28 de dez. de 2011

Recordações Natalinas…

Esta época do ano acaba evocando recordações, especialmente as recordações da infância, que sempre brotam já relidas e adaptadas pelo nosso inconsciente, mas são as lembranças que temos…
Claro que logo recordo dos natais da minha infância, na casa de algum tio ou mesmo em minha casa, com a reunião da família ampliada (especialmente a família da minha mãe, porque a do papai estava no Rio e nós morávamos em São Paulo). 
Como bons italianos, ou filhos de, meus tios e tias tinham de discutir sobre tudo, e assim a famosa reunião de organização da festa natalina era um show de discussões sem sentido: quem vai dar (pagar) o peru? e o tender? (não pode faltar!). Tia Beatriz, sempre nervosinha, mas com uma calma impressionante nessas horas, resolvia logo sua parte: ela traria o pudim de caramelo, sua única especialidade.. Minha mãe era a responsável pela lasanha, com molho a chocolat, sua especialidade. Tia Lídia, claro, o pernil e os doces, mas mamãe também era encarregada das rabanadas!!! Os três tios mais ricos (os três médicos!!!) bancavam as coisas mais caras, e faziam questão, porque com certeza fazia bem para o ego deles. Uma vez, meu pai (que teve um momento de ganhar muita grana mas perdeu muito também) resolveu fazer a festa na nossa casa e bancou tudo ou quase tudo. O tio que fazia questão de mandar o peru, mandou e assim aconteceu de termos dois perus na mesa!!! (e isso rolou muita encrenca antes e depois do Natal, coisas de italianos… embora meu pai não fosse italiano, tinha sangue português e por isso, era birrento quando queria – quase nunca queria, graças a Deus).
E tinha o lance do Papai Noel. Era um funcionário do tio Mário, mas uma vez o cara não apareceu e eu, o primo gordo, tive de fazer a coisa… foi um saco aguentar os priminhos novos, filhos das primas mais velhas… mas acho que consegui dar conta.
Fantásticas mesmo eram as festas de Natal na casa do tio Acchiles, acho que o mais rico de todos até ser superado pelo seu irmão caçula… às vezes alternava com o tio Mário, um sujeito muito divertido e boa praça! Tinha direito a som de helicóptero antecipando a chegada do Papai Noel  (não sei se era um truque ou o velho Acchiles alugava mesmo um helicóptero para fazer a cena…).
Haviam alguns personagens que eram sensacionais. Personagens não, gente real, mas que pareciam não existir. Lembro de alguns.
O Francesco, companheiro da tia Beatriz, um metalúrgico (politizado pacas, e de esquerda, descobri isso depois) que me divertia muito com suas brincadeiras de mágico; ele fazia isso meio discretamente, porque era tímido, sempre ficava meio de lado (depois entendi que sendo de esquerda, não se sentia bem no meio daquele ambiente burguês de classe média ajeitada).
Um casal que eu gostava muito: o “Seo” José e sua esposa, a dona Êudice (o nome é esse mesmo, pelo menos assim o pessoal falava). Ela sempre muito elegante e conversadeira; o José, um sujeito bonachão, sempre sorridente e bom garfo; meu pai gostava dele. Eram sogros de uma das primas mais velhas. Mas o casal era uma figura e eu me divertia muito olhando eles de longe, os trejeitos da dona Êudice e o sorriso conformado do José.
E o tio Ricardo, o tio legal, o pobre da família, mas sempre de bom humor e cheio de piadas. Tinha mania de ser ufólogo e sempre contava suas incríveis observações de disco voador sobre São Paulo. Um sujeito sensacional, me ensinou a jogar xadrez e tinha inclusive o título de Mestre…
A tia Bicce (Beatriz) era um caso a parte. Tinha manias muito engraçadas e sempre queria agradar todo mundo… adorava uma boa fofoca (e com mamãe e tia Lídia, as três sempre tinham assunto pra semana seguinte – aliás, sempre tinham assunto!).
Não podia faltar o famoso retrato do vovô Caetano e da vovó Concetta, em um quadro enorme, enfeitado, no salão principal da festa. Quem trazia o quadro era o tio Acchiles, onde quer que fosse a festa. Quando dava meia noite, exatamente antes de começar a ceia, o pessoal todo se reunia sob o retrato dos avós e entre choros (italiano que não chora nessas horas está morto) e rezas, estouravam o champanhe e começava a comilança, logo depois de todo mundo se abraçar e dizer “Feliz Natal” uns aos outros.
Pelos 19 anos, eu aparecia na festa já na madrugada; naquele tempo eu ia na missa da meia-noite; havia tido minha experiência pessoal com Jesus e, assim, o Natal passou a ser, para mim, um momento essencialmente litúrgico.
Um dia dois tios brigaram e a coisa foi feia; naquele ano um deles não veio para o Natal, e a partir dai quando um vinha, o outro não vinha. Não sei bem até hoje porque brigaram, mas ouvi uma fofoca que foi por causa de umas pílulas…
Anos depois, o tio Mário faleceu exatamente na véspera do Natal, cuja festa seria na casa dele! Foi uma coisa terrível… a ceia pronta e o velório acontecendo…
A partir de então, acabou o natal dos Grecos. Cada núcleo familiar começou a fazer seu próprio programa…
O mundo ainda andava devagar, e as pessoas curtiam mais o Natal sem o excessivo consumismo… as famílias se reuniam mais e, apesar das encrencas, todo mundo se emocionava muito…
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15 de dez. de 2011

Coisas do Passado que se acabaram no Futuro.

Recebi de um amigo, Rev. Joel Soares, o texto abaixo, da autoria de Ismael Gaião, pessoa que não conheço. Com certeza ele é da minha geração, porque tudo que ele fala ai abaixo, eu vivi também. Também não sei onde o Sr. Ismael publicou o texto que compilo abaixo.

Não se trata de um saudosismo melancólico, mas a constatação que nem sempre progresso significa vida melhor, e que nem sempre evolução significa que as coisas ficam melhores…

NO  TEMPO  DA  MINHA  INFÂNCIA (Ismael Gaião)

No tempo da minha infância
Nossa vida era normal
Nunca me foi proibido
Comer muito açúcar ou sal
Hoje tudo é diferente
Sempre alguém ensina a gente
Que comer tudo faz mal

             Bebi leite ao natural
             Da minha vaca Quitéria
             E nunca fiquei de cama
             Com uma doença séria
             As crianças de hoje em dia
             Não bebem como eu bebia
             Pra não pegar bactéria

                         A barriga da miséria
                         Tirei com tranquilidade
                         Do pão com manteiga e queijo
                         Hoje só resta a saudade
                         A vida ficou sem graça
                         Não se pode comer massa
                         Por causa da obesidade

                                                   Eu comi ovo à vontade
                                                   Sem ter contra indicação
                                                   Pois o tal colesterol
                                                   Pra mim nunca foi vilão
                                                   Hoje a vida é uma loucura
                                                   Dizem que qualquer gordura
                                                   Nos mata do coração

                                                                  Com a modernização
                                                                  Quase tudo é proibido
                                                                  Pois sempre tem uma Lei
                                                                  Que nos deixa reprimido
                                                                  Fazendo tudo que eu fiz
                                                                  Hoje me sinto feliz
                                                                  Só por ter sobrevivido

Eu nunca fui impedido
De poder me divertir
E nas casas dos amigos
Eu entrava sem pedir
Não se temia a galera
E naquele tempo era
Proibido proibir

