Quando eu era criança, a festa do Ano Novo era sempre na casa do tio Mário e o Natal na casa do tio Acchiles. A família Greco (e Grecco, o escrivão errou algumas vezes…) se reunia no Natal na casa do Acchiles, e no Ano Novo na casa do Mário. Às vezes mudava um pouco, mas era aquele lance de festa familiar ampliada com os devidos anexos incorporados (cunhados e cunhadas, sobrinhos, sogros dos filhos, essas coisas). Uma vez a festa do Natal foi em casa, meu pai fez questão, mas foi tanta aporrinhação que nunca mais ele ofereceu a nossa casa!
O Ano Novo era mais divertido porque não tinha aquele lance pentelho dos presentes (os primos mais ricos sempre ganhavam os presentes melhores, e eu comecei a desconfiar que Papai Noel era puxa-saco dos ricos). No Ano Novo, tio Ricardo, o mais pobre da família, fazia a festa: recebia a gente na porta com a sacolinha cheia de nomes de países, a gente sorteava um nome e via para quem ia torcer na São Silvestre! Todo mundo pagava 5 cruzeiros (que nem pagava um cafezinho), e quem ganhasse a corrida ficava com a tremenda fortuna que mal passava dos 100 cruzeiros… Eu gostava quando a tia Beatriz ganhava porque ela acabava dando para mim (ela tinha um xodozinho por mim, porque talvez fosse o único sobrinho que se animava a sentar no seu piano e tentar tocar… quando ela morreu, o piano veio para mim, por vontade dela).
Sim, a São Silvestre, que era uma iniciativa da Rádio Gazeta e do jornal A Gazeta Esportiva, começava sempre pelas 23h30. e virava o ano com o pessoal correndo pelo centro velho de São Paulo. Muitos anos depois, a Globo Todo-Poderosa, obrigou a mudança de horário para não atrapalhar o Especial de Fim-de-Ano do Roberto Carlos, o show sempre igual… Naquele tempo não tinha os quenianos, e o grande herói da corrida era um belga, cujo nome não recordo…tinha também um careca que era da Checoslováquia que ganhava às vezes; certa vez ganhou um mexicano, e outra vez, um equatoriano, para frustração de todos, onde já se viu latino-americano ganhar de europeu? Eu sempre tive o azar de sortear um país que nunca ganhava: Peru, Brasil, França, Espanha, de modo que eu ficava olhando pela TV preto e branco sem muita expectativa.
Quando soava a meia noite, com muito menos foguetório que hoje, era realmente cômico: os adultos da família parecendo macacos: com o pé direito no chão (o esquerdo levantado), cacho de uva em uma das mãos, prato de lentilha na outra, sei lá como aparecia ainda a taça de champanhe, e ainda a romã com sete sementes (tinha de comer semente até o dia de reis…), e todo mundo dizendo “feliz ano-novo!”, aquele lance de abraçar, beijar, emoções, e o cara na TV gritando que a São Silvestre estava acabando e que o Belga já estava entrando na Avenida Cásper Líbero, onde acabava a corrida em frente ao prédio da Rádio Gazeta. Eu olhava aquilo e achava muito divertido, mas ficava tentando entender o que estava mudando além do número do ano no calendário e terminava dezembro, começava janeiro de novo…
Aos poucos fui entendendo que o tal Ano Novo não tinha nada de novo, apenas se recomeçava o mesmo de sempre. Comecei a reparar nos votos de felicitações que os adultos davam uns aos outros, quase sempre assim: “Muita Paz, muita alegria, muito dinheiro…”, e ai parece que se davam conta que o lance do dinheiro não era para todo mundo, então completavam, “… muita saúde! Saúde é que é importante, não é mesmo? tendo saúde o resto a gente resolve…” E a resposta, invariável,”para você também, pois é, saúde é que é importante…!”
É claro que o ser humano precisa renovar suas esperanças, se não a vida fica insuportável! Tem de ter um momento especial, onde tudo acaba e recomeça de novo. Escravos do Cronos, necessitamos fazer o Cronos recomeçar, porque do jeito que está não dá… Muitas civilizações organizavam seu calendário pelos ciclos da natureza: na Primavera, quando a vida ressurge depois de sepultada pelo Inverno, tudo se renova em esperança de que o novo tempo será melhor… A nossa Civilização, que já não tem a menor ideia do que seja a Natureza ou o Universo (além de uma tal de energia que fica assim fazendo cosquinhas de espiritualidade consumível) , o Cronos é regulado pela Contabilidade: 31 de dezembro é dia de fechamento do balanço contábil e 1º de janeiro começa um novo ano civil… e, de certa forma, todo mundo fica na esperança que o novo ano civil feche seu balanço, doze meses depois, com saldo positivo. Geralmente não fecha, porque o sistema não pode ver todas as pessoas felizes: felicidade tem de ser garantida para alguns, e para isso, muitos não podem tê-la. É a regra do mundo ocidental: quem pode, pode; quem não pode, se sacode no SUS porque “saúde é que é importante”.
Feliz Ano Novo! seja lá o que isso seja! e lembre-se: saúde é que é importante… haja saco!
Nota: apesar da ironia, eu dou graças a Deus porque quase sempre, depois de crescidinho, tive oportunidade de participar de boas festas de ano novo: vigílias na igreja, festas mais simples na casa de pessoas amigas e solidárias, caminhadas com amigos pelas ruas de São Paulo… é no convívio com pessoas queridas, amigos leais, sem hipocrisias, que vale a pena celebrar o ano novo, ou melhor, a vida em qualquer momento. É a amizade e o carinho sincero que renova a esperança… então, com meu carinho, felicidades a vocês que gostam de mim e vivemos em espírito de solidariedade uns com os outros. Aos que não gostam de mim, não adianta eu desejar nada, porque não vale a pena e eles nem vão dar importância: desejo, então, que vivam bem e não encham meu saco!
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