23 de dez. de 2010

A Natividade do Senhor

Os cristãos celebram, dia 25 de dezembro, a Festa da Natividade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Todo mundo conhece a estória; está contada no Evangelho segundo a Tradição recebida de São Lucas (Lc 2.1-20):

Naqueles dias saiu um decreto da parte de César Augusto, para que todo o mundo fosse recenseado. Este primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria. E todos iam alistar-se, cada um à sua própria cidade.    Subiu também José, da Galiléia, da cidade de Nazaré, à cidade de Davi, chamada Belém, porque era da casa e família de Davi, a fim de alistar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida. Enquanto estavam ali, chegou o tempo em que ela havia de dar à luz, e teve a seu filho primogênito; envolveu-o em faixas e o deitou em uma manjedoura, porque não havia lugar para eles na estalagem.   Ora, havia naquela mesma região pastores que estavam no campo, e guardavam durante as vigílias da noite o seu rebanho. E um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor os cercou de resplendor; pelo que se encheram de grande temor. O anjo, porém, lhes disse: Não temais, porquanto vos trago novas de grande alegria que o será para todo o povo: É que vos nasceu hoje, na cidade de Davi, o Salvador, que é Cristo, o Senhor. E isto vos será por sinal: Achareis um menino envolto em faixas, e deitado em uma manjedoura. Então, de repente, apareceu junto ao anjo grande multidão da milícia celestial, louvando a Deus e dizendo: Glória a Deus nas maiores alturas, e paz na terra entre os homens de boa vontade.   E logo que os anjos se retiraram deles para o céu, diziam os pastores uns aos outros: Vamos já até Belém, e vejamos isso que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer. Foram, pois, a toda a pressa, e acharam Maria e José, e o menino deitado na manjedoura; e, vendo-o, divulgaram a palavra que acerca do menino lhes fora dita; e todos os que a ouviram se admiravam do que os pastores lhes diziam. Maria, porém, guardava todas estas coisas, meditando-as em seu coração.   E voltaram os pastores, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora dito.

A narrativa apresenta o Filho de Deus nascendo sem teto em Belém, em meio à peregrinação de seus pais que foram cumprir um decreto imperial. Nascendo fora da cidade, na periferia, apenas os pastores – que também viviam fora da cidade – tiveram notícia do seu nascimento, através do coro dos Anjos. A narrativa oferece muitas possibilidades de reflexão…

Como eu disse na postagem anterior (vide abaixo), pouco importa se Jesus – de fato – nasceu em 25 de dezembro. Importa celebrar, isto sim, o Mistério da presença do Deus Vivo entre nós, o Emanuel, Deus Conosco! Na figura do menino pobre de Belém se esconde o Deus da Kenósis – do esvaziamento (cf. Filipenses 2.5-11), o plenamente Humano e plenamente Divino.

Quando você estiver reunido com seus parentes e amigos celebrando o Natal Papai Noel do Mercado, lembre-se do Menino Pobre de Belém, para quem não havia lugar na estalagem, não havia lugar algum, que não foi reconhecido se não pelos pobres pastores dos arredores e pelos Magos que vieram do Oriente (Mateus 2.1-12). Por outro lado, se você está solitário, sem companhia, sem festa ou presente, distante dos que você ama, lembre-se também do Menino: você não estará sozinho!

Seja como for, que em algum momento do Natal, você possa ter um momento de Feliz Natividade do Senhor!

=/=

21 de dez. de 2010

Natal?

Há alguns dias estava eu passando pelo Largo da Carioca, e um sujeito berrava quase à beira da histeria, que Jesus não nasceu dia 25 de dezembro, e – como é usual – culpava a Igreja Católica por ter inventado isso! De certa forma, o histérico tem razão: a data de 25 de dezembro foi adotada pela Igreja Cristã da época pós-apostólica por ser a festa pagã do Sol Invicto, o Sol Vitorioso, celebrada logo após o Solstício de Inverno (hemisfério norte). A partir dessa data os dias do inverno se tornam cada vez mais curtos até que chega a primavera (equinócio).  Mas não é sobre solstícios e equinócios que quero falar; a aula de iniciação à astronomia fica para uma outra oportunidade. Importante entender que ao adotar a data pagã, a Igreja está afirmando que Jesus Cristo é o Sol da Justiça, vitorioso e invicto diante do Mal!
Pouco importa, de fato, saber a data exata do nascimento de Jesus, seja o dia, seja o ano… importa reconhecer que – em Jesus – Deus se manifesta encarnado na história humana! A Festa da Natividade do Senhor (nome litúrgico correto) celebra exatamente o mistério do Deus que se revela na pobreza e na simplicidade de um Menino pobre e despojado.  O Mistério da Encarnação, que a Igreja celebra em 25 de março (nove meses antes!) – Festa da Anunciação – se completa na Natividade!
Entretanto, o que a gente vê hoje no mundo ocidental, dito cristão? não há manjedouras, não há o Menino, não há os pastores… às vezes aparecem uns anjinhos com cara de idiota. Mas a figura do Papai Noel é constante! como também são constantes as frases dedicadas à Paz, à Harmonia, ao “Espírito de Natal” – um tempo em que as pessoas ficam mais boazinhas e o capitalismo selvagem aumenta seus lucros com os gestos de “boa-vontade”, ou seja, os presentes! Interessante ver na TV, por exemplo, publicidade de Bancos e Instituições Financeiras falando de Paz, Harmonia, Solidariedade!!! é muita cara de pau!!! O usurário querendo parecer justo e bondoso, contrariando sua própria natureza gananciosa!!!
O Papai Noel, velhinho gordo de roupas vermelhas, bolação genial da Coca-Cola em meados do século XX é o símbolo do Natal contemporâneo, símbolo do consumismo e da hipocrisia que deseja a todos felicidades, paz e harmonia, exatamente para fortalecer o lucro dos que promovem a injustiça, a guerra, a morte!
Quando eu era criança, meus pais me ensinaram que o Papai Noel era o São Nicolau, um Bispo dos tempos antigos que, com muita misericórdia, distribuía alimentos e bens aos pobres de sua diocese. Na língua inglesa ainda se fala em Santa Claus, mas a imagem é a mesma: não se fala mais nada sobre o São Nicolau, apenas o bom velhinho da Coca-Cola. O que poderia ser um real exemplo de compaixão, solidariedade – alguém que reparte com os pobres – se tornou o incentivo do consumo: compre presentes! e o “dar presente” se tornou um imperativo das relações públicas…
É bem verdade que neste tempo, muita gente se lembra dos pobres, das instituições de caridade. A mídia das futilidades mostra com todo requinte, famosos emocionando-se ao presentear crianças órfãs… que passam esquecidas o resto do tempo! ou “socialites” promovendo “ceias natalinas” em asilo de idosos…
Feliz Natal, seja lá o que isso signifique para você!

7 de dez. de 2010

O Alemão e a segurança pública

29_MHG_rio_penha O Brasil acompanhou o show televisivo, em rede nacional, da “Conquista do Complexo do Alemão” (sendo um complexo, talvez Freud explique…). A imprensa carioca considerou o evento a “libertação” da cidade.  Uma excelente mídia para ajudar a imagem do Rio de Janeiro, visando as Olimpíadas e a Copa… bom cacife político para o Governador!

Na verdade, o espetáculo não foi tão magnífico assim. Afinal, os bandidos fugiram em grande maioria, mesmo depois da chegada da “cavalaria”, do Rim-Tim-Tim, do Zorro, do Homem-Aranha e da Super Caveira. Literalmente os bandidos fugiram entrando (ou melhor, saindo) pelo cano!  Teve até a frota naval (anfíbios), mas faltou, naturalmente a Oitava Frota dos EUA. Talvez ela venha para a invasão da Rocinha, se o Governo do RJ espalhar a notícia que o Osama está escondido lá… Entretanto, nada disso resolve o problema.

Não vou dizer que a violência urbana é consequência da miséria, deixo isso para a esquerda porra-loca que ainda insiste em existir. Também não vou dizer que a “ausência do Estado nas favelas (ooops! comunidades!)” facilita a presença dos narco-traficantes armados. Como assim o Estado ser ausente?

Assumir que o Estado esteja ausente de alguma parte do território é assumir que há “repúblicas” dentro da República – talvez por isso a imprensa insistiu no uso da palavra “guerra” para descrever a ação policial.  Seria admitir que o Governo não tem controle do território, o que não é verdade. Tanto que, quando há interesse político, o Governo se faz presente sempre, em qualquer parte do território nacional. Não ter políticas públicas para determinada região, é uma política pública!

Alguns poucos setores da imprensa apresentaram análises mais contundentes, sem a euforia da “vitória militar”! Apresentam a complexidade do problema de segurança pública, não só no Rio, mas no Brasil e em outros lugares do mundo.  Por isso, eu não vou apresentar a minha análise, até porque não sou especialista nisso. Mas não posso aceitar as análises simplistas para explicar o problema.

A Cidade do Rio de Janeiro não é campeã de violência urbana no Brasil; perde, por exemplo, para Vitória e para Recife. Porém, no Rio a violência é mais visível por causa de sua geografia. Afinal, centro e periferia se confundem, se entendermos isso como distribuição das classes sociais. Por isso, é descabida toda a exaltação da mídia, uma forma de encobrir a complexidade do problema, que é muito mais complexo que o “Complexo do Alemão”.