              Vi o meu pai dirigir
              Numa total confiança
              Sem apoio, sem air-bag
              Sem cinto de segurança
              E eu no banco de trás
              Solto, igualzinho aos demais
              Fazia a maior festança

                            No meu tempo de criança
                            Por ter sido reprovado
                            Ninguém ia ao psicólogo
                            Nem se ficava frustrado
                            Quando isso acontecia
                            A gente só repetia
                            Até que fosse aprovado

                                            Não tinha superdotado
                                            Nem a tal dislexia
                                            E a hiperatividade
                                            É coisa que não se via
                                            Falta de concentração
                                            Se curava com carão
                                            E disso ninguém morria

                                                             Nesse tempo se bebia
                                                             Água vinda da torneira
                                                             De uma fonte natural
                                                             Ou até de uma mangueira
                                                             E essa água engarrafada
                                                             Que diz-se esterilizada
                                                             Nunca entrou na nossa feira

Para a gente era besteira
Ter perna ou braço engessado
Ter alguns dentes partidos
Ou um joelho arranhado
Papai guardava veneno
Em um armário pequeno
Sem chave e sem cadeado

                  Nunca fui envenenado
                  Com as tintas dos brinquedos
                  Remédios e detergentes
                  Se guardavam, sem segredos
                  E descalço, na areia
                  Eu joguei bola de meia
                  Rasgando as pontas dos dedos

                               Aboli todos os medos
                               Apostando umas carreiras
                               Em carros de rolimã
                               Sem usar cotoveleiras
                               Pra correr de bicicleta
                               Nunca usei, feito um atleta,
                               Capacete e joelheiras

                                            Entre outras brincadeiras
                                            Brinquei de Carrinho de Mão
                                            Estátua, Jogo da Velha
                                            Bola de Gude e Pião
                                            De mocinhos e Cowboys
                                            E até de super-heróis
                                            Que vi na televisão

                                                           Eu cantei Cai, Cai Balão,
                                                           Palma é palma, Pé é pé
                                                           Gata Pintada, Esta Rua
                                                           Pai Francisco e De Marré
                                                           Também cantei Itororó
                                                           Brinquei de Escravos de Jó
                                                           E o Sapo não lava o pé

Com anzol e jereré
Muitas vezes fui pescar
E só saía do rio
Pra ir pra casa jantar
Peixe nenhum eu pagava
Mas os banhos que eu tomava
Dão prazer em recordar

           Tomava banho de mar
           Na estação do verão
           Quando papai nos levava
           Em cima de um caminhão
           Não voltava bronzeado
           Mas com o corpo queimado
           Parecendo um camarão

                              Sem ter tanta evolução
                              O Playstation não havia
                              E nenhum jogo de vídeo
                              Naquele tempo existia
                              Não tinha vídeo cassete
                              Muito menos internet
                              Como se tem hoje em dia

                                              O meu cachorro comia
                                              O resto do nosso almoço
                                              Não existia ração
                                              Nem brinquedo feito osso
                                              E para as pulgas matar
                                              Nunca vi ninguém botar
                                              Um colar no seu pescoço

                                                          E ele achava um colosso
                                                          Tomar banho de mangueira
                                                          Ou numa água bem fria
                                                          Debaixo duma torneira
                                                          E a gente fazia farra
                                                          Usando sabão em barra
                                                          Pra tirar sua sujeira

Fui feliz a vida inteira
Sem usar um celular
De manhã ia pra aula
Mas voltava pra almoçar
Mamãe não se preocupava
Pois sabia que eu chegava
Sem precisar avisar

                  Comecei a trabalhar
                  Com oito anos de idade
                  Pois o meu pai me mostrava
                  Que pra ter dignidade
                  O trabalho era importante
                  Pra não me ver adiante
                  Ir pra marginalidade

                               Mas hoje a sociedade
                               Essa visão não alcança
                               E proíbe qualquer pai
                               Dar trabalho a uma criança
                               Prefere ver nossos filhos
                               Vivendo fora dos trilhos
                               Num mundo sem esperança

                                             A vida era bem mais mansa,
                                             Com um pouco de insensatez.
                                             Eu me lembro com detalhes
                                             De tudo que a gente fez,
                                             Por isso tenho saudade
                                             E hoje sinto vontade
                                             De ser criança outra vez...

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Eu só não sinto vontade de ser criança outra vez; se for para ser nestes tempos, não mesmo! Porque hoje as crianças não são crianças, mas são imagens dos adultos; não produzem absolutamente nada, embora passam boa parte do seu tempo com uma agenda complicada… são cheias de direitos e mal educadas. Seus brinquedos brincam sozinhos, e passam muito tempo em um mundo virtual de más fantasias…

Com todo o conhecimento que a humanidade acumulou, a vida não é melhor, a não ser para meia-dúzia de espertinhos que formam a elite mais safada que a humanidade já conheceu. O tempo passa voando e quando o sujeito percebe, a vida acabou-se nas correrias, nos milhares de e-mails, na eterna insatisfação de consumir o que aparece na moda e no mercado…

Realmente, o mundo está ficando cada vez mais chato!

Venha Teu Reino, Senhor!

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6 de dez. de 2011

Querem mudar o nome da Árvore de Natal!!!

Árvore de NatalMais uma novidade “bizantina” nos EUA. Agora lá não se pode dizer “Arvore de Natal”, especialmente se for patrocinada por algum órgão governamental, em respeito aos não cristãos! Tem de chamar “Arvore de Festa”! É o tal politicamente correto…
Os ateus não devem se ofender com isso, com certeza, até porque curtem bem as festas de Natal, trocam presentes, tudo dentro dos conformes com a sociedade de consumo. Talvez o problema seja a população judia… mas os judeus sempre se deram bem nos EUA e nunca criaram caso com árvores de natal, afinal é parte da cultura do hemisfério norte celebrar o solstício de inverno com a árvore enfeitada com luzes e prendas. Os evangélicos não são, pois também são chegadinhos a uma árvore de Natal.  Não creio que os hinduístas sintam-se ofendidos com uma árvore de Natal. Restam os mulçumanos, talvez?
Interessante, porém, que em vários países confessionalmente não cristãos, os cristãos que lá vivem não se importam muito com as celebrações culturais daqueles povos. Mas em vários, os cristãos são perseguidos, não têm liberdade de culto, e às vezes vivem na clandestinidade. Que eu saiba, os EUA nunca deram importância para isso…
Posso compreender que nem todo mundo é obrigado a celebrar o Natal. Assim como ninguém deve ser obrigado a respeitar as sextas-feiras (dia sagrado dos mulçumanos), os sábados, o Pessach,  ou fazer um mês de jejum no Ramadã.
A questão é, caso haja ofensa em celebrar-se o Natal, porque manter o feriado? afinal, para que seria o feriado de natal? para festejar o quê? Se os EUA mantém feriado no Natal, porque a implicância com a árvore? incoerente é também celebrar o Dia de Ação de Graças, festa exclusivamente cristã e puritana… Talvez eles mudem o nome para Dia de Comer Peru…
Aliás, para que tornar o domingo um dia de descanso? isso não é também um costume cristão? Será que nos EUA os mulçumanos têm liberdade de não trabalhar nas sextas-feiras? e os judeus e todos os sabatistas nos sábados?  Não sei que dia da semana aconteceu a Independência dos EUA (e estou com preguiça de fazer cálculos); vamos supor que tenha sido numa quinta-feira. Seria mais coerente então eles reservarem as quintas-feiras para seu descanso semanal… (e nesse caso, ninguém iria gostar das sextas-feiras).
Fico pensando naqueles milhares de hinduístas que vivem nos EUA e são obrigados a sentir o cheiro dos hamburgues… alguns são realmente feitos com carne de vaca! Deviam proibir os hamburgues porque ofende os hindus. E nada de cachorro quente com salsicha de carne de porco, pois judeus e mulçumanos podem se ofender. Aliás, as propagandas de bebidas alcoólicas não ofendem os abstêmios?
Caramba! e lá eles chamam Papai Noel (Papai Natal) de Santa Claus, um título cristão, corruptela de São Nicolau! Logo vão mudar para Papai Coca-Cola, uma vez que o Papai Noel pintado de vermelho foi divulgado em 1931 para exatamente fazer propaganda da Coca-Cola e aumentar seu consumo durante o inverno (dezembro, no Norte, é inverno)!
Sinceramente, sabem o que eu acho? acho que os norte-americanos não sabem fazer sexo e vivem compensando sua libido frustrada com bizarrices “politicamente corretas”. Não incluo ai os canadenses e os mexicanos, também considerados norte-americanos. Os mexicanos são latinos e portanto, curtem sexo muito bem; os canadenses, pelo menos o pessoal do Quebec, pela sua tradição francesa, também devem saber tirar proveito da sexualidade…
O pior é que como aqui no Brasil está cheio de mico admirador da “curtura” estadunidense, logo vamos ter nossos libertários clamando pelo direito de desrespeitar a cultura como se Estado Laico significasse Estado sem fundamento cultural. Aliás, o conceito de Estado não é coisa de europeu? isso deve ofender a todo mundo que não seja europeu, obrigados a viver sob uma organização social imposta por uma cultura…
Cacete, o mundo está ficando muito chato!
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13 de nov. de 2011

