Instituições tem a cara dos seus dirigentes. O caráter humano é essencial na identidade de cada instituição. O caráter humano é muito influenciado pelo poder, essa “coisa mágica” que permite algumas pessoas exercerem autoridade sobre as outras dentro de um espaço institucional, seja a família, seja o Estado, seja uma ONG, seja uma comunidade de fé ou uma denominação religiosa.
Quando se trata de uma instituição religiosa, a coisa se complica um pouco mais, porque há tendência das pessoas sacralizarem a instituição, ou seja, pensar a instituição como algo divino, de tal forma que seus dirigentes são entendidos como “escolhidos pela Divindade”, e portanto sua autoridade e seu poder emana do próprio Divino.
[ Uma piadinha teológica: quem quer que já tenha participado de um processo eleitoral para a escolha de dirigentes eclesiásticos, de qualquer denominação cristã, sabe os conchavos e acordos que são feitos entre os diferentes grupos de interesses que naturalmente existem em qualquer agrupamento humano. Como cada grupo se entende iluminado pela Divindade, podemos imaginar a Divindade em contradição consigo mesma! ou então, morrendo de rir com a petulância de cada grupo! ]
Houve tempos e sociedades (e ainda hoje há algumas sociedades assim) em que o Estado se confunde com o Divino; chamamos isso de Teocracia. Há centenas de exemplos históricos demonstrando que as teocracias foram um fracasso e não acabaram bem… e as populações à elas submetidas sempre viveram mal. No mundo ocidental, após a queda do Império Romano do Ocidente, o poder ficou pendente entre a nobreza que sobrou do Império, os chefes das clãs “bárbaras” e a Igreja Cristã.
Já naquele tempo, enquanto a Igreja do Oriente era etnicamente e culturalmente dividida, a Igreja do Ocidente se identificou como Instituição sólida e “católica”, ou seja, a mesma “única igreja” e idêntica em todo o “mundo”, assumindo o poder unificador antes exercido pelo Império Romano; aliás, até a cúpula da Igreja ficou localizada na antiga Cidade Imperial. Assim, as negociações pelo controle do poder acabaram gerando uma relação de mútua dependência entre o que hoje entendemos como Estado (forçando a barra, porque pensar em Estado na época medieval é um tanto quanto absurdo) e o poder “sagrado” da Igreja. Bispos coroavam Reis e as complexas relações de senhorio e vassalagem criavam um certo equilíbrio, não muito sólido, mas administrável. Com o advento da Modernidade, o poder do Estado foi se tornando independente do poder sobre o Sagrado, embora as relações entre ambos sempre fossem cordiais (com raras e históricas exceções) promovendo fluxo de privilégios de um para o outro em mão dupla.
A Reforma do século XVI e as posteriores reformas acontecidas a partir dai na Igreja do Ocidente, não mudaram esse quadro. Porque tal quadro é inerente às instituições… a disputa de poder interno é parte da natureza das instituições – qualquer instituição, porque são constituídas por pessoas e todas as pessoas estão sob a dinâmica de Gênesis 3: a tentação de ser igual a Deus e perder o Paraíso...
Como instituição em si mesma, a Igreja não tem sentido algum, nem tem finalidade alguma na realidade humana. Viveríamos muito bem sem a Igreja enquanto pensada como instituição. Até porque muita gente vive bem e feliz sem estar ligada à qualquer coisa que seja religião institucional. Mas há uma natureza transcendente na Igreja que vai além de sua institucionalidade: é sua compreensão enquanto parte do Povo de Deus (o Qual tem muitos nomes e muitos povos).
A reflexão que se segue é focada exclusivamente na Igreja onde estou. Perdoem-me os leitores de outras denominações e confissões, mas talvez tal reflexão possa ajudar, com as devidas adequações, uma reflexão em outros contextos.