Policiais do Bope se preparam para entrar no Complexo do Alemão [Foto - Marcelo de Jesus - UOL][6]

images

 

Uma coisa curiosa: na “Guerra do Complexo do Alemão”, em rede nacional, a gente pôde observar homens vestidos de preto, a  maioria deles homens pretos, perseguindo outros homens pretos, mal vestidos… não é curioso? não há ai algo curioso? pense…

-/-

29 de nov. de 2010

O Peru do Júlio

A comunidade estava celebrando o Advento, ocasião em que – como de costume – realiza-se um almoço comunitário. Desta vez, havia uma novidade: os homens fariam a comida! E assim foi, os homens chegaram trazendo, cada um seu prato, feito por ele mesmo! A maioria dos pratos era salgado, mas haviam também alguns doces.
O almoço transcorreu descontraído e alegre. Durante a sobremesa, a Reverenda sugeriu que cada um apresentasse seu prato, e contasse como foi a preparação, e se fosse o caso, poderia até dar a receita. No início, um pouco inibidos, tiveram de ser animados pelas suas companheiras para falar.
Um deles confessou que – na verdade – não fez tudo sozinho. Sua esposa ajudou bastante, cabendo a ele a enorme tarefa de abrir as latas de atum e de ervilhas para a salada que trouxe.  Outro, que disse gostar de cozinhar, comentou a receita que herdou de sua mãe, e assim foi indo, cada um contando sobre a preparação do prato que havia trazido. Foi muito divertido.
Mas a melhor narrativa foi a do Júlio, que gabava-se de ter trazido o peru assado desfiado – de fato, delicioso.
Eu fui para compras no supermercado, pensando o que levaria no almoço da comunidade. Então tive a idéia de levar um peru desfiado, segundo a velha receita da mamãe. Como é época natalina, já havia, no setor de congelados, imensos perus e chesters em oferta. Escolhi um bem grande!
Quando cheguei em casa, fui ler as instruções para descongelar o peru, que estava duro de tão gelado, e com surpresa, dizia no rótulo que precisaria de 72 horas para o descongelamento adequado. Fiquei apavorado, não daria tempo, pois era sábado e o almoço seria no dia seguinte. Não tive dúvida, vai para o micro-ondas descongelar.
Ai começou a complicação. O peru era grande e não entrava. Tive de forçar as coxas para entrar, e acabou entrando, mas conforme girava  o peru lá dentro as coxas abriam  e ele saia para fora, e eu tinha de forçar de novo. O peru não cabia lá dentro. Mas com muito jeito e paciência, consegui o intento: o peru descongelou e ficou mais mole, e assim pude passar o tempero nele.
Chegou a hora de colocar no forno. O meu forno é novinho em folha, tinha acabado de comprar, então, com o peru na mão abri a porta e tentei acender em baixo da grelha. Mas não dava certo. Eu com o peru na mão, temperado e pronto e não conseguia ligar o forno. Liguei para o serviço de atendimento ao cliente da fábrica e expliquei para a moça que eu estava com o peru pronto mas não conseguia assar, porque não acende o forno. Ela me explicou que há um botão redondinho no painel que devidamente posicionado e apertado acenderia o forno. Ela ainda perguntou se o peru era grande, para sugerir a melhor configuração e tempo que o peru devia ficar lá dentro. Sugeriu também que eu deixasse esquentar antes de colocar o peru pra dentro.
Desliguei o telefone, e fiquei apertando o tal botão redondinho. De fato funcionou, e esperei aquecer. Depois que estava quente, abri a tampa e com as duas mãos coloquei o peru pra dentro, ajeitando a melhor posição. O formo é dos bons, porque logo o peru saiu assado! Depois foi só desfiar o peru, usando a faca adequada e aqui está ele, aliás, vocês já o comeram”
De fato, o peru do Júlio foi o sucesso da festa!
---/---

14 de out. de 2010

Evangélicos e Política: muito interessante!

É muito interessante que líderes evangélicos se envolvam em política exigindo dos candidatos à Presidência da República um compromisso sério de vetar leis favoráveis ao aborto e à união civil de pessoas do mesmo sexo.

Interessante porque os evangélicos sempre pautaram por “não se envolver em política”, que eles consideravam “coisa do mundo”. Pelo menos tal era atitude da maioria deles no tempo da ditadura… evitavam entrar em conflito com o Estado (de exceção) alegando que tal atitude seria mundana ou contrariava Romanos 13:1-7

De certa forma o conservadorismo estreito e fundamentalista é "ecumênico": católicos romanos e a maioria evangélica concordam sempre em posturas conservadoras e reacionárias!

Interessante perceber que a maioria fundamentalista,  estéricamente se posiciona contra o aborto e a homossexualidade, não move uma palha quando se trata de condenar a usura!!! A usura, condenada centenas de vezes na Escritura Sagrada, não merece nenhuma palavra profética da parte deles! Sobre a usura diz a Escritura:

“A teu irmão não emprestarás com juros, nem dinheiro, nem comida, nem qualquer coisa que se empreste com juros.” Deuteronômio 23:19

“O que aumenta os seus bens com usura e ganância ajunta-os para o que se compadece do pobre.”  Provérbios 28:8

“… emprestar com usura e receber juros, porventura, viverá? Não viverá. Todas estas abominações ele fez e será morto; o seu sangue será sobre ele.”  Ezequiel 18:13

“Não lhe darás teu dinheiro com juros, nem lhe darás o teu mantimento por causa de lucro.” Levítico 25:37

“Se emprestares dinheiro ao meu povo, ao pobre que está contigo, não te haverás com ele como credor que impõe juros.” Êxodo 22:25

“Não tomarás dele juros, nem ganho; mas do teu Deus terás temor, para que teu irmão viva contigo.” Levítico 25:36

Todavia, o que hoje se vê são as Igrejas ditas evangélicas praticando a usura abertamente!

Certa vez, estando eu ministrando uma palestra, um jovem pastor me interpelou violentamente dizendo que jamais daria a Ceia a um homossexual, citando as conhecidas passagens bíblicas usadas para condenar a homossexualidade. Eu perguntei a ele se daria a Ceia a um banqueiro, e diante da resposta afirmativa,  citei muitos versículos contra a usura… o plenário me aplaudiu e o jovem pastor se retirou dizendo que eu manipulava as Escrituras!!!

É uma pena que, por causa de gente reacionária, o segundo turno da eleição presidencial acontecerá sem debates realmente profundos sobre propostas para o futuro do Brasil. A eleição se polariza e as candidaturas buscam agradar o eleitorado fundamentalista… uma pena!

Antes que me perguntem, abro meu voto: no primeiro turno, marinei; no segundo, sou Dilma!

-/-

18 de jul. de 2010

Se o tataravô do tataravô do vovô tivesse broxado…

Leonard Mlodinow é um físico, isto é, um sujeito que procura entender – na medida em que isso seja possível - como o Universo funciona. Filho de judeus poloneses que por acaso conseguiram sobreviver ao holocausto e se mandaram para os Estados Unidos, Mlodinow fez seu doutorado em Física na Universidade da Califórnia e tem publicado livros intrigantes sobre  a ciência objeto de seus estudos. O mais famoso talvez seja o que escreveu junto com Stephen Hawking – Uma nova história do tempo, que se chamou nova porque é, na verdade, a correção da obra anterior de Hawking  - Uma breve história do tempo.  Hawking estava errado e como não é um acadêmico brasileiro, reconheceu seu erro com humildade e reescreveu o livro junto com o físico que lhe provou o erro.

Físicos e matemáticos muitas vezes se misturam.  Na verdade, os matemáticos  não se misturam, os físicos é que vivem se infiltrando em seu mundo. Isso porque os físicos precisam do instrumental matemático para tentar entender o Universo, enquanto os matemáticos não precisam entender nada além da sua própria linguagem.  Acontece que o mundo imaginário dos matemáticos – e bota imaginário nisso – ajuda os físicos a imaginar como o universo funciona.  Os matemáticos por sua vez sabem que o universo dos físicos não lhes ajuda a entender a matemática, embora seja uma fonte inesgotável de quebra-cabeças – e matemáticos adoram quebra-cabeças. Assim é que físicos e matemáticos sempre estão juntos, e  alguns físicos se tornam também excelentes matemáticos.

Mlodinow é um desses caras.  Por acaso seus pais emigraram da Polônia para os Estados Unidos e lá ele nasceu e se tornou um físico. Tivessem vindo, por acaso, para o Brasil, Leonard teria sido, por acaso, um comerciante ou um jogador de futebol. O caso é que Mlodinow, que por acaso se tornou um físico, resolveu escrever sobre um tema que os matemáticos adoram: o acaso!

A ferramenta que os matemáticos do séc.  XVII criaram para estudar o acaso se chama Teoria dos Jogos. Na verdade, eles queriam mesmo era descobrir como poderiam ter “mais sorte nos jogos de azar”.  Mas como eram matemáticos, deixaram a imaginação fluir e assim construíram a Teoria dos Jogos, que hoje – para evitar acusações de imoralidade - chama-se Cálculo de Probabilidades. O Cálculo de Probabilidades, um campo teórico, permitiu o desenvolvimento de um método prático de se lidar com a aleatoriedade, método que acabou se tornando uma ciência dentro da Matemática Aplicada, a Estatística, ferramenta extremamente útil para as Ciências da Sociedade.

Por acaso eu sou um pretenso matemático brasileiro que também se formou em física. Há trinta anos eu era professor universitário e lecionava exatamente Estatística e Cálculo de Probabilidades.  Acho que os estudantes gostavam do meu curso, pois todo final de ano eu era obrigado a estar nas formaturas, pois ou eu era professor homenageado, ou era o patrono da turma ou o paraninfo.  Eu conseguia evitar o matematiquês nas aulas (eram classes de humanidades) e buscava mostrar o quanto de aleatoriedade há na vida.  Pediram para eu publicar meu livro de curso, o qual eu até elaborei, mas nenhuma editora aceitou porque sendo um livro didático de Estatística, como pode não ter um monte de fórmulas?  Todos os editores me faziam essa pergunta e – eu percebia o cinismo deles – me julgava um embromador.

Por acaso, o Mlodinow – que é americano do norte – escreveu um livro muito parecido (mas muito melhor) com o que eu havia esboçado: fala do Cálculo de Probabilidades, da Estatística e da Matemática, sem apresentar nenhuma fórmula!!!! Um livro espetacular, mas que, infelizmente, não é compreensível para a maioria dos universitários brasileiros de hoje, analfabetos em matemática: O andar do bêbado – como o acaso determina nossas vidas.