Sobre o tal Diálogo Inter-religioso

Começo dizendo que não tenho simpatia por isso. Dou vários motivos.

Em primeiro lugar, a existência desse conceito reduz muito o significado real de “Ecumenismo”. É invenção da Igreja de Roma separar “Diálogo Ecumênico” (que seria entre cristãos, ou melhor Igrejas – instituições eclesiásticas) de “Diálogo Inter-religioso” (com instituições religiosas não cristãs).  Friso que é institucional porque na Dogmática Romana, eclesiástico e eclesial são a mesma coisa: todo diálogo é institucional. Para mim, que adotei o Protestantismo após minha conversão a Jesus Cristo, e tomando minha experiência desde a conversão com a convivência entre diferentes, Ecumenismo é algo muito mais abrangente que um diálogo entre meia dúzia de instituições eclesiásticas cristãs. Ecumenismo, que não precisa ter a palavra “diálogo” ao lado, é uma ação que envolve pessoas, não instituições. Pessoas que se reconhecem diferentes em aspectos de cultura e/ou de fé, de visão de mundo, mas que são capazes de – apesar das diferenças e contradições entre elas – realizar ações concretas em favor de uma causa maior que sua própria experiência religiosa: ações em favor da Justiça e da Paz, por exemplo; em favor dos Direitos Humanos (porque antes de ser religioso, eu e você somos seres humanos), e também em favor de causas mais pontuais e específicas, como por exemplo saneamento básico em um bairro, ocupação de uma área rural improdutiva, e por ai vai. Ecumenismo, no meu entender, é uma ação realizada por pessoas de diferentes credos e culturas visando um bem comum maior.

O que tenho visto acontecer sob o título de “Diálogo Inter-religioso” são encontros de pessoas que representam instituições religiosas para conversar sobre amenidades teológicas ou promoverem uma ação de interesse comum não necessariamente de interesse social amplo, mas às vezes é. Por que então, pergunto eu, não pode ser entendido como Diálogo Inter-religioso quando vou jogar xadrez na casa de meu amigo que é mulçumano, e convivemos com respeito e solidariedade mútuas? talvez porque a gente não fala de religião?! às vezes até falamos, mas não compomos uma bombástica declaração conjunta… apenas nos saudamos e nos despedimos com um abraço fraterno expressando o carinho e o cuidado mútuo, frutos da amizade. Essa relação com meu amigo mulçumano não se enquadra como diálogo inter-religioso, mas se encaixa perfeitamente no que entendo como relações ecumênicas.

Em segundo lugar, eu entendo que Diálogo Inter-religioso – se é que isso realmente seja possível - é uma área da Antropologia – quase um estudo de religião comparada, porque religião é muito mais um aspecto cultural que existencial; a fé é existencial, resulta de uma experiência pessoal subjetiva e, portanto, impossível de ser devidamente caracterizada por qualquer critério de racionalidade objetiva… mesmo que tal experiência se dê dentro do contexto de uma determinada religião. Na maioria das vezes o conhecimento aprofundado sobre a religião (escolhida) é um processo que se inicia após a experiência de fé – conversão – seja essa experiência um fato extraordinário ou fruto de um processo de maturação de vivências religiosas.

Em terceiro lugar, é da natureza das religiões promover o proselitismo. Afinal elas se fundamentam em verdades absolutas, geralmente contraditórias umas às outras. Que diálogo pode haver entre verdades que se excluem? vira debate, avança para embate… e – por civilidade - algumas vezes termina no empate da “tolerância”.

Recentemente participei de um grupo de pessoas interessadas em estudar o “Diálogo Inter-religioso”, e coloquei uma questão que praticamente acabou com o assunto (eles cometeram o erro de me chamarem para ser Assessor, achando que eu seria simpático ao tema!). Como todos no grupo se identificaram como cristãos, eu lancei a pergunta: “e se aqui chegasse uma pessoa e se apresentasse assim: sou fulano de tal, e sou satanista! é um prazer estar com vocês! – qual seria a reação de vocês? iriam dialogar com ele, um adorador de Satanás?”. Ficou aquele cheiro de cu queimado no ar… sabemos que o satanismo hoje existe em muitas sociedades urbanas, e talvez essas pessoas até estejam dispostas a cooperar com cristãos e mulçumanos em defesa da liberdade religiosa… como fica isso? rsrsrsrsrs

Essa questão é também complicada para o pessoal adepto do Movimento Ecumênico, como eu!

Deixo a questão no ar… como não sou teólogo acadêmico, nem especialista em nada, não preciso ficar preocupado em ter uma resposta a isso. Minha fé e minha capacidade de reflexão sugerem que numa situação dessa, a única coisa que eu não deveria fazer seria um exorcismo… mas talvez eu desse um sorriso, diria “seja benvindo!” e em seguida, “me desculpe, tenho de sair por causa de um compromisso familiar inadiável”, daria adeus e ia embora… afinal, não saberia o que dialogar com tal pessoa, que aliás, tem todo o direito de ser satanista como eu tenho de ser cristão…

Mas fico aqui pensando se a Mecânica Quântica com seu Princípio da Incerteza e seu Terceiro Incluído não poderia resolver o problema… ainda estou refletindo, por isso, não sei responder – e talvez nunca descubra uma resposta, o que – aliás – seria algo bastante quântico…

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12 de nov. de 2011

Teste de percepção da natureza

Como este é um blog “politicamente pentelho”, as mulheres e as fêmeas das demais espécies que me desculpem, mas foi a natureza quem decidiu …

TESTE qual é a fêmea

A cara do cãozinho preto é quase humana!!! bem real!

