas. Neste espírito se produziram os documentos Autoridade na Igreja I (1976), Autoridade na Igreja II (1981), Comunhão Eclesial (1990), Vida em Cristo: Moral, Comunhão e a Igreja (1993), O Dom da Autoridade (1998), Maria: Graça e esperança em Cristo (2004) e Crescer Juntos na Unidade e Missão (2007).

Todas estas Declarações, e as ações conjuntas decorrentes delas, apontavam na direção de que cada vez mais nos aproximávamos do ideal da unidade que tanto Cristo desejou. Somos hoje parte de inúmeros organismos ecumênicos e nos aceitamos reciprocamente no Batismo – conforme Declaração Conjunta assinada no Brasil em 2007.

Ao dizermos que a iniciativa do Vaticano define um novo e inesperado patamar no diálogo bilateral, queremos afirmar que ela não tem direta relação com o processo acumulado ao longo dos últimos 40 anos, indicado acima, mas representa uma iniciativa unilateral, que certamente merecerá uma análise mais profunda. Indicativamente, enumeramos aqui dois elementos que merecem cuidadosa atenção: 

 - Os mais recentes documentos oficiais da Igreja Católica Romana têm reafirmado sucessivamente, não a sua identidade apenas como Igreja universal, mas sua singularidade como sinal verdadeiro e original da presença de Cristo entre os povos. Isso implica em uma auto-compreensão de exclusividade eclesiológica e organizacional que dificulta o avanço do diálogo entre as duas Igrejas;

- O substrato teológico para a iniciativa do Vaticano se baseia na compreensão de que a unidade da Igreja se dá tendo como referência o postulado do ministério petrino. Tal postulado necessita ser compreendido na conjugação entre sua dimensão teológica e a realidade histórica da sé de Roma e até esse momento não é ponto pacífico no diálogo anglicano-católico romano.

Evidente que estas questões precisam ser confrontadas com honestidade e amplo diálogo que, sempre, de nossa parte, marcaram comprometida e respeitosa atitude.

Expressamos nossa preocupação com a iniciativa desencadeada por Roma, levando em conta aspectos como seu método e conteúdo.

Lamentamos que nenhuma instância oficial da Comunhão Anglicana tenha participado do processo de construção da provisão anunciada pelo Vaticano. Inclusive, para surpresa de muitos, a própria Congregação para a Unidade dos Cristãos não participou do processo interno, em Roma, sequer para o anúncio da iniciativa.

Um assunto conduzido assim, privadamente e sob a coordenação da Congregação para Doutrina e Fé, ou seja, tratado no nível especificamente doutrinal e sem nenhuma relação com a sua dimensão ecumênica exigiria, no mínimo, a transparência que seria de se esperar entre duas Igrejas que dialogam ecumenicamente.

Se a provisão fosse destinada às pessoas que já saíram da Comunhão Anglicana por razões de divergência teológica, certamente isso seria entendido como acolhimento pastoral a quem já não seria pastoralmente mais de nossa responsabilidade. Mas, na medida que se destina a pessoas e comunidades que ainda estão dentro da Comunhão, mesmo que em dissenso, a provisão representa um problema ético de interferência em assuntos internos de outra Igreja irmã.

Esperamos, com muita honestidade, que essa interferência não venha se constituir em empecilho para o futuro de nosso diálogo e que possamos em tempo conhecer o teor da referida provisão – que ainda não é pública – e aplicar, quando possível, o princípio do respeito à autonomia interna de nossas Igrejas. A conversa que haverá entre o Arcebispo de Cantuária e o Papa Bento XVI nos próximos dias, em Roma, poderá apontar contornos mais claros para essa iniciativa. Aguardaremos essa conversa que representará o primeiro diálogo face a face entre os representantes máximos das duas Igrejas.

Em nosso contexto de Brasil, temos recebido e acolhido clérigos oriundos da Igreja Católica Romana, e temos acolhido essas pessoas como irmãos que desejam responder a sua vocação e chamado na missão, que é de Deus. A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil mantém um Cânone específico para esse acolhimento e reconhecemos as Ordens Sagradas de cada um, sem nenhum novo processo de ordenação.

Esperamos que esse assunto seja discutido com muita autenticidade dentro das instâncias de diálogo internacionais e locais de nossas duas Igrejas, e restaurando-se o teor do processo já trilhado, na busca de se superar mal entendidos e retomar o caminho da busca da Unidade tão desejada por Cristo e sonhada por todos nós!