O simples fato de você existir, meu caro leitor casual, é um acaso: você é resultado da combinação dos genes de um determinado casal, que em um determinado momento copulou. Fosse 5 minutos antes, ou depois, não existira você! Todavia, cada um que forma o casal, é também resultado de uma cópula de outro casal, assim, você  é resultado de alguns acasos envolvendo três casais e três cópulas. E se você for acumulando os seus bisavós, trisavós, tataravós, e n-avós , você é o resultado de uma sequência de 2 à enésima potência de pessoas que copularam, e mais, tais cópulas resultaram em gravidez que terminou em parto, e nasceram pessoas que chegaram à idade de procriar e conseguiram procriar. Pense bem, se um certo sujeito, em algum lugar do planeta, no séc. XI, tivesse tido uma má noite (ou dia, uma cópula não precisa ser necessariamente à noite, como a gente aprende na adolescência) e broxado, você não existiria!!!

Mlodinow procura transmitir esperança aos leitores, quase fazendo o deleite dos viciados em “pensamento positivo”.  E não poderia ser de outra forma, porque o estudo sério da aleatoriedade termina com todas as nossas certezas e abala firmemente nosso instinto de controlar a própria vida.  Porque, os otimistas que me perdoem, toda a nossa existência é marcada pelo acaso! e nós não temos como controlar isso, a não ser pelo método mais antigo do mundo: tentativa e erro. 

A humanidade compreendeu isso muito cedo: se faz sol ou chuva, se o vento vem na direção do caçador ou da caça, se o peixe morde a isca ou não, se a Fulana vai com a minha cara ou não… a civilização é resultado dessa necessidade de controlar o acaso, ou pelo menos, minimizar as chances do acaso ser “azar”.  O método estatístico, quando bem aplicado, tem essa finalidade, mas é honesto: sempre indica a probabilidade de apresentar uma conclusão errada.  Ou seja: não há certeza absoluta.

Mas antes de inventar o método estatístico, a humanidade sempre tentou controlar o acaso: inventou sortilégios, ritos, simpatias, manias, e eu acho que o comportamento religioso do ser humano tem a ver com isso. Afinal, a idéia de que tudo acontece por puro acaso é tão assustadora que temos de imaginar uma Mente Superior para a qual não existe o acaso, antes o acaso se confunde com a Sua Vontade.  Assim, para controlar o acaso, basta estar de bem com tal Mente Superior: nasce a Religião…

Antes que os pentelhos de plantão venham me encher o saco com seus dogmas, eu falei RELIGIÃO!!! Fé é outra coisa!

Por acaso, falo disso em outra oportunidade, se o acaso permitir que eu volte a escrever…

===/===

5 de jul. de 2010

O paralisado de Betesda

Lemos no Evangelho de São João:

Passadas estas coisas, havia uma festa dos judeus, e Jesus subiu para Jerusalém.   Ora, existe ali, junto à Porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico Betesda, o qual tem cinco pavilhões.  Nestes, jazia uma multidão de enfermos, cegos, coxos, paralíticos  [esperando que se movesse a água. Porquanto um anjo descia em certo tempo, agitando-a; e o primeiro que entrava no tanque, uma vez agitada a água, sarava de qualquer doença que tivesse]. 

Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos.   Jesus, vendo-o deitado e sabendo que estava assim há muito tempo, perguntou-lhe: Queres ser curado?   Respondeu-lhe o enfermo: Senhor, não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; pois, enquanto eu vou, desce outro antes de mim.

Então, lhe disse Jesus: ‘Levanta-te, toma o teu leito e anda’.   Imediatamente, o homem se viu curado e, tomando o leito, pôs-se a andar. E aquele dia era sábado.

Por isso, disseram os judeus ao que fora curado: Hoje é sábado, e não te é lícito carregar o leito.   Ao que ele lhes respondeu: O mesmo que me curou me disse: Toma o teu leito e anda.   Perguntaram-lhe eles: Quem é o homem que te disse: Toma o teu leito e anda?   Mas o que fora curado não sabia quem era; porque Jesus se havia retirado, por haver muita gente naquele lugar.  

Mais tarde, Jesus o encontrou no templo e lhe disse: ‘Olha que já estás curado; não peques mais, para que não te suceda coisa pior’.  O homem retirou-se e disse aos judeus que fora Jesus quem o havia curado.  E os judeus perseguiam Jesus, porque fazia estas coisas no sábado”.  (João 5.1-16 ; Almeida, Revista e Atualizada).

I. Sobre o Evangelho de João

Não sei porque a maioria das edições da Bíblia em Português costuma colocar o título “Cura de um paralítico” para essa perícope.  Pessoalmente não gosto de títulos no texto bíblico porque já induzem uma interpretação, mas compreendo que tal providência ajuda em muito a localização de perícopes. Mas, por ser escolha do editor, o título (que não é parte do texto sagrado) traz em si uma interpretação. Do ponto de vista da leitura litúrgica da Bíblia, é errado ler-se o título porque não é parte da Palavra a ser proclamada, anunciada, estudada e compreendida.

No caso da perícope acima, o título é totalmente errado e induz o leitor a ver algo que não está no texto: um milagre: “um paralítico é curado”.  Todavia, o que o texto fala não é de um milagre, mas de um sinal que Jesus faz e que vai mais uma vez colocá-lo em confronto com as autoridades religiosas e os interpretes oficiais da Escritura judaica.

Em primeiro lugar, no texto joanino inteiro a palavra “milagre”  aparece pouquíssimo e nunca para descrever algum feito narrado. Note, leitor que me refiro aos textos originais gregos aceitos pela tradição cristã. Em algumas péssimas traduções para o Português, a palavra “milagre” em João aparece muito, como má tradução de um termo grego cujo significado mais concreto e teológico é “SINAL”. Em João, Jesus não faz milagres, mas  sinais!

Isso se deve ao contexto histórico gerador do texto joanino.  As comunidades onde surge o texto de João são comunidades de judeus-cristãos na Diáspora, pessoas fiéis ao judaísmo tradicional, além de gentios de várias etnias; todavia tendo recebido Jesus como o Messias esperado, mas diferente (não um rei messias, mas um Messias Servo, não exclusivo mas para toda a humanidade. Estas comunidades estavam espalhadas pela Ásia Menor – as sete Igrejas da Ásia referidas em Apocalipse.  No ano 90 d.C. houve um grande concílio rabínico na cidade de Jamnia, hoje situada na Faixa de Gaza.  Nesse concílio, os mestres judeus declararam o anátema sobre quem aceitasse Jesus como o Messias, dentre outras decisões.  Ou seja, os judeus-cristãos foram expulsos das sinagogas e não eram mais contados como povo de Israel de Deus.

As comunidades judaico-cristãs perderam assim sua identidade básica: “Se não somos mais parte do Povo de Israel , o que somos?”  essa é a pergunta que ficou em suas mentes e em seus corações.  O Evangelho de João vem responder à essa pergunta, mostrando Jesus em permanente conflito com as autoridades religiosas do Judaísmo, denunciando-os como usurpadores da Lei e dos Profetas, e – portanto – ao recusarem o Messias, estavam se recusando a aceitar o que Deus havia determinado. Em outras palavras, as autoridades religiosas judaicas perderam sua autenticidade e legitimidade.  A partir de Jamnia, a identidade cristã se separa em definitivo da identidade judaica.

Assim, o texto de João não está preocupado em mostrar que Jesus de Nazaré é o Messias enviado por Deus, como por exemplo Mateus – que cita os profetas e os salmos permanentemente; antes, João foi escrito para os que já aceitaram Jesus como Messias, e quer denunciar o erro daqueles judeus – e das autoridades religiosas – que o recusaram, mostrando  o Messias em confronto com tais autoridades e desautorizando-as através de argumentos e sinais. 

O texto de João, do capítulo 2 até o 12 tem uma estrutura bem determinada; alterna sempre as seguintes situações: há um sinal de Jesus, uma palavra de Jesus, um debate com os mestres de Israel, uma segunda palavra de Jesus fechando o assunto e derrotando os argumentos dos doutores da Lei.  Essa sequencia varia, mas estes elementos estão sempre presentes.  Em alguns momentos há ainda o testemunho dos discípulos. A partir do capítulo 13 até o 17, o texto é essencialmente a palavra de Jesus aos discípulos, uma espécie de resumo doutrinário que dá identidade aos discípulos. Então segue-se a narrativa da Paixão onde deixa claro que a morte de Jesus foi provocada pelos líderes religiosos judeus.  O Evangelho termina com os eventos da Ressurreição e os encontros com o Ressuscitado. Chamo a atenção que, em João, não há referência à Ascensão, Jesus está permanentemente junto aos seus discípulos e discípulas.

II . A perícope em questão.

A luz dessas informações, vamos refletir sobre a perícope  João 5.1-16.

A piscina de Betesda é parte de uma religiosidade popular da antiga Jerusalém, como bem explica o texto de João. Havia a crença que um certo Anjo agitava as águas uma vez ao dia e assim a água adquiria o poder de curar quem primeiro nela mergulhasse.  Não vamos discutir esses detalhes aqui, deixemos para outra oportunidade. Por agora, vamos assumir essa crença como um fato dado pelo texto em estudo.

O texto não fala de um paralítico, mas de um enfermo que está ali, a espera de uma cura, há 38 anos – para aquele tempo, quase a duração de uma vida humana.  O enfermo lamenta-se que não conta com uma pessoa para levá-lo ao tanque e que quando lá chega, alguém já havia conseguido mergulhar antes. Em outras palavras, esse enfermo está paralisado diante de sua espera pela cura.

Jesus, talvez tomado de grande compaixão por aquele homem, lhe pergunta se ele quer  ser curado. Ao invés de responder à pergunta, o homem justifica-se e lamenta sua situação.  Então Jesus, sem invocar a Deus, sem orar, sem impor as mãos sobre o homem, apenas lhe diz:  “Levanta-te, toma o teu leito e anda” ! E o homem se levantou e foi embora, levando consigo o seu leito.  Não há ai nenhum elemento que caracterize um “milagre” , apenas a palavra de Jesus é suficiente, uma palavra imperativa que o homem enfermo obedece sem argumentar. [de fato, a Palavra – o Logos – é uma das características fundamentais da teologia joanina].