(não sei quem é o autor da foto; catei de alguém no Facebook)

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31 de out. de 2011

O valioso tempo dos maduros

Recebi por e-mail, não sei se é o texto original do Mário, mas me identifiquei muito.
O valioso tempo dos maduros
Mário de Andrade
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas: as primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade...
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
(vai ter algum/a idiota/o querendo brincar de Einstein ou grande filósofo/a, e me perguntar o que significa “essencial” e fazer um discurso pentelho sobre a relatividade do “essencial”)
De fato, é assim que me sinto: imerso em babaquices; egos inflados; gente que se melindra por qualquer coisa (baixa auto-estima); ignorantes que se acham cheios de conhecimento; esse pessoal que só fala em “direitos” e nunca em deveres; essa bobagem de “politicamente correto” que acabou com o bom humor (a gente tem de medir as palavras e até a forma de olhar para outrem); essa tal de inclusividade histérica que impede a possibilidade de ser crítico e me obriga a achar que tudo é bom, tudo pode… gente que me enche o saco por causa do meu cigarrinho mas entope meus pulmões com os gases mortais de seus automóveis… moralismos idiotas sem fundamento ético.
Mas, pelo menos, ainda tenho amigos e amigas (politicamente correto, viu pentelhada) inteligentes, sinceros, solidários, que sabem a diferença entre bom humor e ofensa, que me chamam de gordo e eu não me chateio com isso (eu sou! e não venha me encher o saco com o papo de colesterol, diabete, etc.)!
Estou lendo e, em alguns casos, relendo a vida de alguns cientistas (físicos e matemáticos) que foram fundamentais para o progresso da Ciência. E relendo sobre mecânica Quântica e Relatividade. Sabiam que é uma boa teologia???
Pois é, relendo a vida de Heisenberg – criador do Princípio da Incerteza – desta vez lendo sua auto-biografia baseada em memórias, fiquei a pensar em meus professores… por isso escrevi o texto em homenagem a eles (veja postagem mais abaixo). Que diferença a mentalidade acadêmica daqueles homens e mulheres que fizeram a ciência e a mediocridade da academia brasileira explodindo de egos vazios! (há exceções, e já sei que vão cair de pau em mim!). Grandes teses (mais de 150 páginas) de conteúdo vazio…
Uma das poucas exceções, a do meu amigo Rev. Dr. Antônio Carlos Ribeiro, sobre Diálogo Inter-religioso*, que me fez voltar a ler sobre Mecânica Quântica! o que tem a ver uma coisa com outra? boa pergunta. Passo a bola pro Antônio Carlos. Mas tem!!! Como eu disse, Mecânica Quântica e Relatividade produzem boas teologias!
(antes que perguntem “quem sou eu para fazer tal juízo sobre a Academia Brasileira”, já vou respondendo: “Sou ninguém!” – e ai gostaria que lessem um texto de Gil Vicente, chamado “Todo Mundo e Ninguém”, lido por mim no Científico durante o curso de Língua Portuguesa do Prof. Manuel Pereira do Valle no Colégio São Luís, em São Paulo, por volta de 1966/67.)
Esse estudo que tenho feito, até mesmo para me livrar do estresse, retornando de forma mais amadora à Física e à Matemática, tem acirrado minha reflexão teológica nestes tempos de inclusividade a qualquer custo, cristologia pobre, eclesiologia desgastada e pouca espiritualidade (já disse, sou pietista! eu disse pietista, não petista!)
Eu tenho refletindo sobre o Princípio da Incerteza e as ideias de Complementariedade do grande Niels Bohr. Do ponto de vista matemático, coisas complementares são mutuamente exclusivas… Então, a Mecânica Quântica, utilizando a noção de terceiro incluído, liquida com a lógica aristotélica dualista e permite a coexistência de complementares dentro de uma mesma teoria! Os teólogos da inclusividade deveriam ler mais Mecânica Quântica e menos Sociologia da Mesmice! Talvez se dessem conta que é a percepção da Diversidade que nos ajuda a ser inclusivos e não elucubrações morais sem se aprofundar em novos paradigmas éticos; estes sim serão decorrentes da percepção ampla do que significa diversidade! Complementariedade não é colocar tudo no mesmo saco!!! Inclusividade é perceber que não se precisam de tantos sacos, aliás, significa que ninguém fica dentro do próprio saco.
Foi exatamente usando esse conceito de terceiro incluído que consegui organizar na minha cabeça e no meu coração as Ciências Naturais e a Fé.
Bem, esse artigo já está por demais confuso… não é um desabafo simplesmente, mas uma tentativa de lidar com a incerteza que os tempos de hoje andam provocando. Então, vou encerrar!
Encerrado!
*  RIBEIRO, Antônio Carlos S. , ECLESIALIDADE E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO: as igrejas cristãs e a experiência salvífica, a partir dos novos paradigmas teológicos na América Latina. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Depto. de Teologia, Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio,  2009.
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28 de out. de 2011

Brasil x Japão

Recebi essas imagens de uma amiga, Janete Weissinger, por e-mail. Não sei quem são os autores, nem quem montou a publicação delas, mas não posso deixar de divulgar e achei bom fazer isso aqui.

Uma comparação de duas catástrofes: as chuvas na Serra Fluminense em janeiro deste ano e o terremoto no Japão em março.

Olhe bem as imagens e as legendas! (clique em cada imagem para ver a foto ampliada)

Depois reflita!

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Os bons burguesas vão dizer que o povo japonês é mais trabalhador que o nosso, que eles tem uma cultura milenar, etecetera e tal… Mas eu acho que o buraco é mais embaixo, é uma questão de consciência cidadã…

Talvez os japoneses saibam escolher melhor seus governantes, seus legisladores… e talvez no Japão a corrupção receba um tratamento menos cruel e mais justo (aqui é cruel porque ela se perpetua pela impunidade)…

Enquanto isso, aqui no Brasil, os recursos públicos são empregados em eventos que vão movimentar bilhões para o capital internacional e vão deixar por aqui elefantes brancos cuja manutenção será caríssima e migalhas para a nossa economia real.

Pense nisso na hora de votar!!!

Informe-se sobre o desempenho dos nossos Parlamentares (federais, estaduais e municipais); ao escolher Prefeito, Governador e Presidente da República, informe-se sobre a biografia política e particular dos/das candidatos/candidatas. Infelizmente o condomínio fechado do Judiciário não depende do voto cidadão, mas se escolhermos bem o Executivo e o Legislativo, o Judiciário entra na linha!

Cansei de ver no interior do Brasil pessoas dizendo que votam em Fulano para Prefeito porque ele dá passagem de graça, remédio, e empresta o trator da prefeitura para serviços em propriedade rural privada… 

Não há corrupto sem corruptor. Isso vale tanto para as mamatas de milhões de reais nas altas esferas, quanto para a cervejinha do guarda de trânsito nas ruas da cidade…

Pense nisso! Seja Cidadão e não “um popular” que assiste passivo o que acontece por ai… está em suas mãos tornar a política brasileira digna de confiança e de sadio orgulho cidadão – somos um triste país onde o orgulho nacional está apenas no talento de alguns dos nossos desportistas...

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27 de out. de 2011

Aos mestres com carinho (e saudades do tempo em que a escola era Escola)

Desde pequeno o céu me fascina, especialmente o céu noturno, com as estrelas, a Lua e  outras estrelinhas mais brilhantes que meu pai dizia serem os planetas Marte, Júpiter, Saturno. 

