13 de abr. de 2012

Velhos paradigmas fantasiados de novos.

Quaresma 3Durante a Quaresma, a comunidade paroquial da São Paulo Apóstolo refletiu em busca de novos paradigmas para a Igreja de hoje. Os modelos tradicionais que temos já não conseguem repercutir com eficiência na sociedade contemporânea.
O modelo tradicional de se organizar a Igreja ao redor da vida no templo (paróquia), por exemplo, é uma visão rural de igreja, onde a comunidade dispersa se reúne no templo para o convívio, a troca de experiências, o estudo da Palavra, a oração comunitária; o senso de pertença se caracteriza pela presença na comunidade, na interação social entre os fiéis.

Hoje a humanidade se concentra nas grandes cidades, onde a dinâmica da vida, marcada pela pressa e pela velocidade da informação, desestimula o convívio entre as pessoas, menos para o lazer. Vive-se o estresse diário diante das enormes exigências do cotidiano, reforçado pelas dificuldades de locomoção (trânsito intenso, transporte público deficiente), a permanente cobrança pela eficiência no mercado de trabalho, e as próprias exigências desse mesmo mercado. Assim, o pouco tempo que resta para o convívio se resume na “balada”, no “sair para curtir alguma coisa”, sem tempo ou disposição para uma verdadeira partilha existencial. Relações frugais em um universo urbano marcado pelo individualismo e pela concorrência forçada de ser melhor que os demais.
Na contrapartida, velhos paradigmas continuam se afirmando disfarçados de “crescimento da igreja” a custa de filosofias que incitam o consumo religioso, como por exemplo, a ideologia da prosperidade, que insistem chamar de teologia – o que não é,  o discurso neoliberal levado ao extremo enquanto posicionamento religioso. Um discurso essencialmente promotor do moralismo individual e do “toma lá, dá cá!”, velha crendice em um deus ex machina que se move atendendo a vontade humana mediante o “pagamento” de promessas, votos, agora expressos em doações financeiras para sustentar os espertinhos que pirateiam as emoções das pessoas desnorteadas diante da dura realidade urbana.
Entretanto, estes velhos paradigmas se disfarçam de algo novo, incorporando uma característica da pós modernidade: o individualismo marcado pela liberdade de não criar vínculos institucionais. Frequenta-se tudo, sem pertencer-se a qualquer coisa. Há uma resistência quase inconsciente a filiar-se a uma instituição, especialmente de cunho religioso. As mega-igrejas de mercado não apelam para a adesão institucional, mas para o “frequentar”. É a lógica do supermercado: o importante é que a clientela frequente a loja,e – naturalmente – compre! O “crescimento da igreja” é medido pela frequência e não pelo compromisso, resultado da conversão ao Cristo e adesão a uma comunidade de fé. Quando muito, se limita ao clientelismo de uma liderança realmente carismática que se sugere como “salvadora do mundo”, “ungida por Deus” para apresentar respostas para tudo e arrogantes detentoras da verdade.
Essa ideologia de “crescimento da Igreja” se propaga como um vírus letal. Vai de comunidade em comunidade, os pastores se sentem tentados a ela e são cobrados pelas lideranças que se preocupam com o fato de “a nossa igreja não cresce”, comparando-se com outras. Começa-se a atuar em função da demanda do mercado religioso, relativiza-se os parâmetros de fé e ordem, investe-se na estética do culto (e não na liturgia), adota-se um discurso emocional de efeito imediato ao invés do ensino e da reflexão sobre a Palavra de Deus, a Bíblia se torna um depósito de frases feitas que podem ser usadas como paliativo e analgésico diante das dores do mundo. Retira-se a Cruz e coloca-se no lugar dela o ufanismo do sucesso imediato e da bênção exigida!
Pastores e pastoras não mais se cansam por terem de visitar os enfermos, os idosos, acompanhar uma família em crise, preparar estudos, preparar sermões a partir da realidade de sua congregação. O estresse é outro, com forte conotação emocional e na auto-estima do clero: a preocupação permanente de qual será a atração especial do próximo domingo para manter a clientela cativa… a angústia porque nesta noite vieram menos pessoas que na semana passada… perde-se a piedade pessoal, a percepção  da ação do Espírito Santo, confundido como agente de resultados imediatos. Não existe mais a relação entre Pastor e Comunidade, mas entre o Mercador e a Clientela.