A Igreja onde vivencio comunitariamente a minha fé e exerço meu ministério é uma Igreja Episcopal (até no nome!). Isso significa que a Autoridade na Igreja é exercida pelo Episcopado, porém, entre nós, o Episcopado não é um absoluto em si mesmo (embora hajam bispos, clérigos e leigos pensando que seja!). Bispos são eleitos pela Igreja, clero e povo (já fica claro que o clero não é povo! mas chamado e separado para ser servo do povo!), não são nomeados por uma autoridade central (no caso da Igreja da Inglaterra, é um pouco diferente, mas isso é lá um problema deles, eu não tenho nada com isso e nem me afeta diretamente) e seu poder é exercido dentro do conceito de Autoridade Dispersa e Compartilhada, que é um dos nossos princípios basilares de identidade e nos caracteriza como uma Igreja de Tradição Católica e Reformada . Qualquer presbítero ou presbítera poderá ser levado ao Episcopado pelo voto da Igreja conforme normatizado pelos Cânones Gerais [ inclusive eu, embora haja gente que treme na base ao imaginar isso! (risos irônicos) ].
Atribui-se ao Apóstolo Paulo a afirmação que “quem aspira ao Episcopado, boa coisa aspira” (1ª Timóteo 3.1), embora na Almeida Revista e Atualizada conste “Fiel é a palavra: se alguém aspira ao episcopado, excelente obra almeja” e na Nova Versão Internacional o texto diz “Esta afirmação é digna de confiança: se alguém deseja ser bispo, deseja uma nobre função”. Importante notar que a Palavra se refere à obra ou à função! O Apóstolo vincula o conceito de episcopado ao conceito de serviço (Diaconia!).
Eu sempre digo aos seminaristas pretendentes ao Ministério Ordenado, especialmente ao Presbiterado, que é dever nosso como presbíteros ter muita clareza sobre o fato do Episcopado ser um horizonte possível no ministério de cada um. Cada um de nós deve ter uma posição bem clara sobre a possibilidade de ser chamado ao Episcopado: em primeiro lugar, se aceitaria isso para sua vida; em segundo lugar, em que circunstâncias de sua vida aceitaria isso (em que momento de sua vida), em terceiro lugar, quais os critérios próprios para aceitar a indicação.
Caso contrário, o Episcopado pode surgir como uma “evolução natural da carreira eclesiástica”, como é o generalato para a carreira militar. Acontece que o Episcopado não é isso, Bispos não são Generais mas são Pais ou Mães em Deus (ou deveriam ser e comportar-se como), nem recebem o Episcopado pelo mérito de uma carreira bem sucedida e pelos “bons serviços prestados à Igreja” (quando alguém é eleito Bispo nessas condições, quase sempre dá em merda!): Episcopado não é coroamento de carreira, porque o Ministério Ordenado não é uma carreira profissional, pelo menos eu o entendo assim. Evidentemente que, ao olharmos a Igreja em seu aspecto institucional, há uma carreira eclesiástica, mas há o caráter transcendental que define o Ministério como chamado e envio para o Serviço em nome do Senhor Jesus Cristo, em fiel obediência a Deus e aberto à ação do Espírito Santo.
De fato, eu comecei a pensar nisso ainda no tempo de seminarista, até mesmo porque alguns dos meus professores estimulavam que todos nós fizéssemos essa reflexão. Assim, desde muito cedo eu tenho bem claro o horizonte do Episcopado e tenho bem definidas as respostas às questões enunciadas acima.
Além disso, entendo o Episcopado como um serviço e portanto não tenho um projeto pessoal de Episcopado, porque o projeto que interessa é o projeto da Igreja, da Diocese. O erro da Igreja Episcopal no Brasil (e em outras partes do mundo) é que se elege um Bispo e não um Projeto para o qual se busca o líder adequado para sua execução por toda a Igreja Diocesana. Ou seja, elege-se o Bispo e dane-se ele! Tudo passa a depender dele e - ou se concorda e apoia ou se discorda e faz-se oposição velada.
Eu entendo que o Episcopado deve ser exercido de forma a contemplar um plano diocesano de ação e não um projeto pessoal. Assim, a minha grande condição para aceitar concorrer ao Episcopado seria que me fosse oferecido e mostrado um Plano Diocesano, que não são metas simplesmente, mas um Projeto que tenha claro de onde se parte e de onde se quer chegar, e as alternativas de caminho, e eu de fato avaliaria se me sinto capaz – e se sou a pessoa adequada – para exercer tal responsabilidade de liderança. Como a Igreja é recheada pela cultura política brasileira, não há projeto, mas apenas o desejo de ter alguém que carregue o piano e favoreça uns e outros… Não é o Bispo que deve ter um projeto, mas a Igreja Diocesana. E, de preferencia, que seja construído antes do Bispo… e que depois da escolha do Bispo o projeto seja executado pelo conjunto da Igreja e aferido, avaliado e reformulado sempre com a participação de toda a Igreja.