Quando completei 9 anos, meus pais me deram de presente um telescópio para amadores. Era um telescópio mesmo, tipo Newton, daqueles que refletem a luz em um espelho parabólico dentro de um tubo e a ocular fica de lado. Assim surgiu minha vocação para a Ciência e para a Contemplação!

Todas as noites, na “varanda do andar de cima” da casa onde morava , no bairro da Aclimação em São Paulo, eu ficava até tarde “pesquisando” o céu. Logo aprendi a localizar os planetas e as principais constelações. Meu pai me levava, nos finais de semana,  ao Planetário do Parque do Ibirapuera, e eu curtia muito tudo aquilo. Esse contato desde menino com o céu, mais as boas conversas com meu avô Caetano, matemático e professor, me levaram pelos caminhos da ciência.

Quando vovô Caetano faleceu, eu tinha oito anos! mas  eu já conseguia jogar xadrez (com a grande ajuda do tio Ricardo e do meu pai) e entendia um bocado daquilo que, depois, soube ser a Teoria de Conjuntos – meu avô fez parte da geração de matemáticos italianos que trabalhou com G. Peano no desenvolvimento da nova linguagem para a Álgebra e a Teoria de Conjuntos. Através de intrigantes conversas, muitas estórias, joguinhos e brincadeiras, vovô me mostrou a beleza da Matemática.

Quando fiz 10 anos, fui estudar no Glória (Colégio Nossa Senhora da Glória, dos Maristas), no bairro do Cambuci e lá três professores, o Irmão Deodoro, o Irmão Demétrio e o Irmão Celso Félix, concluíram esse processo de aproximação da ciência ao mesmo tempo que testemunhavam sua fé em Cristo através da devoção à Virgem Maria.

Na puberdade, as aulas de Matemática e Ciências  do Irmão Demétrio e do Irmão Deodoro, me deixavam maravilhado e em atitude quase contemplativa diante das maravilhas da natureza. Foi o Irmão Deodoro, em sua especial maneira de ensinar com simplicidade, quem primeiro me apresentou Darwin e a Teoria da Evolução, enquanto o Irmão Demétrio me introduzia no estudo da Álgebra e da  Análise com muita animação. “Matemática é fácil”, esse era o lema repetido no início de cada uma de suas aulas. Eu curtia o meu telescópio com alguns colegas de noite e usávamos a Geometria do Irmão Demétrio para desenhar nossos mapas do céu!!!

O Irmão Celso Felix, por sua vez, nas aulas de Português e Literatura nos incentivava a escrever e defender nossas ideias nas seções literárias do Grêmio Estudantil, onde também a gente era iniciado na política! Tudo isso, antes de eu completar 14 anos! Haviam debates sobre todos os assuntos, desde fábulas de Esopo (cada uma com a famosa “moral da estória”) até as notícias sobre política, economia e ciência. 

Lembro que minha primeira vitória em um fórum de debates foi que eu consegui provar que as abelhas não são “melhores” que as formigas! Consegui que a banca de jurados declarasse empate numa disputa entre as formigas (tidas como animais daninhos) e as abelhas (animais úteis, na ingênua classificação do livrinho que tivemos de ler). Eu fui o único aluno da classe que aceitou defender as formigas contra o grupo de defensores das abelhas! (como vocês podem ver, vem desde menino essa minha maluquice de abraçar causas complicadas!). E, como testemunhou o Irmão Deodoro, usei muito do que havíamos estudado nas aulas de Ciências sobre insetos…

Esses três homens, Irmãos Maristas, professores por vocação e por voto religioso, são até hoje minhas grandes referências tanto no Magistério (que exerci por 20 anos) quanto na capacidade de contemplar a natureza com os olhos da Ciência e com o coração da Fé, embora minha conversão real ao senhorio de Cristo tenha acontecido em um contexto ecumênico, muitos anos depois do convívio com eles – mas permanece até hoje o carinho especial pela Mãe de Deus.

É claro que guardo no coração um sentimento de reconhecimento e carinho por Dona Eliete, Dona Vilma, Dona Teresinha, Dona Aurea e Dona Margarida, minhas professoras no primário, com quem aprendi a leitura, e dei os primeiros passos nas sendas da Aritmética, da Geografia, da História, e das Ciências Naturais… elas despertaram em minha mente a curiosidade e a vontade de saber e de pensar! Naquele tempo Professora era tratada por “Dona” e por Senhora, não era parente da gente! E ninguém da minha turma ficou cheio de traumas por isso…

Terminei o ginásio em 1964, no ano do primeiro golpe militar. Fui estudar no São Luís e depois no Bandeirantes. Quatro anos depois veio o segundo golpe, com o AI-5, o Decreto Lei 477 e outras coisinhas diabólicas, mudando o rumo da sociedade e liquidando com a educação brasileira através do acordo MEC-USAID e da famigerada Lei de Diretrizes e Bases 5692 (1970). Escapei por um triz dos novos currículos escolares para o segundo grau, cujo estrago só vim perceber quando, anos depois, comecei meu segundo curso universitário e peguei calouros (de)formados de acordo com os conceitos da 5692… Gastei dois dos quatro anos do curso superior em Matemática revendo o que eu tinha aprendido no Científico, pois segundo os meus docentes, o currículo do segundo grau fora reduzido e muita coisa passou para o currículo universitário (exceto nos colégios militares!!!).

Apesar dos tempos complicados, o curso Científico (sei lá o que vem a ser hoje, acho que Secundário – mudam os nomes e baixam a qualidade) definitivamente me encaminhou para a Ciência e me colocou em cheio no Movimento Estudantil, que sofria violenta repressão da Ditadura. 

Alguns professores foram decisivos: Prof. Vitor Eisemann (Trigonometria), Prof. Carlos Cattoni (Geometria), Dr. Fragoso e Profa. Geovana Albanese (Física – fui reprovado duas vezes!), Áurea (Química Geral e Atomística – meu primeiro contato com a Mecânica Quântica), Prof. Manoel Pereira do Valle (Português e Literatura Geral), Prof. Morivaldo (Psicologia Geral) e outros cujos nomes minha pouca memória perdeu, mas seus semblantes ainda estão vivos na minha mente com as belas aulas que ministraram: Álgebra, Físico-Química, Física Experimental, Química Experimental, Química Orgânica, Biologia Geral, Genética, Bioquímica… pois é, a gente estudava isso tudo no Científico, mesmo nas Escolas Públicas, que eram de alta qualidade… naquele tempo não haviam os “cursinhos”, e o vestibular não era de marcar “X”…

Todas essas pessoas, professoras e professores, cooperaram com meus pais para que eu fosse o que sou, de bom e de ruim. Devo a eles minha formação como pesquisador, estudioso da Ciência, e pela capacidade de elaborar uma reflexão crítica e coerente.

Poderia ainda falar dos meus professores dos tempos da universidade e então a lista ficaria bem maior (Milton Damato, Henrique Panzarelli, Jaci Maraschin, Ruben Alves, Glauco Soares de Lima, Sumio Takatsu, Marilena Chauí, Ubiratã Dorival Diniz, et alli). Todavia, quero nesta homenagem memorial, lembrar dos meus Mestres Iniciadores, a quem tratávamos por Senhor e Senhora (e eles também nos tratavam assim!!!), ficávamos em pé quando entravam na sala de aula, eram severos conosco (fui reprovado duas vezes em Física e uma em Matemática - fiz o segundo Científico três vezes!!!), mas tinham um senso de humanidade e de responsabilidade que são raros hoje em dia, quando a professora virou “tia” e os docentes são chamados de “cara”!

