O despertador tocou às 6h00, como todos os dias; João levantou-se abriu a veneziana e contemplou a rua, aspirando o ar fresco. Estranhou o pouco movimento, mas deu-se conta que era sábado; já os bem-te-vis e os pardais faziam a costumeira arruaça matinal. “Eles não têm sábado, nem domingo, eles não estão presos às convenções do tempo”, e esse pensamento fez surgir um sorriso no rosto de João. Tomou banho, lavou a dentadura, fez gargarejo com o Listerine, vestiu-se, desceu até a cozinha, bebeu os dois copos de água que o médico recomendou, e saiu para comprar o pão na padaria da praça, ali perto, e pegar o jornal na banca do Reinaldo, para depois fazer o café e ver o que o editor do jornal queria que ele ficasse sabendo. Tudo como sempre fazia desde que se aposentou.
Ao sair para o pequeno jardim do sobrado, ele a viu! Estava ali, no lado esquerdo do canteiro de copos-de-leite. “Estranho”, pensou João, “que é essa Coisa ai?” La estava aquela Coisa, e João tinha certeza que ontem não estava lá. Mas agora estava lá, solene, na terra, entre os copos-de-leite, imperiosamente ela mesma, aquela Coisa. João se aproximou para ver a Coisa mais de perto: “Que Coisa é essa?”, e ficou olhando interessado.
Nisso, passou o Garrido, com seu sorriso bonachão dando o solene “Buenos Dias” com seu sotaque portenho, e então percebeu o João entretido com a Coisa. “Que Cosa es esta?” perguntou. “Não sei, essa Coisa apareceu aqui assim, sei lá vinda de onde!” Garrido entrou no jardim e pôs-se também a olhar a Coisa. E estavam os dois olhando a Coisa quando passou dona Severina, nordestina arretada, neta de cangaceiro e evangélica, que ao ver a Coisa logo foi dizendo: “Essa Coisa ai não é coisa de Deus!"” e entrou para olhar a Coisa também ao mesmo tempo que repreendia a Coisa.
Nisso, passou o Garrido, com seu sorriso bonachão dando o solene “Buenos Dias” com seu sotaque portenho, e então percebeu o João entretido com a Coisa. “Que Cosa es esta?” perguntou. “Não sei, essa Coisa apareceu aqui assim, sei lá vinda de onde!” Garrido entrou no jardim e pôs-se também a olhar a Coisa. E estavam os dois olhando a Coisa quando passou dona Severina, nordestina arretada, neta de cangaceiro e evangélica, que ao ver a Coisa logo foi dizendo: “Essa Coisa ai não é coisa de Deus!"” e entrou para olhar a Coisa também ao mesmo tempo que repreendia a Coisa.
Logo várias pessoas da vizinhança estavam ali, olhando a Coisa, pois todos que passavam se interessavam e vinham perguntar que Coisa era aquela. E todos diziam alguma coisa sobre a Coisa. Várias hipóteses surgiram para explicar a Coisa, mas ninguém conseguia dizer que coisa a Coisa era.
Vicente, o filósofo da rua, disse que já tinha visto muita coisa, mas nunca tinha visto uma coisa como aquela Coisa. Gilberto, que estudou dois anos de engenharia na juventude, disse que talvez a Coisa tivesse relação com um tal de Bóson de Higgs (“é com agá, mas a gente fala como se fosse erre”, salientou) que alguém tinha visto na Suíça, mas foi contestado pelo Vicente dizendo que o Bóson de Higgs era outra coisa e não aquela Coisa. “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa e nada é a mesma coisa. Isso está me parecendo uma coisa estranha”, concluiu Vicente.
Dona Severina, continuava dizendo que a Coisa não era coisa de Deus, e já estava reunindo um grupo para orar pedindo a Deus que mandasse um profeta explicar o que era aquela Coisa, enquanto Gilberto, expressando seu ateísmo materialista, reclamava que a dona Severina não dizia coisa com coisa, e que aquela Coisa não tinha nada a ver com religião, uma coisa que ele não gosta.
Verinha, balzaquiana solteira, defensora dos direitos humanos, da ecologia e representante da rua na Associação do Bairro, chegou dizendo que a Coisa tinha o direito de estar lá e que ela não admitiria que alguém tentasse pegar na Coisa, e aproveitou para distribuir os panfletos sobre a próxima assembleia do bairro, que deveria tratar de várias coisas.
O fato é que todos falavam alguma coisa sobre a Coisa, e muita coisa se dizia sobre a Coisa, mas ninguém dizia realmente qualquer coisa que explicasse a Coisa. Alguém sugeriu chamar a Polícia ou os Bombeiros, mas outrem disse que isso não é coisa de Polícia, e que talvez fosse melhor deixar a Coisa como estava porque as coisas vão e vem, a vida é uma coisa assim mesmo. Verinha retrocou dizendo que não podiam ser conformistas e deviam lutar pela Coisa, porque era a coisa mais certa a fazer. “A Coisa é nossa, está na nossa rua e nós temos de cuidar da Coisa contra a manipulação política da Coisa! e só de pensar na Coisa, me dá aquela coisa, sabe, de me arrepiar toda!”
Foi então que chegou o Toninho, moleque da rua que fazia pequenos serviços para a vizinhança em troca de umas moedas para seu cofrinho de lata. Sem dar importância ao grupo que estava discutindo a Coisa, foi logo dizendo:
_“Ô seu João, ontem quando vim limpar seu jardim esqueci uma coisa… ah! está aqui!”, e pegou a Coisa. Todo mundo ficou admirado!
Toninho já ia saindo quando o Vicente resolveu fazer a pergunta que todos queriam:
“Ô garoto! Essa Coisa é sua? que Coisa é essa?”
“Ora, é uma Coisa minha! só isso!”, e Toninho saiu correndo feliz por ter achado sua Coisa.
Pouco depois todos se deram conta que a Coisa não estava mais lá; afinal era Coisa do Toninho e ninguém tinha nada a ver com a coisa. Então, cada um foi cuidar das suas próprias coisas.
“Que Coisa!”, exclamou João, e foi direto à padaria.
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Assim como o personagem Toninho, eu achei a minha Coisa e ninguém tem nada a ver com isso.
ResponderExcluirQuem tiver a sua Coisa, que cuide muito bem dela assim como eu estou cuidando da minha, kkkk
Pois é, Simoninha, se cada um cuidar de suas coisas a vida seria mais simples. O problema é que as pessoas ficam sempre curiosas com a coisa dos outros...
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