Acho que o Bispo não deve ser o gerente da Igreja; deveria deixar isso para especialistas que estão na Igreja; o Bispo deve ser Pai (Mãe) e Pastor do Clero e com o Clero, Pai (Mãe) e Pastor do Povo. Todo clero é incardinado em seu Bispo (termo técnico que designa a vinculação ao Bispo) e por isso, o Bispo deve estar incardinado em seu Clero e Povo (estar no coração). Mas é preciso que a Igreja amadureça muito ainda para entender e viver isso realmente, e – pela minha idade – não verei isso acontecer…
Nos próximos doze meses a Igreja deverá eleger pelo menos três novos Bispos. Não sou candidato em nenhuma dessas eleições: em duas nem fui convidado a sê-lo (rsrsr), e para todos que me sondaram para a terceira, fiz a mesma pergunta: qual é o projeto diocesano? até agora ninguém me deu resposta adequada e por isso, agradeço a lembrança do meu nome mas… não me sinto capaz de carregar e tocar sozinho pianos desafinados – se houver uma orquestra, até posso ajudar com o piano, ou um violino, mas uma orquestra só toca bem com bons músicos e uma boa harmonia, e isso não depende só do regente, mas de cada um com seu instrumento.
Que Deus abençoe a IEAB, e que o Espírito Santo oriente – com paciência! – os processos de eleição episcopal em curso.
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Ótimas reflexões caríssimo Rev. Luiz Caetano! A experiência eclesiástica e de vida traduzida com clarividência solar. Muitos candidatos(as) deveriam ler esse seu comentário para ver se se adequam. Parabéns!
ResponderExcluirMuito interessante sua reflexão! Acredito piamente que os melhores sacerdotes são aqueles que praticam a Diaconia (no seu dia a dia) o "Estar a serviço" e não o "ser servido". Ser vocacionado também é muito importante, pois acredito que ser sacerdote não deve ser uma profissão e sim uma vocação.
ResponderExcluirBeijo Lindo,
Daniela Gomes dos Santos.
Um texto dissertativo muito bem elaborado. Por ter uma linguagem clara e objetiva, recomendo a todos os aspirantes ao Episcopado (eleitos), Clero, Igreja e Povo (eleitores) que leiam.
ResponderExcluirQueria fazer um breve comentário sobre o segundo parágrafo deste texto:
"Quando se trata de uma instituição religiosa, a coisa se complica um pouco mais, porque há tendência das pessoas sacralizarem a instituição, ou seja, pensar a instituição como algo divino, de tal forma que seus dirigentes são entendidos como “escolhidos pela Divindade”, e portanto sua autoridade e seu poder emana do próprio Divino".
O problema aqui é que na maioria das vezes os dirigentes eclesiásticos não são escolhidos por Deus e sim pelos conchavos e acordos humanos, por isso, a Igreja está do jeito que está. Aaaaahh, se a Igreja ainda elegesse os seus dirigentes assim como em Atos 13:1-3:
1. Na igreja de Antioquia havia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, chamado Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado com Herodes, o tetrarca e Saulo.
2. Enquanto ADORAVAM AO SENHOR E JEJUAVAM, disse o Espírito Santo: "Separem-me Barnabé e Saulo para a obra a que os tenho chamado".
3. Assim, depois de jejuar e orar, impuseram-lhes as mãos e os enviaram.
Para o Reverendo Caetano, deixo uma palavra de exortação:
Sei que é desanimador o que vemos hoje na maioria das Igrejas (será que o problema foi a institucionalização???) e a nossa reação natural é dizer que não tem mais "saco" para isto ou aquilo, mas, coloca mais uma vez as tuas escolhas e decisões nas mãos do Senhor e o que Ele te disser, faça!!!
Sr°: Rev. Luiz Caetano gosto muito de suas publicações, confesso que tenho aproveitado muitas coisas das quais o sr° tem postado em seu blog,por isso venho sempre que eu posso aqui, pra ver as novidades, e compartilhar alguma coisa com o senhor.
ResponderExcluirQue Deus possa esta te abençoando, cada dia mais e que ele possa iluminar sua mente, para que o sr° possa passar seus conhecimentos que é de grande proveito.
Fica na paz um abraço!
ASS: seminarista.