Ao mesmo tempo, nas Igrejas que são resultado de movimentos na história e não se fundamentam no carisma de um líder “dono” (bispo, apóstolo, iluminado, vice-deus ou que seja), a lógica de perpetuidade da instituição eclesiástica se move muito bem dentro dessa nova maneira de manter o velho: o “crescimento” implica em mais recursos financeiros para a instituição, claudicante porque sua arrecadação caiu exatamente por falta de membros. E assim, está aberto o buraco negro gravitacional que atrai tudo e todos para o velho paradigma de missão (a igreja crescer) disfarçado de “movimento de renovação” a partir da promoção do individualismo e da “fé” sem compromisso (crendice).
Na contramão desse processo virulento, permanecem as antigas perguntas que sempre motivaram a reflexão da Igreja que se entende como Corpo de Cristo: como anunciar o Cristo no contexto onde se está? como nos organizamos para que a ação seja realmente eficaz e apresente o Evangelho na perspectiva de construir uma comunidade de vida nova? o que significa “Salvação” hoje? como compreender e apresentar o ensino de forma que tenha sentido e seja resposta aos desafios da vida?
Precisamos de novos paradigmas para a Missão. Quando falo em novos paradigmas não  pretendo a mudar a Tradição, mas mudar nossa forma de compreender e interpretar a Tradição. 
Conceituando melhor, Tradição é aquilo que herdamos dos nossos ancestrais (não confundir com antepassados) e nos dá identidade, é o que nos diferencia dentro da sociedade humana como um todo. É o conjunto mítico-simbólico, conceitual, ético, estético, cultural, que dá senso de identidade e significado às práticas de um grupo. A Tradição é como uma Arca do Tesouro, onde as joias estão guardadas e não precisam ser usadas todas ao mesmo tempo. É a reserva de significado e de identidade. Tradição é aquilo que recebemos dos ancestrais, das gerações anteriores, colocamos nossas marcas e passamos adiante às próximas gerações. Tradição, portanto, é um processo dinâmico que permanentemente se resignifica e se reorganiza sem perder seu vínculo histórico. Todo entendimento da Tradição como algo estático e imutável é, na verdade, idolatria da Tradição, um tipo de fundamentalismo e, como todo fundamentalismo, estéril e sem vida. E entendo como Paradigmas os princípios, os pontos de vista conceituais, os pontos de partida e pano de fundo das ações; na verdade, são as maneiras como interpretamos a Tradição e inspiram o nosso fazer. O grande perigo é quando os Paradigmas se tornam Tradição ou são com ela confundidos, perpetuando-se como valores intrínsecos, permanentes, estabelecendo-se como verdades inquestionáveis orientadoras da reflexão e da ação. Todavia, é a mudança de paradigma que enriquece a Tradição.
É urgente que as Igrejas – verdadeiramente Igrejas e não negócios – reflitam com coragem e determinação sobre si mesmas e separem o que é de fato Tradição e o que é paradigma. Uma reflexão dessas vai necessariamente levar à revisão dos modelos institucionais, dos modelos de gestão, dos modelos organizacionais. É urgente uma Nova Reforma!PÁSCOA PADRÃO
Na São Paulo Apóstolo queremos, como comunidade, neste Tempo Pascal, construir novos paradigmas para cumprir nossa vocação enquanto pequena comunidade episcopal anglicana que se reúne em um bairro no centro do Rio de Janeiro. Queremos seguir essa intuição fundamentando-nos na Palavra de Deus, na oração e no compartir de ideias entre nós e com pessoas de outras comunidades e tradições. Já sabemos que alguns caminhos nos levarão a questionar nossa organização como Igreja, nosso método de gestão, e até mesmo nossa forma de conceituar o que é “ser membro” da Igreja.  Seguiremos com coragem, acreditando fielmente que estamos seguindo o movimento do Espírito Santo, e com modéstia e vigilância para não sermos tentados pela arrogância intelectual das posturas fechadas, mesmo que sejam novas posturas.
Que o Senhor da Igreja se aproxime como peregrino e caminhe conosco nessa Estrada de Emaús, ensinado-nos a compreender Sua Palavra e Sua Vontade.
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