Este homem era alguém paralisado pela sua própria esperança de cura. Crente em uma tradição popular, perdia o tempo de sua vida esperando por algo que lhe era impossível conseguir. Todavia, Jesus lhe ordena que simplesmente vá embora levando consigo o leito de sua enfermidade.  Jesus liberta esse homem de uma falsa esperança e o faz perceber que podia ele mesmo carregar seu leito e andar e cuidar de sua vida! Sem depender de ninguém que o carregasse ou de qualquer anjo que viesse.

Sei que para a maioria dos leitores essa interpretação parecerá muito racional e pouco espiritual. Mas, acredite se puder, eu faço tal afirmação movido por um profundo sentimento místico: o Cristo que nos liberta de vãs esperanças e crendices, afirmando a cada um de nós que somos capazes de carregar nós mesmos os fardos de nossas vidas, sem precisarmos viver em lamentações e expectativas de que alguém ou os anjos façam algo por nós.

Mas o assunto não termina aqui. No contexto de João, o que se segue é mais importante. Os judeus, vendo o homem carregando o leito em dia de sábado, fiéis ao seu uso e costume e à sua forma de interpretar a Lei, repreenderam o homem por estar desobedecendo a lei.  Para os que estão presos à letra da lei, pouco importa a libertação experimentada por aquele homem, pouco importa a alegria diante de uma nova vida… importa apenas cumprir o texto da Lei.

Dai para a frente, João narra a discussão sobre o sábado, desmascarando a forma institucionalizada de interpretação da Lei. O conselho dado ao homem, “não peques mais” parece alertá-lo sobre a Lei… (deixo ao leitor a tarefa de meditar sobre isso).

III. Concluindo

O texto estudado é muito rico e nos leva a muitas reflexões. O Evangelho de João é um dos mais complexos livros da Bíblia e é parte de um conjunto que inclui o Apocalipse e as Cartas Joaninas. É uma literatura própria dentro do Novo Testamento e traz em si uma teologia bem específica resultado da reflexão das Comunidades Joaninas, ainda hoje objeto de pesquisa e estudo por parte dos exegetas.

Mas dessa simples perícope podemos pelo menos tirar duas lições:

a. O Cristo nos anima a enfrentarmos com coragem as nossas próprias limitações e a viver com elas (carregar o leito), sem ficarmos paralisados à espera de que algo venha resolver a vida para nós;

b. Mais importante que obedecer a normas morais (não carregar o leito no sábado), é a perspectiva da ética libertadora (carregar o leito já que se está liberto)!

===/===

1 de jul. de 2010

Do Tudo e do Nada: ensaio de filosofia ilógica

I. Tudo sobre o Nada

                                                                             .”

II. Nada sobre o Tudo

 

                                                                                                     .”

III. Conclusão

Quando falamos tudo sobre o Nada e nada sobre o Tudo, falamos exatamente a mesma coisa, ou seja, NADA!

Isso prova que o NADA, não só existe, como é absoluto enquanto existência, ou seja, Tudo é Nada? na verdade, Nada é Tudo!

===/===

26 de jun. de 2010

Coisa antiga...

Vejam só! Recebi isto do meu amigo Dr. Rui Perini. Parece que as vuvuzelas não são pósmodernas!!!



Fica aqui o registro!
===/===

14 de mai. de 2010

A evolução do ensino da Matemática (e da Educação Escolar) no Brasil

Recebi por e-mail, autor desconhecido.  Mas concordo em tudo com o autor(a). Triste Brasil!

Antigamente se ensinava e cobrava tabuada, caligrafia, redação, datilografia...  Havia aulas de Educação Física, Moral e Cívica, Práticas Agrícolas, Práticas Industriais e cantava-se o Hino Nacional, hasteando a Bandeira Nacional antes de iniciar as aulas....

Leiam o relato de uma Professora de Matemática:

Semana passada comprei um produto que custou R$15,80.  Dei à balconista R$ 20,00 e peguei na minha bolsa 80 centavos, para evitar receber ainda mais moedas. A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para a máquina registradora, aparentemente sem saber o que fazer.

Tentei explicar que ela tinha que me dar 5,00 reais de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar e ela aparentemente continuava sem entender.

Por que estou contando isso?  Porque me dei conta da evolução do ensino de matemática desde 1950, que foi assim:

1. Ensino de matemática em 1950:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o lucro?

2. Ensino de matemática em 1970:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é igual a 4/5 do preço de venda ou R$80,00. Qual é o lucro?

3. Ensino de matemática em 1980:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$80,00. Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1990:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$80,00. Escolha a resposta certa, que indica o lucro:
( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

5. Ensino de matemática em 2000:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de produção é R$80,00. O lucro é de R$ 20,00. Está certo?
( )SIM ( ) NÃO

6. Ensino de matemática em 2009:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$ 80,00. Se você souber ler, coloque um X no R$ 20,00.
( )R$ 20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

7. Em 2010 vai ser assim:
Um lenhador vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de produção é R$ 80,00. Se você souber ler coloque um X no R$ 20,00. (Se você é afro descendente, especial, indígena ou de qualquer outra minoria social não precisa nem responder)
( )R$20,00 ( )R$40,00 ( )R$60,00 ( )R$80,00 ( )R$100,00

Além disso, se um moleque resolve pichar a sala de aula e a professora faz com que ele pinte a sala novamente, os pais ficam enfurecidos pois a professora provocou traumas na criança.

Em 1969 os Pais do aluno perguntavam enfurecidos ao "aluno": "Que notas são estas...???"  Em 2009 os Pais do aluno perguntam enfurecidos ao "professor": "Que notas são estas...???"

"Todo mundo 'pensando' em deixar um planeta melhor para nossos filhos... Quando é que 'pensarão' em deixar filhos melhores para o nosso planeta?"

Precisamos começar JÁ!

Uma criança que aprende o respeito e a honra dentro de casa e recebe o exemplo vindo de seus pais, torna-se um adulto comprometido em todos os aspectos, inclusive em respeitar o planeta onde vive...

"Não somos responsáveis apenas pelo que fazemos, mas, também, pelo que deixamos de fazer."

(Como eu digo na apresentação deste blogue, veja na lateral acima, não sou e nem faço questão de ser politicamente correto. Em nome disso é que a avacalhação está tomando conta da sociedade brasileira; lixo norte-americano imposto pelo colonialismo cultural.  E para quem não gostar, ofereço uma expressão que os norte-americanos adoram, e que lá é politicamente correta:   F.. you! (entendeu, não é?)!

===/===

15 de abr. de 2010

Na partilha do pão, o Ressuscitado parte o Pão!

               “Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios.  E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles. Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer.  Então, lhes perguntou Jesus: Que é isso que vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais? E eles pararam entristecidos. 
Um, porém, chamado Cleopas, respondeu, dizendo: És o único, porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes últimos dias? 
Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram: O que aconteceu a Jesus, o Nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo, e como os principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.  É verdade também que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos surpreenderam, tendo ido de madrugada ao túmulo; e, não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão de anjos, os quais afirmam que ele vive. De fato, alguns dos nossos foram ao sepulcro e verificaram a exatidão do que disseram as mulheres; mas não o viram.
Então, lhes disse Jesus:  Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?  E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras. Quando se aproximavam da aldeia para onde iam, fez ele menção de passar adiante. Mas eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. E entrou para ficar com eles.
E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles. E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?
E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde acharam reunidos os onze e outros com eles, os quais diziam: O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão!  Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora por eles reconhecido no partir do pão.” 
(Lucas 24. 13-35)

Enquanto a conversa se limita à explicação teológica, o peregrino que se apresenta é apenas um peregrino, mais um a caminho como tantos, um peregrino que tem conhecimento da Escritura; mas é apenas um caminheiro que se junta a outros dois.  As dúvidas, as incertezas, e a tentativa de entender os fatos recém acontecidos, os quais frustraram a utopia,  fecham os olhos do Coração e da Mente.  Toda a explicação que recebem sobre a Escritura não esclarece a situação, nem refaz a esperança. São palavras, um discurso que mesmo fazendo sentido, não dá sentido aos fatos nem reduz a frustração da utopia  que se tornou atopia.

Entretanto, o sol se põe e dois deles chegam a seu destino. Mesmo frustrados, mostram-se próximos ao terceiro caminheiro.  “Fica conosco, é tarde, o dia já declina”. O convite supera o discurso. Já não é uma explicação, nem uma pergunta, mas um convite, uma abertura do coração a alguém que – naquele momento – se tornaria um solitário no caminho, se o convite não fosse feito.  Oferece-se a partilha da mesa e do teto; oferece-se a acolhida incondicional ao Desconhecido que – de  repente – se torna o Reconhecido, e ao ser reconhecido se dissolve na percepção do Mistério que se revela.

O reconhecimento da Presença do Ressuscitado não é algo resultante do discurso das explicações lógicas. A Presença se torna visível quando, primeiro, vem a palavra do Coração, o convite solidário, o gesto de quem se faz próximo. Só a quem se faz próximo e – portanto – solidário, o Ressuscitado se revela no momento da partilha.

Olha ao teu redor! talvez o desconhecido que caminha ao teu lado seja Aquele que quer ser reconhecido. Abra teu coração e torna-te próximo.  Com certeza, teu coração O verá!

>>> (veja também a postagem mais abaixo,  “Quem é meu próximo?”)

===

11 de abr. de 2010

Conversando com Deus sobre Viviane e pernambucanos

Da  série: Encantos e Desencantos: rasgando o coração diante de Deus ( II )

Senhor, estou aqui diante de Ti novamente, desta vez para agradecer-Te. Agradecer-te pelo que tens me dado neste pouco tempo em Pernambuco, mais especialmente em Olinda e Recife.  Quero fazer de Viviane o símbolo da experiência totalmente nova que estou vivendo, a experiência da acolhida radical, incondicional e irrestrita. A acolhida dada a um peregrino que se dirige a um horizonte novo o qual ainda não pode ser plenamente vislumbrado, apenas sonhado.