A todos, elas e eles, inclusive o vovô Caetano, papai e mamãe, que descobriram minha vocação científica, apresento meu reconhecimento e minha gratidão. Rendo Ação de Graças a Deus pela existência dessas pessoas em minha vida!

Nota: eu devia ter publicado isso dia 15 de outubro, mas por razões diversas, não fiz. Porém, a Física Relativista e a Mecânica Quântica, ambas comecei a aprender com alguns deles, mostram – assim como a Fé – que o tempo é apenas um conceito que não se aplica uniformemente no Universo… então, que seja dia 15 de outubro agora ou quando a gente quiser – todo dia é dia para a gente mostrar carinho e gratidão!

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11 de out. de 2011

Inclusividade ou Diversidade?

Este texto pretende ser um ensaio inicial para partilhar algumas reflexões que tenho feito nestes últimos dois ou três anos. Trata-se portanto de uma reflexão em aberto, onde eu mesmo não tenho muita certeza do que estou dizendo. Aliás, alguém tem certeza de alguma coisa na pós-modernidade? ou “certeza” é um conceito cartesiano cada vez mais distante da realidade líquida que vivemos neste tempo?
Com  efeito, em certos setores da sociedade, a palavra “inclusividade” está na moda. Na Igreja Episcopal, onde exerço o ministério pastoral, a palavra suscitou e suscita muitas discussões teológicas e algumas nada teológicas. Nós, de tradição anglicana, gostamos de nos definir como uma Igreja inclusiva, e na minha opinião isso é apenas arrogância retórica para passar uma ideia que somos algo que, na verdade, não somos! pelo menos da maneira ufanista como certos grupos na Igreja enfatizam.
Eu acho que quem é inclusivo não precisa dizer que é! basta ser! é o excluído que se sente acolhido e incluído quem deve dizer que somos inclusivos; mas isso virou uma espécie de propaganda ufanista. Se setores de vanguarda da Igreja realmente compreendem o significado de “inclusividade” e adotam posturas de acolhimento e simpatia ao diferente, a maioria da Igreja – o povo das nossas pequenas congregações – não tem clareza do que isso significa, e até mesmo olha com estranheza certas práticas que acontecem em uma ou outra comunidade.
O que estou dizendo é que, embora setores teológicos e clericais da Igreja tenham discutido o tema da inclusividade – especialmente a questão homoafetiva – essa discussão não chegou às bases da Igreja para afirmar-se que a Igreja como um todo adota a inclusividade (a reflexão está chegando agora, pela pressão dos acontecimentos e por isso mesmo nem sempre é bem orientada).
Na verdade, o fenômeno não é que a Igreja se tornou inclusiva, mas que grupos com identidade diferenciada do padrão, até o passado recente, mantinham tal qualidade em oculto e raramente demonstravam com clareza sua “identidade diferente”, exatamente para não serem excluídos. Entretanto, em muitas situações, tal condição era de fato conhecida e reconhecida pela comunidade, mas não precisava ser explicitada. Isso é verdade tanto para a Igreja Episcopal quanto para todas as outras denominações religiosas, cristãs ou não, no mundo ocidental.
O que acontece hoje é que os “diferentes” afirmam publicamente sua diferença, defendendo o seu direito de serem como são, e diante disso cada pessoa, cada grupo, tem de posicionar-se para relacionar-se com esses “diferentes”.
O grande mérito da Igreja Episcopal, a meu ver, não é  ser uma Igreja inclusiva, mas assumir a discussão perante o público interno e o público externo, enfrentando abertamente e com coragem a questão, mesmo pagando um alto preço por isso internamente e diante das demais denominações cristãs, em uma sociedade marcada pelos ideais burgueses do séc. XVIII, presa a uma moralidade imutável e, por isso mesmo, excludente de tudo que dela discorde ou difere. O que para muita gente parece ser um afrouxamento moral, é na verdade uma mudança radical de paradigma ético!
Há uma distância temporal entre a reflexão e a prática, considerando-se a Igreja como um todo. Como afirmei acima, setores de vanguarda da Igreja já adotam uma prática inspirada em um novo paradigma ético (a inclusividade em seu sentido maior), mas a reflexão mal começou em nível das comunidades, do povo da Igreja. Assim, há uma estranheza porque a maioria das pessoas comuns não percebe ainda a mudança de paradigma. E aqui sim, eu penso, a Igreja falhou e tem falhado no que se refere ao “aspecto pedagógico” da questão. Falta uma estratégia de formação para a superação de velhos paradigmas.
Eu penso que primeiro é necessário que as pessoas compreendam a diversidade humana – percebam que não há uniformidade, mas diversidade de costumes, de hábitos, de pontos de vista (a diversidade humana existe exatamente como diversidade cultural), e também percebam que conceitos como “verdadeiro” ou “falso” não se aplicam mais diante da diversidade explícita que surge com a rapidez da informação no mundo que se tornou uma aldeia onde os habitantes primam pela diversidade. Não há mais lugar para dogmatismos! mas há – é necessário que haja – lugar para valores a partir de novos paradigmas éticos.
A questão é muito mais profunda do que parece, porque toda a nossa formulação religiosa, herdada do mundo helenista e marcada pelo cartesianismo, fundamenta-se em um conceito dogmático de verdade – por ser dogmático, exclui tudo que com ele discorda ou dele difere.
Para os anglicanos de formação, o conceito de diversidade não é tão estranho. Afinal a principal característica de nossa identidade é exatamente a diversidade da Igreja em suas formulações e ênfases. A identidade fundamental dos anglicanos é que não há um padrão anglicano, mas o anglicanismo é exatamente essa diversidade de padrões. Aliás, essa abertura à diversidade é marca característica da forma anglicana de fazer missão: não se trata de pregar a nossa Igreja para que ela exista em outro lugar, mas anunciar o Evangelho para que a Igreja nasça em comunhão conosco em outro lugar: não a nossa Igreja, mas a Igreja daquele lugar! Nisso nós conseguimos manter o jeito da Igreja Apostólica, cuja unidade não vinha de um padrão, mas da comunhão: a Igreja dos primeiros séculos era na verdade diferentes Igrejas unidas em comunhão. Nesse sentido, a Igreja nunca foi única, mas sempre foi una! Esse é o ideal anglicano.
Assim, eu acredito que ao invés de darmos ênfase na inclusividade, deveríamos ajudar as pessoas compreenderem a riqueza da diversidade como obra de Deus, perceber que a Encarnação de Cristo se deu nessa diversidade e a maior prova disso é que o ministério apostólico do anúncio do Evangelho se abriu desde o início à diversidade característica do mundo conhecido de então.
Eu acho que a narrativa de Pentecostes, em Atos 2 é exatamente isso: os Apóstolos anunciam o Evangelho de forma compreensiva para todos os diferentes povos daquele mundo! O Concílio de Jerusalém (Atos 15), diante do testemunho de Pedro sobre os hábitos estrangeiros e o testemunho de Paulo sobre as Igrejas dos gentios, reconheceu a diversidade da Igreja nascente e não a condenou!
Reconhecendo a diversidade humana, é mais fácil ser inclusivo, porque se pode ver o outro, o diferente, não mais como um estranho, mas um igual a mim porém diferente, amado por Deus e redimido por Cristo, como eu!
Só mais uma palavrinha neste já longo artigo: é preciso refletir muito para que o discurso da diversidade não se torne uma apologia do relativismo. Também é necessário reformular conceitos como salvação, revelação, pecado... Tudo isso tem de ser analisado a partir da teologia bíblica até chegar às formulações e práticas pastorais. A Igreja Episcopal e as demais Igrejas têm ai o grande desafio para o pessoal da Teologia e para os pastoralistas cuja missão é tornar tudo isso acessível às pessoas para enriquecer e fortalecer sua fé, influenciando de forma concreta sua visão de mundo e atitudes de vida enquanto filhas e filhos de Deus, discípulos e discípulas de Cristo.
Caso contrário, ficaremos apenas em um ativismo “liberal”, sem conteúdo, um relativismo vazio de significado, um prato cheio para fortalecer as correntes fundamentalistas que primam em manter a velha e permanente ordem das verdades absolutas. Além disso, se a pastoral da inclusividade focar apenas o incluir os excluídos, acabará excluindo os antes incluídos, ou seja, permanece o gueto da exclusão. As pessoas continuarão separadas por simples classificações e perderão a percepção da unidade maior que é o fato de sermos humanos. A verdadeira inclusão só acontece quando percebemos que, apesar das diferenças, somos de fato todos irmãos e irmãs em comunhão pela Graça de Deus, Quem  por si mesmo se revela como Diversidade (Trindade).
Como eu disse, é uma reflexão ainda cheia de pontos de interrogação… mas estou falando de fé e de ética, por isso continuo não incluindo, e nem tolerando, aquela corja de safados a que me referi no artigo anterior (abaixo). !!!!
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25 de set. de 2011

