21 de set. de 2018

Resistam ao diabo…

Tentação de Jesus 6Há muito tempo que a Igreja deixou de falar sobre o diabo; e isso, na minha modesta opinião, não tem feito bem às comunidades de fé. Obviamente, o “esquecimento” do diabo é parte de um processo histórico.

A partir da Idade Média, a Igreja do ocidente cultivou e divulgou uma imagem do diabo que ainda hoje persiste no imaginário de muita gente. Um ser bem definido, com uma cara parecida com a de um bode, chifres, um longo rabo, vermelho, e circundado pelo fogo infernal. Uma imagem assustadora e terrível, ameaçadora e, assim, um bom instrumento de controle social. Qualquer coisa contra o status quo era considerada “coisa do diabo”.  A Reforma Protestante, ao início da Idade Moderna, não mudou essa imagem; pelo contrário a aperfeiçoou.


Pela segunda metade do século passado, o pensamento teológico já havia evoluído bastante com a interdisciplinaridade da reflexão, fazendo  para uma análise teológica crítica da sociedade; surgiram assim as diferentes ênfases chamadas de Teologias da Libertação.  Se tal passo livrou as pessoas do medo de um ser terrível, ao mesmo tempo transformou o diabo em um mero problema sócio-político, identificado com o “sistema opressor”.


Ao mesmo tempo, tal revolucionária visão do Evangelho, foi minando as práticas devocionais de piedade pessoal, apresentando uma nova chave hermenêutica para a leitura bíblica e o estudo da Palavra; isso aconteceu no universo do catolicismo romano e também no universo protestante clássico. Nada contra isso, e devemos ser gratos a Deus pela valiosíssima contribuição que aquela escola teológica legou à Igreja contemporânea.
Todavia, sempre houve um movimento de oposição, podemos dizer de inspiração fundamentalista, contra aquelas novas ideias, o qual mantinha a antiga visão da separação entre  “mundo espiritual e mundo terreno”. Nesse universo, o diabo medieval continuou existindo no imaginário das pessoas.

Hoje em dia, vemos igrejas onde o diabo ainda é aquele sujeito terrível ou então ele simplesmente não tem qualquer relevância, se tornando o símbolo de todo um contexto político, econômico e social, muito mais útil para a reflexão política do que para a vida comunitária na fé.

Afinal,  o que ou quem é o diabo?
A palavra “diabo” é tradução do grego “diabalon” (“dia” = dividir; balon = movimento), aquele ou aquilo que promove a divisão. Ao contrário da palavra “diácono” (aquele que promove a divisão para a distribuição, aquele que promove a partilha), diabo é aquele que promove a ruptura, o desentendimento, a separação entre as pessoas.

A Bíblia identifica seres diabólicos que recebem diferentes nomes. Segundo a tradição recebida do judaísmo, tratam-se de “Anjos Decaídos”, lançados por Deus no abismo profundo por sua rebeldia e desobediência, sendo seu líder o Arcanjo Lúcifer (portador de Luz) o qual se pretendia igual a Deus em poder – ser um “quem como Deus”!). No Novo Testamento, é também chamado Príncipe deste Mundo, ou Príncipe das Trevas!
Ora, não devemos dar ao diabo mais importância do que ele merece, mas também não podemos viver como se ele não existisse. Não me refiro a um ser angelical apenas, mas às situações diabólicas que vivemos em nosso mundo e nossas vidas – a presença do diabólico em nossas vidas.

O diabo promove, através das tentações, o afastamento das pessoas em relação a Deus, conduzindo a comportamentos que geram discórdia, arrogância, maledicências, decorrendo daí o egoísmo e o egocentrismo, tão característicos dos tempos contemporâneos devido à publicidade que nos incentiva ao consumismo, criando a sensação de que, para existir em plenitude,  é importante o “ter” e não o “ser”. É a Luz que cega, e não ilumina.

Interessante isso! Lúcifer, o Portador da Luz se torna a Luz que cega, e – em contraposição, falamos de Cristo como a Luz do Caminho, a Luz do Mundo.  Portanto, como já dizia a antiga sabedoria celta, há duas luzes: a que ilumina e a que cega, mas são luzes! Uma ilumina a vida, outra gera as trevas da cegueira.