Viviane, que não me conhecia e apenas sabia ser eu um amigo há anos de seu esposo, Eduardo, o poeta Halves, o qual me tem como amigo e irmão de coração.  Viviane que me acolheu em sua casa sem perguntas e me fez sentir o calor humano da bondade pura e da relação honesta sem intenções políticas. Viviane, que com Eduardo, me ensinou que não há casa pequena quando o amor é grande.

Esse carinho e cuidado por mim, que se manifestou desde minha chegada ao aeroporto de Recife, e que foi se multiplicando pelo pessoal da Comunidade Jesus de Nazaré – reunida dominicalmente na capela do Seminário Anglicano de Estudos Teológicos (SAET); por Dom Sebastião, bispo anglicano de Recife; pelos irmãos do clero da Diocese Anglicana de Recife na celebração do nosso Ministério Ordenado na Semana Santa… a acolhida muito especial do pessoal do SaGrama, através de Sérgio, Barreto e Frederica. O reencontro com Marcos e Jadson, companheiros de lutas e caminhadas do passado, o abraço fraterno, o rosto feliz pelo reencontro.

Agradeço a Ti, Senhor, porque no Outono da minha vida, que já me parecia inverno, fazes ainda nascer o sol do afeto e do amor, através de enormes corações que vivem aqui neste lugar para onde Tu me trouxeste já há doze anos através da poesia de Halves.

Agradeço também, Senhor o carinho das famílias de Eduardo e de Viviane, recebendo-me em suas casas para a refeição, sem perguntas, sem suspeitas, apenas o olhar bondoso de quem acolhe um outro que já é irmão.

A mesma acolhida simpática que vejo nas ruas, quando perdido, pergunto sobre o ônibus para ir a tal lugar, ou como chego – gente que me responde sorrindo e até se oferece para caminhar uma ou duas quadras comigo a fim de facilitar o caminho. A simpatia de alguém que começa a conversa por causa de um cigarro numa praça, e ela se estende por algumas horas, passando pela Física Quântica, a Música, a tecnologia de transmissão de energia elétrica e a oferta de uma carona.

Quando cheguei à casa de Eduardo e Viviane, ela me abraçou carinhosa e apenas disse: “seja bem vindo, aqui é a sua casa!”  (isso me recorda a Casa da Ivone, outra pessoa especial que Tu deste para minha vida! e muitas casas em Portugal – saudades!).  A frase dita por Viviane não foi só uma frase gentil, burguesa e formal; já no dia seguinte ela se se tornou um fato, pelo cuidado e carinho no preparo de um mingau… e todas as manhãs, quando acordo, um mingau me espera… Viviane, que com idade de ser minha filha, eu chamo de Maínha! tal é o carinho que tem pela sua casa, seu esposo, os miúdos e… comigo, seu mais novo miúdo.

Isso tudo, Senhor, é obra Tua no coração dessas pessoas e na minha vida tão complicada e muitas vezes confusa. Através de teus Mistérios Amorosos, me fazes encontrar aqui tantas pessoas que me acolhem sem perguntas, e que falam de um novo tempo, um novo horizonte, uma nova oportunidade, e dizem sinceramente, sem burocracia ou paranóia alguma, “pode contar comigo!”, e um ou dois dias depois me aparecem com idéias, convites e possibilidades…

Obrigado, Senhor por Viviane e todo esse pessoal maravilhoso de Olinda e Recife.

===

1 de abr. de 2010

Quem é meu próximo?

E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?
A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás.
Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?
Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar.
Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?
Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo.
”    (Lucas 10.25-37)
O Senhor, nesta parábola, inverte a pergunta sem, de fato, respondê-la. O interprete da Lei lhe perguntou “Quem é o meu próximo?” mas Jesus lhe sugere refletir como se a questão fosse “De quem eu sou o próximo?”
Normalmente queremos ver nesta parábola, o samaritano como “bom”, e o homem ferido como sendo o próximo. Na verdade, a parábola conclui dizendo que o próximo é o Samaritano, ou seja, aquele que faz o que o outro necessita – aquele que age com misericórdia.
A pergunta original, “Quem é o meu próximo?” é irrelevante, de acordo com o narrador da parábola. Importa antes saber  “De quem sou o próximo?”, ou seja não se trata de buscar critérios para definir o próximo, mas de estarmos atentos em sermos o próximo para quem necessitar!
Assim, o “meu próximo” é aquele que me acolhe, me estende a mão, busca atender à minha necessidade. A esse devo amar como a mim mesmo porque ele me amou primeiro quando deixou de lado a sua vida para cuidar da minha por um momento.
O Mandamento do Amor é absoluto: tenho de amar todas as pessoas, e as amo sendo para elas o próximo. Mas o “amor ao próximo” , que no resumo da Lei está ao lado do “amor a Deus” é o amor reconhecido, de gratidão, tal como deve ser o amor a Deus. Deus toma a iniciativa do amor, do amor misericordioso, amando-me na condição em que me encontro;  assim, o próximo – que toma a iniciativa de socorrer-me, age como espelho do amor divino, o amor misericordioso. Por isso o amor ao próximo está associado ao amor a Deus. Amo a Deus como gratidão pela sua misericórdia, amando a todas as pessoas; amo o próximo, também por gratidão, porque o próximo – aquele que age por misericórdia – me recorda o amor de Deus, o próximo se torna um sinal concreto do amor de Deus.
O amor de Deus me inspira a misericórdia que devo ter para com todos; o amor misericordioso do meu próximo se torna sinal desse amor divino e me inspira a ser o próximo para quem necessita. A parábola contraria a lógica da máscara do avião (ver postagem anterior).

===

13 de mar. de 2010

O Avião e o Evangelho

É muito conhecida a regra da “máscara do avião”.  Aquela orientação sobre como colocar a máscara de oxigênio em caso de despressurização: “coloque a máscara primeiro em si e depois na criança”.

É bastante lógica tal providência, porque é preciso que você esteja adequadamente oxigenado para prestar socorro a alguém.  Tendo passado os últimos 13 anos da minha vida dentro de aviões, mais de uma vez vivi a experiência de “em caso de despressurização, máscaras de oxigênio cairão do teto, etc.”  E de fato elas caem mesmo.  E no caso de passageiros sozinhos no assento que tenham alguma dificuldade, a tripulação está lá para ajudar. Interessante que a máxima “coloque primeiro a máscara em si mesmo” não vale para a tripulação.

Esse princípio de “colocar a máscara primeiro em si mesmo”  virou mais uma dessas afirmações idiotas do senso comum da auto-ajuda e, o que mais me deixa impressionado, é que se tornou também um pressuposto adotado por muitos terapeutas.  A falsa lógica que se oculta atrás desse princípio objetivo, em termos existenciais, é a seguinte: você só pode ajudar alguém SE estiver bem, se não precisar de ajuda – se você estiver mal, não vai conseguir ajudar outrem.

Acontece que a vida não é uma viagem de avião.  Não tem uma tripulação treinada, embora haja um exército de pessoas “treinadas” nas escolas de saúde mental (cujos serviços são muito mais caros que uma passagem área) e um arsenal enorme de propostas para auto-ajuda, que de fato ajudam muito os que as patentearam.  De certa forma, é mais uma forma de promover o individualismo, e reduzir a sensibilidade para ações solidárias.

Olha, eu sinto muito que você esteja passando por isso, lamento, mas eu também não estou bem, preciso cuidar de mim, compreende? é como o lance da máscara do avião!” – tenho ouvido isso em demasia nos últimos tempos. O suficiente para entender que não posso contar com a maioria das pessoas que eu conheço e considerava como amigas. De fato, é uma gentil maneira de dizer “Lamento, mas não encha o saco. Foda-se!

Outra “filosofia barata” que tenho ouvido muito é “a gente tem de assumir o resultado das nossas escolhas”. Ou seja, se você se fudeu, a culpa é sua mesmo porque fez opções erradas.  Na verdade, é uma outra maneira de dizer: “Foda-se”.  Essa afirmação vem sempre seguida de outra – também uma pérola: “O importante agora é seguir em frente”; mas ninguém diz para onde…

Para quem se sente à beira de um abismo, essa frase é realmente muito consoladora. Não importa se você fez uma opção porque alguém te iludiu: a culpa é sua! Não importa se você fez uma opção porque seguiu o que achava ser eticamente correto: foda-se! Não importa se a sua opção foi movida pelo senso de responsabilidade profissional: você escolheu, dane-se! Não importa se você acreditou em pessoas ou instituições que te traíram: você foi bobo, agora lasque-se!

O resultado disso é criar para nós a sensação de que todo mundo está se lascando e tendo de ajudar a si mesmo; além disso, há a intenção ideológica de eximir de responsabilidade as pessoas, as instituições, o estado, ou seja, o sujeito é o único culpado de ser o que é.  “Logo”, assim pensará quem começa a vida, “o importante é eu me sentir bem, eu cuidar de mim e procurar só meus interesses para fazer as melhores escolhas para mim mesmo!” É o liberalismo capitalista levado ao extremo.

Hitler sentia-se muito bem em exterminar judeus e tinha certeza que fazia o melhor para a Alemanha. Portanto, é um absurdo ele ser julgado por um mundo que prega exatamente a filosofia do “fazer o que é melhor para mim”.  Para a maioria dos jovens paupérrimos que vivem na periferia das grandes cidades, conseguir um emprego com o crime organizado é realmente a melhor escolha que eles tem, diante de nenhuma outra. Portanto, a polícia deveria respeitar a liberdade deles em fazer tal escolha, afinal é a única opção de ganharem algum dinheiro e se sentirem bem… 

Já que todo mundo está primeiro colocando a mascara em si mesmo, ninguém poderá realmente fazer nada para mudar a situação… e assim vamos criando o mundo do “eu sozinho faço as escolhas que sejam melhores para euzinho – e o mundo que se foda!”