Brasília, 04 de novembro de 2009  William Temple (1881-1944)

D. Mauricio Andrade
Bispo Primaz da IEAB.
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O meu querido Primaz e irmão, Dom Maurício, assim como meus demais Pais em Deus, ainda alimentam a esperança de que as relações ecumênicas sejam preservadas. Fico feliz que meus Bispos pensem assim, mas lamento dizer que, desta vez, eu não consigo viver essa esperança... pelo menos em relação à Igreja de Roma enquanto a Santa Sé estiver dominada pelos fundamentalistas dogmáticos. Meus 40 anos de movimento ecumênico me ensinaram que não se deve confiar em instituições onde o absolutismo domina.

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4 comentários:

  1. Essa atitude do Vaticano em relação à Comunhão Anglicana é realmente um problema ético, e eu diria até moral que envolve questões de caráter - ou a falta dele - por parte do Ratizing.
    Caetano, entendo a sua indignção, e concordo plenamente contigo, quanto a dificudade de confiar em instituições absolutistas, e pior: com atitudes reacionárias. Mas creio que independente das atitudes de desrespeito e afronta da liderança vaticana, ainda há pessoas de boa fé e índole na instituição romana, disposta ao diálogo e à construções de pontes, invés de muralhas, e, com certeza o bom senso vai prevalecer. Tenho certeza que muitos católicos não concordam com o seu próprio" chefe".
    Você melhor que eu, deve conhecer pessoas que estão lá, que pensam e agem com o devido respeito, amor e misericórdia, e com caráter reto e dígno de se tirar o chapéu.
    Abraços e Paz!

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  2. Pois é, Astri. Eu não desacredito do REAL ecumenismo, que é um MOVIMENTO de pessoas e não de Instituições. Os Protestantes fazem ecumenismo há mais de 100 anos, na Europa, especialmente voltados para a Missão e a Diaconia. As relações ecumênicas no Brasil iam muito bem até quando a Igreja Romana começou a se aproximar início dos anos 70, após o Vaticano II, e acabou usando o vocabulário protestante, dando significados absolutamente institucionais, conseguiu habilmente o protagonismo do movimento e o institucionalizou de forma rígida; a Igreja de Roma criou conceitos como "diálogo ecumênico", "diálogo inter-religioso" - já aí resolveu chamar de ecumenismo apenas a relação entre as Igrejas Cristãs, o que é epistemológicamente e etimologicamente errado.

    Quando a Igreja de Roma fala em "diálogo" significa sempre o diálogo institucional. E ainda por cima investe em "diálogos bi-laterais, e muitas das nossas Igrejas entraram de forma inocente nesses "diálogos bi-laterais".

    A Igreja de Roma se projeta nas outras Igrejas e acredita que basta acertar tudo com os Bispos, Conselhos Gerais das outras Igrejas e tudo fica certo. Faz-se um documento e pronto! Esquecem ou fazem de conta que esquecem que não existe cúria protestante, nem poder central hierárquico vertical absoluto. Esquece que o nosso modelo eclesiástico é, em sua maioria, parlamentar (inclusive entre os Episcopais). Acoistumada com o governo totalitário da cúria romana, imaginam que todas as demais Igrejas Cristãs sejam assim...

    A questão é que na eclesiologia romana, o eclesiástico é confundido com o eclesial e o paralisa (controla fortemente o eclesial - relegando-o apenas à "religiosidade popular", que não ameaça os esquemas de poder). Mas o espírito da Reforma (Igreja Reformada sempre Reformanda) coloca o eclesial mais no centro que o eclesiástico - os Puritanos foram radicais nesse sentido, assim como os Quackers - (esse espírito está desaparecendo no Brasil, porque - apesar de protestantes - muitos de nós acabam pensando como católicos romanos e confundem o eclesiástico com a Igreja de Cristo).

    Assim as Igrejas Protestantes são, no que se refere à eclesiologia e auto-compreensão, institucionalmente fracas - no sentido da rigidez da estrutura - e são muito mais maleáveis... nosso próprio conceito de UNIDADE não se limita à lealdade institucional...

    Por ai vai a coisa.
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  3. Pois é Caetano, onde eles colocam o dedo, azedam o leite todo. Você tem razão: muitos de nós pensamos como católicos. Eu mesmo sou um, e estou lutando para me libertar disso. Os engodos romanos são armadilhas eficazes que manipulam e emaranham como arapucas bem armadas. As vezes fico aborrecido com os pentecostais por suas intoleranças, mas pelo menos eles não caem nas arapucas e armadilhas dos romanos.
    Caetano eu tenho aprendido muito contigo. Obrigado!

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  4. Além do Papa abrir as portas ao Anglicanos, ainda estão querendo canonizar o cardeal Newman...
    Roma não brinca em serviço.
    Vejjam: http://www.youtube.com/watch?v=LrOLgAGlyoI
    A Igreja Anglicana e principalmente o Arcebispo de Cantuária precisam dar uma reposta à altura.
    Rev. Haroldo Mendes+

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