Que temos com isso?
Fala-se pouco ou nada do diabo hoje em dia; quando se fala, lhe é dada mais importância que merece, usando-o como ameaça e criando pavor nas pessoas. Parece que as igrejas esqueceram que existe uma realidade diabólica que se projeta em oposição à Vontade Soberana de Deus, em nível da vida pessoal e da vida social. Dá-se ênfase ao terror ou então ao social, esquecendo que um cristão é um ser-em-relação com Deus e comunitário, um ser que experimenta a transcendência, uma pessoa que cultiva a espiritualidade, seja pessoal, seja comunitária; pelo menos deveria ser, pois sem essa relação com Deus, o ser cristão se torna apenas o ser adepto de uma filosofia mais ou menos humanista.

Assim, acredito que a simplificação ou a quase total exclusão do diabo na linguagem da pregação e do ensino cristão é também – em grande parte – responsável pelo esmaecimento da espiritualidade. Hoje as pessoas praticamente se dividem entre os piedosos realmente piegas, mais ligados a superstições, e os sem piedade pessoal, ativistas de uma mensagem ético-política.  Há pouca gente entre um extremo e outro.
Como se fala pouco sobre o diabo, fala-se pouco em conversão, palavra que que significa uma mudança de caminho, uma ruptura com o diabólico e um novo caminhar na direção de Deus em companhia de Jesus o Cristo.

Nós vivemos mergulhados em um modelo social onde o diabólico é muito ativo – de fato, coisa do demônio!  Mas além dos danos coletivos desse modelo,  não se deve esquecer do diabólico agindo em nível existencial, na vida de cada pessoa. Porque, gostemos ou não, o diabo existe e anda solto e reinando neste mundo, fazendo discípulos e seguidores, inclusive dentro das igrejas!

Reflita, meu irmão, minha irmã. Você já passou por situações de desagregação e rupturas; examine-se até que ponto você mesmo não as provocou, resultado de uma tentação aceita... dando lugar ao diabólico.

Tiago de Jerusalém, o irmão do Senhor, em sua Epístola às Igrejas da Diáspora, em certo momento, condenando a amizade com o mundo,  diz
“Portanto, sujeitem-se a Deus, mas resistam ao diabo, e ele fugirá de vocês. Cheguem perto de Deus, e ele se chegará a vocês. Limpem as mãos, pecadores! E vocês que são indecisos, purifiquem o coração.” (Tiago 4.7-8 – Nova Almeida Atualizada/ S.B.B.)
Isso vale para todas as pessoas que se identificam como cristãs. Não é apenas aos ricos, ou aos poderosos, como se pobres e grupos oprimidos fossem inocentes ou isentos do pecado e do diabólico.

No seminário, um velho e querido professor,  já falecido, respeitadíssimo no meio teológico ainda hoje, nos dizia sempre: “uma das grandes artimanhas de Satanás é fazer-nos acreditar que ele não existe”. O professor falava isso como crítica a certos radicalismos teológicos que já estavam se manifestando nos anos 70 do século passado. E, devo dizer, esse professor não era um conservador, pelo contrário, era muito ousado em sua formulação teológica.  

Concluindo
Este artigo pretende ser, apenas, uma provocação. O tema precisa ser aprofundado do ponto de vista da teologia bíblica, da reflexão teológica séria, e – profundamente – em comunhão com a Pastoral e a Missão.
Deixo isso por conta dos teólogos profissionais, teólogos acadêmicos, para que se animem e apresentem à Igreja uma reflexão realmente útil sobre o diabólico e suas manifestações, e um chamado à conversão, porque – penso eu – a Teologia, se não servir à Pastoral e à Missão Evangelizadora, é apenas um discurso sobre uma realidade imaginária a partir de um texto sagrado.
Cristo, Deus Conosco, venceu o Príncipe deste mundo! com Cristo, e em Cristo, temos vitória! 
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