Quando eu chego à absurda situação de ouvir essas coisas “cuidar de si mesmo antes dos outros” (e conselhos semelhantes) ditas por pregadores do Evangelho, por pastores e pastoras, e por gente que se diz cristã, fico numa dúvida angustiante: ou eu realmente não entendi o Evangelho de Cristo ou estamos mesmo em tempos do Anticristo!

Acho que posso eliminar a primeira hipótese. Afinal, não poderia viver iludido por mais de 40 anos em relação ao Evangelho.  Havendo duas alternativas mutuamente exclusivas, diz o Cálculo de Predicados (Lógica Formal Matemática), a negação de uma significa a afirmação da outra. Assim concluo que estamos em tempos do Anticristo.

Entretanto, se a vida não é uma viagem de avião, também não é regida pelo Cálculo de Predicados – ele só se aplica dentro da objetividade racional das ciências matemáticas  (ainda escreverei um artigo mostrando que a Matemática não é tão objetiva e racional quanto a maioria das pessoas pensa, mas fica para outro momento). E a mente humana (portanto, a história humana) não é só racionalidade: ela é profundamente subjetiva, a ponto de criar a arte! E se temos a Mente, também temos Coração e Espírito: sentimos (e podemos refletir sobre o que sentimos ou seja, o sentir é uma ação consciente) e buscamos algo que nos transcenda.

Apesar de tudo, tenho visto coisas que mantém minha esperança no Evangelho. Por exemplo, neste tempo difícil que estou vivendo, recebi muita solidariedade objetiva (não palavrinhas de consolo, como Jó recebeu de seus “amigos”), de gente que eu não esperava receber alguma coisa por que não eram tão próximos a mim (nunca tinham dito que eram meus amigos). Tais pessoas são para mim os Anjos que Deus tem enviado para me manter em pé e – apesar de tudo – suportar a dor e evitar o desespero absoluto.

Ainda há gente que não obedece a regra da máscara do avião… ainda há pessoas capazes de estender a mão e colocar a máscara em você, independente de como estejam. Ainda há aquelas pessoas que sabem que seguir a Cristo é seguir com a cruz, dando suporte uns aos outros, como disse o Apóstolo Paulo à Igreja em Éfeso (Ef 4.2).

Se os tempos forem do Anticristo, pelo menos ainda há os que seguem o Cristo. Portanto, ainda há esperança para o mundo, embora a maioria das pessoas esteja viajando de avião, cuidando de si mesmas para ficarem melhor e depois ajudarem outros.

Um detalhe: há 10 anos, em uma viagem de avião – São Paulo/Quito via Manaus – um vôo sempre com poucos passageiros, eu salvei a vida de uma senhora de 70 anos que estava sozinha  no assento da janela no lado oposto ao que eu estava. Só eu percebi que a máscara dela não funcionava. Ela estava já com sinais de cianose (pele azulada) e debatia-se muito.  Tirei minha máscara, prendi a respiração, sentei ao lado dela, tirei a máscara dela, coloquei outra, e depois coloquei a terceira em mim, e ela ficou de mãos dadas comigo até o pouso.  A comissária, que não tinha como ver a situação da senhora, me deu esporro pelo sistema de som, mas eu tinha plena consciência que a senhora morreria se eu não a ajudasse rápido.  Foi o meu gesto que fez com que outro passageiros dissesse: “alguém está mal”, e ai vieram prestar socorro, mas já não precisava. Eu poderia ter chamado a tripulação (afinal são treinados para isso), mas na hora era mais rápido eu mudar de lugar que esperar por alguém “habilitado”.

Não sou adepto da “regra do avião” para a vida. Se eu amo alguém, prefiro morrer abraçado a quem amo, que vê-ló morrer em total solidão! Eu acho que é isso que diz no Evangelho (João 15.13)… e é isso que eu obedeço.  

===

9 de mar. de 2010

Os Episcopais Anglicanos

A Comunhão Anglicana é formada por Igrejas Nacionais (ou Regionais - subcontinentais), Autônomas e Autóctones, que são chamadas Províncias.  Cada Província tem sua organização própria. É "presidida" por um Bispo Primaz, também chamado Arcebispo em alguns lugares. A Província é governada pelo Sínodo Geral, composto pelas delegações clericais e leigas de cada Diocese e mais a Câmara dos Bispos. Os votos são sempre paritários. O Bispo Primaz preside o Sínodo, a Câmara dos Bispos (como Primus Interpares) e a Província. Em termos da Ciência Política, eu diria que o Anglicanismo, como o Protestantismo, adota a forma Parlamentarista de governo.

O Arcebispo de Cantuária, que é o Primaz da Comunhão Anglicana, não tem poder nem jurisdição alguma sobre qualquer outra Província ou Diocese a não ser a sua própria (Diocese de Cantuária).  Portanto, ele não é o "Papa" dos Anglicanos. Não temos nada semelhante ao papado, nunca tivemos e não queremos ter! O Arcebispo de Cantuária é o símbolo da unidade da Igreja, à medida que a Church of England é a mãe, avó ou bisavó - no caso do Brasil - das demais Igrejas que formam a Comunhão.

A Comunhão Anglicana tem três instâncias consultivas em nível mundial, nenhuma delas com poder deliberativo:
a) - A Reunião Anual dos Primazes, presidida pelo Arcebispo de Cantuária, com a participação dos Bispos Primazes de todas as Províncias. Tratam de assuntos de ordem pastoral, litúrgica e buscam aprimorar os laços de Comunhão, e fazem recomendações à Comunhão.
b) - O Conselho Consultivo Anglicano, se reúne em média a cada três anos, com delegados episcopais, clericais e leigos de todas as Províncias. Sua finalidade é a discussão de questões que afetam à Igreja, à Comunhão, e suas decisões têm caráter consultivo, sendo tratadas como propostas a serem examinadas e, se for o caso, adotadas ou recusadas pelo Sínodo Geral de cada Província.
c) - A Conferência de Lambeth, presidida pelo Arcebispo de Cantuária, reúne todos os Bispos Diocesanos, Coadjutores e Sufragâneos da Comunhão, hoje cerca de 700 bispos, em todo o mundo. Também é consultiva, e trata principalmente de questões de doutrina, liturgia, pastoral, geopolítica, etc.  e encaminha suas recomendações aos Sínodos das Províncias, que podem acatá-las (transformando em norma) ou recusá-las.

A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) é a Igreja membro da Comunhão Anglicana no Brasil. Hoje o nome "Igreja Anglicana" tem sido usada por outros grupos, mas não têm nenhuma relação com a Comunhão.

A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil  é uma Província autônoma e autóctone da Comunhão. Tem sua própria Constituição, seus Cânones, sua organização e governo, semelhante a qualquer outra Província. Temos um Sínodo Geral que se reúne a cada três anos, o qual elege o Primaz dentre os Bispos Diocesanos. O atual Primaz é Dom Maurício Andrade, bispo da Diocese Anglicana de Brasília.

A IEAB é organizada em Diocese cada uma delas governada por um Bispo em conjunto com um Conselho Diocesano, do qual fazem parte, de forma paritária, clérigos e leigos eleitos pelo Concílio da Diocese (assembléia anual). A maior autoridade de uma Diocese é seu Concílio, formado pelas delegações leigas de todas as comunidades, mais o clero e o Bispo. Somos nove Dioceses no Brasil mais um Distrito Missionário. Você pode encontrar mais informações no site da Igreja: www.ieab.org.br

A IEAB hoje é resultado da união três grupos de ação anglicana: os missionários que, vindos dos EUA, iniciaram a missão no Rio Grande do Sul em 1890; as antigas capelanias britânicas em solo brasileiro ( por força do Acordo Comercial com o Império Britânico em 1810); e os clérigos missionários que vieram do Japão, no contexto da imigração japonesa, e desenvolveram igrejas no interior de São Paulo e Norte do Paraná.

Historicamente, consideramos a IEAB uma filha da Igreja Episcopal dos Estados Unidos (The Episcopal Church), que, por sua vez, é uma mescla entre a Igreja da Inglaterra (The Church of England) existente nas colônias da América do Norte quando da Independência, e a Igreja Episcopal da Escócia (The Scotish Episcopal Church), da qual recebeu a sucessão apostólica de seu episcopado e orientações.
Essa mescla das tradições inglesa e escocesa, aliadas ao Puritanismo das Colônias da América do Norte, e às diversas correntes protestantes que se juntaram em sua organização, deram à Igreja dos Estados Unidos uma identidade peculiar, que chamamos de Episcopalismo. O que veio para o Brasil, com os missionários ao final do séc. XIX, foi exatamente o Episcopalismo, e isso marca muito mais a identidade da IEAB que a tradição inglesa.

A identidade anglicana é marcada pela diversidade. Não há um padrão. Os anglicanos discordam entre si em muitas coisas; temos em nossa diversidade um leque de posicionamentos que vai desde o fundamentalismo bíblico radical até o liberalismo total, passando por muitas matizes teológicas e filosóficas. Mas buscamos manter o respeito pelas opiniões uns dos outros, de forma a preservar nossa comunhão e vida comunitária.

Portanto, nunca é possível generalizar qualquer posição ou postura entre os anglicanos. Para que haja uma posição formal – oficial – da Igreja, é necessário que o Sínodo Geral se pronuncie. Quando se trata de um posicionamento adotado em um Concílio, refere-se apenas àquela Diocese. Um pronunciamento da Câmara dos Bispos não significa uma posição da Igreja, mas do Episcopado.
Evidentemente há fundamentalistas entre anglicanos no mundo todo, ou seja pessoas que fazem do texto bíblico um absoluto por si mesmo, sem margem a interpretações, análises de hermenêutica ou das demais ciências bíblicas. Mas, digo isso com certeza, o fundamentalismo não é uma posição maioritária entre os anglicanos em todo o mundo.

Há anglicanos que se identificam mais com o pensamento da Tradição Católica herdada dos Antigos, outros são mais simpáticos às teses da Reforma Protestante do séc. XVI; há aqueles que têm sua vida devocional inspirada no Pietismo do sec. XVII ou nos movimentos avivalistas do séc. XVIII e XIX; e há carismáticos.