Tolerância Religiosa, vírgula!

S.Paulo e S.Pedro - A Igreja nasce com diferenças, porém em comunhão!Antes que os politicamente corretos de plantão comam meu fígado, devo deixar claro que eu não defendo a guerra religiosa, nem tampouco considero a minha religião como a única verdadeira. Pelo contrário, meu encontro com a fé cristã se deu no contexto ecumênico, no tempo em que ecumenismo era mais que um chazinho entre hierarcas das Igrejas.  Por isso, eu procuro viver a minha fé dentro do contexto da diversidade que o mundo globalizado nos impõe.

Também preciso dizer que defendo a liberdade de expressão e de opinião, e em tempos passados eu mesmo fui vítima de um regime que não permitia nem a liberdade de opinião e muito menos de expressão.

Todavia, eu não posso ficar calado, nem respeitar, certas práticas ditas religiosas que, na verdade são grandes enganações com a finalidade de explorar a boa fé das pessoas desesperadas e/ou ignorantes. Não posso concordar que haja liberdade em explorar o desespero alheio ou – o que é pior – usar o nome de Deus (seja lá qual for) para a venda descarada de “bênçãos" e graças” que simplesmente mantém as pessoas na total dependência de uma prática “religiosa” de compra e venda.

Um dos pontos essenciais da Reforma Protestante, no século XVI, foi a revolta contra o poder absoluto da instituição eclesiástica que se autoproclamava proprietária da graça divina e da “salvação”, verdadeira usurpação de poder, criando o círculo vicioso de dependência e lucro (dependência para os crentes e lucro para a instituição).

Com razão, os Reformadores e a Tradição que herdamos da Reforma, se manifestam contra qualquer tentativa de vincular o poder divino, de forma absoluta e exclusiva, a uma instituição ou pessoa humana (que não fosse o Senhor Jesus Cristo, claro).

Ainda há algumas décadas atrás, os pregadores protestantes proclamavam a falácia de ritos e práticas religiosas como necessárias à Salvação em Cristo. E tanto tinham razão que a própria Igreja de Roma, no seu Concílio Vaticano II, aboliu a maioria dessas práticas e adotou uma postura mais aberta ao diálogo e à cooperação com os diferentes. (Se hoje vemos a Igreja Romana retroceder em muitos desses pontos, é outra questão).

Por isso, em fidelidade à Tradição que aceitei como “background” para expressar a minha experiência pessoal de fé, não posso ser tolerante, nem respeitar o seguinte:

1. Todo tipo de fundamentalismo bíblico (ou com base em qualquer “texto sagrado”) que determine uma maneira exclusiva de comportamento moral e doutrinário como verdadeira fonte de salvação, e, por isso mesmo, demoniza, persegue ou segrega quem pensa de forma diferente ou não vive segundo tais preceitos. Não posso ser tolerante com os intolerantes!

2. Toda pregação religiosa que proclama a salvação através da venda de amuletos, ritos, bênçãos, etc., apresentados como necessários e fundamentais para a ação da Graça de Deus na vida de qualquer pessoa. Não posso ser tolerante com os vendedores de bênçãos e proprietários de supermercados da religião, porque transformam o Sagrado em mercadoria, uma blasfêmia – no meu entender.

3. Toda espiritualidade e religiosidade fundamentada exclusivamente no carisma pessoal de um pregador ou líder religioso, que se autoproclama escolhido (e de forma exclusiva) pelo Divino, detentor único da verdade e do poder celestial. Não posso ser tolerante com os que usurpam o nome de Deus e se confundem com Ele.

( A propósito, nesse ponto, alguém pode alegar incoerência de minha parte, pois sendo cristão, minha espiritualidade se fundamenta essencialmente no carisma pessoal de Jesus de Nazaré. Todavia, diz a Tradição comum aos Cristãos, que Jesus não se anunciou como Deus, mas foi reconhecido como tal pela Igreja, e jamais fez uso desse fato para se impor a quem quer que fosse. Como diz o Apóstolo Paulo na carta aos Filipenses, “[…] a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homem e reconhecido em figura humana; a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz[…]” ).

Bem é isso. Hoje é domingo, tenho de ir à Igreja para cumprir meu ofício e servir à congregação pela qual sou responsável como sacerdote em Cristo e pregador do Evangelho.

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19 de ago. de 2011

O Sermão da Montanha, versão para professores

[recebi do meu amigo Handall, lá de Vitória; vou repassando]

Nem Jesus aguentaria ser um professor nos dias de hoje....

“Naquele dia, Jesus subiu a um monte seguido pela multidão e, sentado sobre uma grande pedra, deixou que os seus discípulos e seguidores se aproximassem.
Ele os preparava para serem os educadores capazes de transmitir a lição da Boa Nova a todos os homens. Tomando a palavra, disse-lhes:
- Em verdade, em verdade vos digo:
- Felizes os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus.
- Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.
- Felizes os misericordiosos, porque eles...

Pedro o interrompeu:
- Mestre, vamos ter que saber isso de cor?
André perguntou:
- É pra copiar?
Filipe lamentou-se:
- Esqueci meu papiro!
Bartolomeu quis saber:
- Vai cair na prova?
João levantou a mão:
- Posso ir ao banheiro?
Judas Iscariotes resmungou:
- O que é que a gente vai ganhar com isso?
Judas Tadeu defendeu-se:
- Foi o outro Judas que perguntou!
Tomé questionou:
- Tem uma fórmula pra provar que isso tá certo?
Tiago Maior indagou:
- Vai valer nota?
Tiago Menor reclamou:
- Não ouvi nada, com esse grandão na minha frente.
Simão Zelote gritou, nervoso:
- Mas porque é que não dá logo a resposta e pronto!?
Mateus queixou-se:
- Eu não entendi nada, ninguém entendeu nada!

Um dos fariseus, que nunca tinha estado diante de uma multidão nem ensinado nada a ninguém, tomou a palavra e dirigiu-se a Jesus, dizendo:
- Isso que o senhor está fazendo é uma aula?
- Onde está o seu plano de curso e a avaliação diagnóstica?
- Quais são os objetivos gerais e específicos?
- Quais são as suas estratégias para recuperação dos conhecimentos prévios?