Não há manuais de “anglicanismo” ou de “episcopalismo”.  Ser “anglicano”, ou “episcopal” ou “episcopal anglicano”, não se aprende em cursos ou catecismos, nem se resume em adotar certas normas doutrinárias. Aprende-se a ser anglicano apenas de uma única maneira: na vivência com as comunidades da Igreja.  E, digo depois de estar na Igreja há 40 anos, nunca se pode dizer que o aprendizado foi completo… a Igreja sempre nos surpreende, aqui e ali, com seu dinamismo e sua permanente indigenização, o mergulho dentro da cultura onde evangeliza.

Somos uma Igreja para pessoas livres que não aceitam ser manipuladas em sua consciência e preservam a liberdade de pensamento.  É absolutamente falso definir as diferentes maneiras de  “ser anglicano” (churchmanship) como blocos partidários, separados entre “anglos-católicos”, “protestantes” e “evangelicais”. Isso demonstra total ignorância da História das Igrejas que formam a Comunhão, além fortalecer um pensamento divisionista totalmente estranho ao Ethos Anglicano

Filhos da Reforma, sim! herdeiros da Tradição Apostólica e Católica da Igreja Antiga, sim! Mas não somos “católicos light”, nem “protestantes litúrgicos”.  Somos Episcopais Anglicanos!
---

27 de fev. de 2010

A mosca

Jurisvaldo é uma mosca; ou melhor um mosco, já que é um macho de sua espécie. Um macho novo, não no tempo, uma vez que já viveu sua fase de larva e de pupa e eclodiu há pouco para a última fase da vida. Assim, no conceito de tempo moscal, Jurisvaldo é um ancião; todavia, seu organismo pulsa como o de um adolescente… está na fase reprodutiva e tudo que Jurisvaldo deseja é encontrar uma mosca fêmea para, com ela, dar sua contribuição à continuidade de sua espécie.

Jurisvaldo enxerga o mundo com seus olhos de mosca; não faz nenhum julgamento, nenhuma análise uma vez que não teve outros olhos para ver e, então, comparar.  E ele nem quer saber de analisar nada, de entender nada; ele voa atento em busca da fêmea. Esse é seu dever e a sua natureza.

Então ele a vê, pousada, esfregando as patas traseiras nas asas. Jurisvaldo não a acha feia nem bonita, nem atraente ou gostosa. Ele não tem tais conceitos. Ele só sabe que é uma fêmea, há pouco eclodida da pupa como ele, e deve estar também em busca do macho para a reprodução.

Ele pousa à distância adequada e faz os movimentos certos para atrair a mosquinha. Ele não sabe que movimentos são esses, nem porque os faz, mas sabe que tem de executar essa dança. A mosquinha fica estática, olhando-o com seus olhos de mosca.  E move as asas na forma que deve mover.

De repente Jurisvaldo percebe que ela assume outra postura, fica atenta e sai voando rapidamente. Ele não tem tempo para pensar. Sente um forte vento e de repente está todo molhado. Mas estranhamente, esse molhado lhe deixa tonto, vai perdendo os sentidos, suas pernas estão estranhas, ele cai no vácuo. Jurisvaldo morre! Morre sem completar sua tarefa. Um banho de algo que vem com um vento forte e ele morre.

“_  Pronto, mamãe! Joguei o inseticida mas uma das mosconas azuis fugiu, a outra, morreu!” diz a mocinha de vestido florido.

---

19 de fev. de 2010

O cãozinho preto

Naquela manhã ele levantou diferente. Pela janela viu que seria daqueles dias cinzas, de garoa fina e vento frio. “Nada animador para um sábado!”, pensou e foi ao banho.

Ao sair do quarto, lá estava o Fred – como sempre. Mas, diferente de sempre, o cão estava cabisbaixo, triste, nem moveu o rabo;  inusitadamente, mordeu a ponta de sua calça, como que puxando-o de volta ao quarto. 

_ “Pare com isso, Fred! já chega!”, e moveu a perna com força.  O cãozinho abaixou a cabeça e o seguiu lentamente.

Não havia café pronto. A empregada ainda não chegara. Ele custou a achar o filtro de papel e o coador, e descobriu que não havia fósforos ao lado do fogão; o acendedor elétrico há muito estava quebrado. Voltou à sala em busca do isqueiro. Lembrou-se que os cigarros estavam na mesa do estúdio, e com eles, o isqueiro. Assim, subiu as escadas já com a certeza que seria um péssimo dia. Quando voltou, o cãozinho estava sentado ao pé da escada.

Novamente o cãozinho pegou a ponta da calça! desta vez estava grunhindo.

_ “O que você tem, Fred? deixa de ser chato!” – fez um carinho na cabeça do cãozinho, que ficou choroso e o olhava muito triste.

Pegou o jornal que estava à porta, e foi para a cozinha. Finalmente fez o café, descobriu que não havia leite. “Merda! café puro me dá azia!” – mas tomou assim mesmo, enquanto lia as manchetes do dia. Logo passou aos quadrinhos e às palavras cruzadas, que hoje estavam mais difíceis que o costume, além do que custou a achar uma esferográfica que prestasse. A empregada chegou, desculpando-se pelo atraso devido à chuva, “mas também é sábado, não é costume vir aos sábados, vim porque o senhor pediu”.  Ele agradeceu o esforço da parte dela em vir no sábado.

_ “O senhor viu a fatura do cartão de crédito? chegou ontem pelo correio, deixei sobre o móvel da sala. Também ligaram do banco! aquele cheque… disseram que  o senhor precisa resolver na segunda-feira sem falta!”

A fatura do cartão de crédito… há dois anos que não o usava, havia estourado o limite por causa daquela sirigaita, estavam cobrando juros altos. Tentou negociar duas vezes, não aceitaram. Parou de pagar, que se dane o banco! Aliás, que se dane o mundo! e aquela merda de cheque! tudo porque o Joel não depositou o salario no dia certo, esculhambou todo o fluxo de cheques pré-datados.

Serviu mais uma xícara de café.

_ “O que tem esse cachorro? está choramingando desde que cheguei!” – o comentário da empregada o trouxe de volta, pois sua mente estava distante, lembrando daquela filha-da-puta que o havia enganado e se aproveitado do dinheiro enquanto tinha. “Mas pelo menos era gostosa e boa de cama…”

_ “Não sei, dona Marta! ele está é muito chato hoje! Vou sair, buscar leite, pão e dar uma volta! Se telefonarem, diga que estou viajando, inventa qualquer coisa, não quero falar com ninguém hoje!”

_ “Ninguém vai telefonar hoje! Afinal, é sábado! os bancos não abrem hoje, quase ninguém trabalha hoje! só ligam para cá fazendo cobrança, então hoje ninguém vai ligar. Olha, esqueci, vão cortar o telefone se não pagar até terça! ”

“Foda-se o telefone também”, ele pensou em dizer, mas não disse.

Fred ficou muito agitado quando percebeu que ele iria sair. Latiu forte, segurou de novo a ponta da calça, agitadíssimo!

_ “Não Fred! Não vou levar você, está chovendo! e fica quieto!”

Mas o cãozinho não ficou quieto! Continuou a latir, a pegar na ponta da calça, de tão agitado acabou esbarrando no console do telefone e tudo veio ao chão.

_ “Até parece que ele não quer que o senhor saia!”

Mas ele saiu! Deixou o Fred latindo desesperado, e a empregada arrumando o console e o telefone. A chuva havia aumentado, ele fechou melhor a japona e abriu o guarda chuva. Era uma boa caminhada até a padaria. Um caminhão entrou na rua vindo da esquina à frente.

(…)

O padre encerrou o ofício e disse algumas palavras – jargões de sempre. Afinal, não havia muita gente naquela manhã.  Um acidente estranho, um caminhão desgovernado… a dona Corina disse que havia sido suicídio, que perdeu a cabeça por causa daquela mulher, e outras versões sobre o mesmo tema. “Isso é conversa de velha fofoqueira”. O fato é que quase ninguém foi ao enterro, o vizinho e a empregada perderam quase todo o domingo para liberar o corpo no IML, nem houve um velório decente;  já chovia há dois dias, uma garoa fina, e estava frio. Os coveiros cuidaram logo de tapar a cova e as pessoas saíram rapidamente. O gerente do banco deu a eles uma gorjeta.

Ninguém reparou naquele cãozinho preto que estava atrás de uma lápide. Quando todos saíram, o cãozinho se aproximou, sentou sobre a terra úmida e começou a uivar…

---

18 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (IV)

(conclusão: Educação Teológica e Formação Pastoral I, II e III)

As alternativas para a Igreja
Diante do quadro e das reflexões apresentadas nas três postagens anteriores, resta agora analisar as várias alternativas que, ao meu entender, são oferecidas à Igreja para definir o projeto de formação pastoral sem abrir mão da educação teológica de qualidade, e garantir que o clero futuro (nas três Ordens do Sagrado Ministério) tenha a competência necessária para apoiar e fortalecer as comunidades na Missão, cujos desafios são cada vez mais complexos.
Aqui vou dedicar minha reflexão particularmente à Igreja que eu amo e da qual faço parte, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB). Peço a compreensão dos leitores e leitoras membros de outras Igrejas, na esperança que, de alguma forma, estas reflexões sejam úteis também para elas. 
A IEAB precisa definir e adotar, com urgência,  uma nova política para a formação e capacitação do seu clero, incluindo ai a revisão dos critérios canônicos para as Ordenações e, principalmente, o reconhecimento de Ordens e recepção de clérigos advindos de outras confissões.
É responsabilidade da Igreja, especialmente do Episcopado, permitir e criar condições para que cada pessoa vocacionada possa refletir e compreender com clareza as implicações do Ministério Ordenado em sua vida; e também decidir com clareza pelo ministério ordenado nesta Igreja – com nossa identidade e especificidade, ou seja, nossa Tradição, nossa Doutrina, nosso Rito e nossa Disciplina, valores que considero inegociáveis sob o risco de perda da identidade (sobre isso espero em breve publicar um artigo, já em preparo, neste blog).
Por isso, lanço aqui, mais uma vez, o desafio que tenho proposto em várias ocasiões: a IEAB precisa urgente de uma Pastoral de Vocações, uma linha de trabalho pastoral voltada especialmente para as pessoas vocacionadas, ou que se sentem vocacionadas, ao Sagrado Ministério, ou que venham de outras denominações aspirando o exercício do Sagrado Ministério nesta Igreja. Não me refiro a mais uma esfera burocrática; para isso já temos as Comissões de Ministério em diversas dioceses. Falo de uma ação pastoral adequadamente planejada e sob supervisão direta dos Bispos, aproveitando a experiência dos clérigos mais antigos, muitos já aposentados mas ainda com capacidade física, mental e espiritual para atuarem pastoralmente. Temos de recuperar o conceito de ancestralidade e de respeito pela sabedoria dos antigos, sabedoria esta que não vem das academias mas da vida.
Quanto às alternativas para a educação teológica e formação pastoral, percebo, para a IEAB, as seguintes possibilidades:
    1. Criar sua própria Academia Teológica – A(s) Faculdade(s) de Teologia da Igreja.
É uma alternativa possível, de lenta construção e com efeitos a longo prazo,  exigindo um investimento financeiro considerável. Mas vejo sérios inconvenientes para tal solução, além da questão dos recursos financeiros a serem investidos:
A Igreja teria de cumprir uma enormidade de exigências burocráticas do Estado, sem ter a infra-estrutura adequada para atender a isso;
A Igreja teria de entender e aceitar que um empreendimento dessa monta precisa ser assumido como empreendimento empresarial e comercial; assim, teria de atender às demandas do mercado, que não são necessariamente compatíveis com a demanda específica da Igreja; isso significa, ainda, que o curso de Teologia terá de ser aberto e não exclusivamente confessional; e o empreendimento terá de ser administrado profissionalmente, de acordo com as regras dinâmicas do mercado, ou seja, eticamente estéril; no mundo do mercado, as regras são duras e aéticas, oscilando conforme as tendências dos modismos e das demandas.
A Igreja não dispõe de quadros suficientes com a capacitação acadêmica exigida pela legislação – teria de descobrir vocações para isso e investir em sua capacitação técnica e acadêmica ; além disso, a Igreja teria de concentrar geograficamente esse pessoal, dificultando assim as possibilidades de integração entre o mundo acadêmico e o mundo eclesial da nossa realidade enquanto Igreja brasileira e parte de uma Comunhão Mundial;
A possibilidade de desenvolver um projeto de Educação à Distância, nova tendência do mercado, não elimina a exigência de campus e corpo docente habilitado, além disso, a legislação exige que hajam disciplinas presenciais; ou seja, o investimento seria maior ainda, mas criaria a ilusão ufanista de que estaríamos atendendo a uma clientela maior. Todavia, tenho minhas dúvidas se a cultura brasileira possibilita realizar tal iniciativa com seriedade... O que tenho visto é a expansão do mercado de diplomas, com raras exceções, e não me refiro apenas à área da Teologia.
    2. Fortalecer os Seminários Teológicos e os Centro Diocesanos de Teologia
No presente momento, a IEAB tem dois Seminários Teológicos: o de Porto Alegre e o de Recife, organizando a demanda por área geográfica; além deles, cada Diocese tem seu Centro de Teologia. Um desses centros, o da Diocese de São Paulo, é um sério candidato a se tornar o terceiro Seminário Teológico da Igreja, para atender as dioceses da Região Sudeste, seja pela proximidade geográfica, seja pela sua identidade cultural.
Na verdade, o modelo de Seminário Teológico vem desde o tempo dos fundadores, e embora tenha sofrido algumas mudanças no decorrer da história, o princípio é o mesmo. A criação dos centros diocesanos foi uma alternativa adotada para atender seminaristas que não poderiam deslocar-se para as cidades onde estão os seminários.
Este modelo foi enriquecido com a criação do CEA – Centro de Estudos Anglicanos, há pouco menos de 15 anos. Eu era membro da JUNET – Junta Nacional de Educação Teológica – quando o projeto do CEA foi desenvolvido (na mesma época, o Centro da Diocese de Recife foi elevado a Seminário Nacional, tirando assim a hegemonia do Seminário de Porto Alegre).  O princípio fundante do CEA, se me recordo bem, era que o Centro atuaria em duas frentes:
a) subsidiando os Seminários Teológicos e os Centros de Teologia para a formação específica confessional (história, teologia, doutrina, liturgia, etc.);
b) desenvolvendo e realizando o processo de formação permanente e atualização teológica do clero e lideranças da Igreja.
Na verdade, apesar dos poucos recursos e quase nenhuma infra-estrutura, o CEA vem desenvolvendo, e bem, a segunda frente; mas há uma dificuldade intrínseca e política para atender à primeira. O CEA é, hoje, praticamente o seu Coordenador, que demanda um esforço considerável para cumprir os programas de reciclagem do clero e capacitação da liderança leiga, além da publicação de uma revista (Inclusividade) cada vez mais reconhecida e respeitada no mundo acadêmico e não acadêmico.
Todavia, os dois Seminários, até o presente momento, seguem filosofias educacionais muito diferentes e inclusive nas respectivas opções teológicas e metodológicas. Por um lado, isso é muito bom, pois atesta a diversidade da Igreja brasileira, mas por outro lado pode ser sinal de que a igreja não tem uma política de educação teológica bem formulada. Não tenho elementos para avaliar isso com segurança.
Quanto aos Centros Diocesanos de Teologia, também não tenho elementos para uma avaliação segura, uma vez que cada um tem suas próprias características, à imagem e semelhança da própria Diocese.
O que se precisa avaliar, neste momento é se os Seminários Teológicos e os Centros Diocesanos atendem seu propósito. Com efeito, vejo aqui três dificuldades:
Os Seminários Teológicos se entendem como academias teológicas da Igreja, ou seja, funcionam como se fossem faculdades. Todavia, são cursos livres, não reconhecidos, e as pessoas por eles formados não são reconhecidas como bacharéis pela legislação; para tanto, devem cumprir um curso de “convalidação” do seu diploma – o Brasil cria jeito para tudo – de custo razoável e, geralmente, de qualidade duvidosa, com notáveis exceções;
Os Seminários necessitam de um corpo docente habilitado mas dispõem de poucos recursos financeiros para isso. Em outras palavras, há muita improvisação. Não falo isso de forma pejorativa – eu mesmo fui reitor do Seminário de Porto Alegre e sou muito agradecido pela dedicação, competência, espírito de voluntariado e capacidade de improvisação dos docentes e dos estudantes, pois conseguimos – como comunidade educativa – realizar muito e  com qualidade. Mas carecemos de maturidade acadêmica, e isso é uma conquista a longo prazo e pressupõe uma Congregação Docente em permanente processo de atualização e capacitação, envolvidos não só com aulas, mas com pesquisa e produção de conhecimento.
Quanto aos Centros Diocesanos, segundo percebo, lhes faltam recursos, corpo docente adequado e geralmente dependem, exclusivamente, de um(a) coordenador(a) que, apesar do imenso esforço, da boa vontade e dedicação, nem sempre é uma pessoa realmente habilitada profissionalmente para atuar em Educação.
A grande vantagem dos Seminários (e por extensão, dos Centros Diocesanos) é que podem ser espaço adequado para a formação clerical e laica dentro dos padrões da nossa identidade e confessionalidade, e também espaço para o desenvolvimento de uma espiritualidade vocacional.  A grande desvantagem é que, para atenderem com qualidade e competência à sua finalidade, o custo de manutenção – tal como hoje funcionam – é muito alto e além das possibilidades reais da Igreja.
    3. A solução híbrida – proposta para ser melhor discutida e aprofundada
A questão, no fundo é: como poderia a Igreja manter controle sobre a formação do seu clero futuro e formação permanente do clero existente, sem prejudicar a qualidade da educação teológica? Para mim, a solução seria fazer uma distinção operacional entre educação teológica e formação pastoral.
Assim, a Igreja deveria selecionar no mercado boas Faculdades de Teologia, dentro das regiões diocesanas, por exemplo, e criar meios para que os seminaristas possam cumprir ali sua formação teológica com qualidade.  Ao mesmo tempo, os Centros Diocesanos e os Seminários poderiam cumprir com a exclusiva tarefa da formação pastoral e denominacional, além de estimular a reflexão pessoal e a espiritualidade de cada seminarista. Ao mesmo tempo, os nossos seminaristas poderiam conviver em um espaço de discussão acadêmica de qualidade e dentro da diversidade cristã. O custo de bolsas de estudos em boas faculdades é, com certeza, bem menor que a manutenção de uma instituição teológica própria que seja competente e eficaz, e cumpra as exigências legais para um curso superior.
Há muitas possibilidades para uma solução desse tipo. Várias Faculdades de Teologia, por exemplo, possibilitam a criação do “Departamento da Igreja”, que sob os auspícios desta, daria a formação teológica exclusiva da denominação aos seus seminaristas, através de balanceamento com a grade curricular padrão. Ainda assim, a formação pastoral e a espiritualidade vocacional ficaria a cargo dos Centros e Seminários, ou seja, dentro da Igreja.
Deveria haver uma integração entre o CEA, os Seminários Regionais e os Centros Diocesanos, penso até mesmo em uma equipe multidisciplinar que atuaria nacionalmente ou regionalmente dentro de uma grade curricular e conteúdos padronizados para a formação específica do nosso clero, dos que chegam de outras denominações e mesmo das lideranças leigas.  A médio prazo teríamos uma equipe de bons teólogos e teólogas, de fato episcopais- anglicanos, atuando em nível nacional e integrados com as diferentes realidades regionais e diocesanas.
Não tenho respostas prontas, apenas estas idéias que necessitam ser aprofundadas, e discutidas pela Igreja. É neste espírito de colaboração que deixo aqui estas reflexões livres, sem formalismos acadêmicos, apenas tentando dar alguma luz com simplicidade, como o vôo de pirilampos e de pintassilgos.

Quaresma, 2010.
---/---