Caifás emendou:
- Fez uma programação que inclua os temas transversais e atividades integradoras com outras disciplinas?
- E os espaços para incluir os parâmetros curriculares gerais?
- Elaborou os conteúdos conceituais, processuais e atitudinais?

Pilatos, sentado lá no fundão, disse a Jesus:
- Quero ver as avaliações da primeira, segunda e terceira etapas e reservo-me o direito de, ao final, aumentar as notas dos seus discípulos para que se cumpram as promessas do Imperador de um ensino de qualidade.
- Nem pensar em números e estatísticas que coloquem em dúvida a eficácia do nosso projeto.
- E vê lá se não vai reprovar alguém!

E, foi nesse momento que Jesus disse: "Senhor, Senhor, por que me abandonaste???"

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11 de ago. de 2011

Fulano é uma Anta !

antaDizer que alguém é uma anta, referindo-se ao fato da pessoa ser distraída ou às vezes se comportar como idiota, é algo deplorável nestes tempos em que a moda é ser politicamente correto(a).  É a mesma coisa que chamar uma pessoa de Burra!

Isso não é certo! é ofensivo e ofende à moral e bons costumes ecológicos!

Afinal, nem as Antas, nem os Burros merecem ser comparados com pessoas humanas. É ofensivo à dignidade animal.

Acho que devemos ter mais consciência antes de usar tal expressão pejorativa para com os animais! Embora geneticamente sejamos muito semelhantes a eles, os animais não são capazes de cometer as vilanias e safadezas humanas, nem demonstram falta de inteligência para resolver seus próprios problemas…

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2 de ago. de 2011

Uma reflexão sobre o Protestantismo Brasileiro

parte final do artigo “Fé e Tradição: um caminho para o protestantismo brasileiro”, de minha autoria, publicado em REFLEXUS: Revista Semestral de Estudos Teológicos –          ano IV, nº 04, maio 2010 – Vitória, Editora Unida [Faculdade Unida de Vitória], pp. 65-102.     Os números entre colchetes são notas de rodapé do artigo original, e se acham ao final deste texto

Celtic_Cross_Tattoo_by_willsketchPara entender o protestantismo brasileiro, sua evolução e sua situação presente, temos de conhecer o protestantismo norte-americano[1], porque o protestantismo na América Latina, e particularmente no Brasil, é totalmente dependente dos missionários, de diferentes denominações, que chegaram a partir de meados do século XIX, vindos dos Estados Unidos da América.

Nos Estados Unidos, o pietismo acaba se combinando com o puritanismo e com a Reforma Radical, dando origem ao denominacionalismo, ao legalismo e ao moralismo que marcam profundamente o pensamento protestante que chegou ao Brasil com os missionários, especialmente aqueles vindos do sul dos Estados Unidos. Nessa mistura está a marca da mentalidade protestante norte-americana.

Foi na América do Norte que o protestantismo assumiu a postura de isolamento do mundo, por influência de uma ideologia que permeia a sociedade e o pensamento protestante americano: o ideal de santidade aliado ao fundamentalismo bíblico.

O ideal de santidade exige que se prove a conversão e a ação da graça na vida da pessoa. Isso criou uma nova preocupação para cada crente: a de provar a si mesmo e aos outros que é um dos eleitos. Assim, é preciso afastar-se do “mundo”, a “evitar a contaminação pelo mundo”. Esse auto-isolamento rompe com a visão social do pietismo, pois obriga a espiritualidade pessoal dirigir sua atenção para dentro de si mesmo, buscando alcançar a santidade, desvinculando-a da realidade cotidiana e do compromisso social. Ao mesmo tempo, justifica a postura em condenar o diferente, pois o “diferente de mim” não é eleito de Deus [2]. Aqui estão as raízes do denominacionalismo e do moralismo de usos e costumes.

O Fundamentalismo Bíblico, mais conhecido simplesmente como fundamentalismo, é uma doutrina que nasce nos Estados Unidos, fruto da reação dos protestantes ultra-conservadores em defesa do que consideravam os “fundamentos” da fé cristã e bíblica, os quais, segundo eles, estavam ameaçados pelo liberalismo teológico do século XIX [3].

O fundamentalismo é uma ideologia que perpassa muitos campos da ação humana, não só o campo da religião. O “fundamentalismo” sempre existe a partir de um texto considerado paradigmático. O fundamentalismo é uma postura diante do mundo, a partir de uma ideia básica, oriunda da forma de interpretar ou entender um texto, considerado paradigmático, considerado absoluto. Qualquer raciocínio ou fato que negue o absoluto do texto é considerado falso a priori, sem análise, simplesmente com base na “autoridade” que se atribui ao texto. No caso do fundamentalismo bíblico, esse texto é a Bíblia.

Ser fundamentalista é adotar posturas fechadas diante da realidade, negando tudo aquilo que contraria sua forma de interpretar o texto. Ou seja, o fundamentalismo parte de uma leitura (hermenêutica) dogmática do texto, como se o texto não tivesse história, autoria, contexto de origem; como se a interpretação dogmatizada fosse a única maneira de ler o texto, sem crítica, aceitando apenas as palavras tais como estão escritas; enfim, o fundamentalismo trata o texto como se ele, por si mesmo, fosse o absoluto. É a idolatria do texto.

O fundamentalismo é uma postura intelectual muito difícil de ser sustentada; na verdade, o fundamentalismo se sustenta através de apelos emocionais. Diante de qualquer afirmação que ameace a interpretação literal do texto bíblico, o fundamentalista reage de forma emocional, considerando diabólica tal afirmação por ser contrária à “Palavra de Deus”. Assim se procede em relação às ciências naturais, às ciências sociais e à própria teologia bíblica. O grande problema do fundamentalismo, no Brasil, é que a maioria dos fundamentalistas não sabem, ou não admitem, que o são.

O estudo pormenorizado do protestantismo norte-americano nos permite entender vários aspectos daquela sociedade, seus fundamentos e valores e, assim, o tipo de protestantismo que chegou ao Brasil, trazido pelos missionários que de lá vieram, e que continua chegando hoje através do patrocínio de setores ultra-conservadores da sociedade americana. Ajuda-nos compreender os fundamentos da identidade evangélica brasileira, ou seja, porque somos o que somos e porque somos como somos.

O protestantismo brasileiro perdeu, a nosso ver, suas raízes da Reforma, tornando-se uma mescla confusa de ideologias e apresentando comportamento cada vez mais fundamentalista e sectário. Essa opção, consciente ou não, faz da atividade missionária mais um processo de arregimentação de clientela para o consumo de uma crença, do que o chamado à conversão e à vivência na fé.

Conhecer a Tradição Cristã, desde seus fundamentos no kerigma apostólico, passando pela reflexão da Igreja de todas as épocas, é fundamental para criar o senso de identidade que possibilita visão crítica diante do mundo e, ao mesmo tempo, fortalece o desempenho da missão no seu real sentido apostólico: o anúncio da revelação do mistério de Deus em Jesus Cristo, a boa notícia da salvação.


Notas:

[1] Sempre estamos nos referindo aos Estados Unidos da América, quando falamos “norte-americano”.

[2] Curioso notar que essa era, exatamente, a postura dos escribas e fariseus, e contra a qual Jesus se pronunciou muitas vezes.

[3] Cf. MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo:Mundo Cristão, 2008 [Teologia Brasileira].  p. 222.