2 de ago. de 2011

Uma reflexão sobre o Protestantismo Brasileiro

parte final do artigo “Fé e Tradição: um caminho para o protestantismo brasileiro”, de minha autoria, publicado em REFLEXUS: Revista Semestral de Estudos Teológicos –          ano IV, nº 04, maio 2010 – Vitória, Editora Unida [Faculdade Unida de Vitória], pp. 65-102.     Os números entre colchetes são notas de rodapé do artigo original, e se acham ao final deste texto

Celtic_Cross_Tattoo_by_willsketchPara entender o protestantismo brasileiro, sua evolução e sua situação presente, temos de conhecer o protestantismo norte-americano[1], porque o protestantismo na América Latina, e particularmente no Brasil, é totalmente dependente dos missionários, de diferentes denominações, que chegaram a partir de meados do século XIX, vindos dos Estados Unidos da América.

Nos Estados Unidos, o pietismo acaba se combinando com o puritanismo e com a Reforma Radical, dando origem ao denominacionalismo, ao legalismo e ao moralismo que marcam profundamente o pensamento protestante que chegou ao Brasil com os missionários, especialmente aqueles vindos do sul dos Estados Unidos. Nessa mistura está a marca da mentalidade protestante norte-americana.

Foi na América do Norte que o protestantismo assumiu a postura de isolamento do mundo, por influência de uma ideologia que permeia a sociedade e o pensamento protestante americano: o ideal de santidade aliado ao fundamentalismo bíblico.

O ideal de santidade exige que se prove a conversão e a ação da graça na vida da pessoa. Isso criou uma nova preocupação para cada crente: a de provar a si mesmo e aos outros que é um dos eleitos. Assim, é preciso afastar-se do “mundo”, a “evitar a contaminação pelo mundo”. Esse auto-isolamento rompe com a visão social do pietismo, pois obriga a espiritualidade pessoal dirigir sua atenção para dentro de si mesmo, buscando alcançar a santidade, desvinculando-a da realidade cotidiana e do compromisso social. Ao mesmo tempo, justifica a postura em condenar o diferente, pois o “diferente de mim” não é eleito de Deus [2]. Aqui estão as raízes do denominacionalismo e do moralismo de usos e costumes.

O Fundamentalismo Bíblico, mais conhecido simplesmente como fundamentalismo, é uma doutrina que nasce nos Estados Unidos, fruto da reação dos protestantes ultra-conservadores em defesa do que consideravam os “fundamentos” da fé cristã e bíblica, os quais, segundo eles, estavam ameaçados pelo liberalismo teológico do século XIX [3].

O fundamentalismo é uma ideologia que perpassa muitos campos da ação humana, não só o campo da religião. O “fundamentalismo” sempre existe a partir de um texto considerado paradigmático. O fundamentalismo é uma postura diante do mundo, a partir de uma ideia básica, oriunda da forma de interpretar ou entender um texto, considerado paradigmático, considerado absoluto. Qualquer raciocínio ou fato que negue o absoluto do texto é considerado falso a priori, sem análise, simplesmente com base na “autoridade” que se atribui ao texto. No caso do fundamentalismo bíblico, esse texto é a Bíblia.

Ser fundamentalista é adotar posturas fechadas diante da realidade, negando tudo aquilo que contraria sua forma de interpretar o texto. Ou seja, o fundamentalismo parte de uma leitura (hermenêutica) dogmática do texto, como se o texto não tivesse história, autoria, contexto de origem; como se a interpretação dogmatizada fosse a única maneira de ler o texto, sem crítica, aceitando apenas as palavras tais como estão escritas; enfim, o fundamentalismo trata o texto como se ele, por si mesmo, fosse o absoluto. É a idolatria do texto.

O fundamentalismo é uma postura intelectual muito difícil de ser sustentada; na verdade, o fundamentalismo se sustenta através de apelos emocionais. Diante de qualquer afirmação que ameace a interpretação literal do texto bíblico, o fundamentalista reage de forma emocional, considerando diabólica tal afirmação por ser contrária à “Palavra de Deus”. Assim se procede em relação às ciências naturais, às ciências sociais e à própria teologia bíblica. O grande problema do fundamentalismo, no Brasil, é que a maioria dos fundamentalistas não sabem, ou não admitem, que o são.

O estudo pormenorizado do protestantismo norte-americano nos permite entender vários aspectos daquela sociedade, seus fundamentos e valores e, assim, o tipo de protestantismo que chegou ao Brasil, trazido pelos missionários que de lá vieram, e que continua chegando hoje através do patrocínio de setores ultra-conservadores da sociedade americana. Ajuda-nos compreender os fundamentos da identidade evangélica brasileira, ou seja, porque somos o que somos e porque somos como somos.

O protestantismo brasileiro perdeu, a nosso ver, suas raízes da Reforma, tornando-se uma mescla confusa de ideologias e apresentando comportamento cada vez mais fundamentalista e sectário. Essa opção, consciente ou não, faz da atividade missionária mais um processo de arregimentação de clientela para o consumo de uma crença, do que o chamado à conversão e à vivência na fé.

Conhecer a Tradição Cristã, desde seus fundamentos no kerigma apostólico, passando pela reflexão da Igreja de todas as épocas, é fundamental para criar o senso de identidade que possibilita visão crítica diante do mundo e, ao mesmo tempo, fortalece o desempenho da missão no seu real sentido apostólico: o anúncio da revelação do mistério de Deus em Jesus Cristo, a boa notícia da salvação.


Notas:

[1] Sempre estamos nos referindo aos Estados Unidos da América, quando falamos “norte-americano”.

[2] Curioso notar que essa era, exatamente, a postura dos escribas e fariseus, e contra a qual Jesus se pronunciou muitas vezes.

[3] Cf. MATOS, Alderi Souza de. Fundamentos da Teologia Histórica. São Paulo:Mundo Cristão, 2008 [Teologia Brasileira].  p. 222.

6 comentários:

  1. Como posso ter acesso ao texto completo do artigo a que vc se refere?

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  2. Lizi, vc pode encomendar a revista no link que está na postagem, bem acima (Faculdade Unida).
    Caso vc queira só o artigo, posso mandar o texto original, mas caso vc o utilize, deve citar a revista. Escreve para meu e-mail. Bjs.

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  3. vejo pietismo por outro ângulo, o ângulo da busca por uma intimidade maior com Deus, seus movimentos-filhos appresentaram-se de forma diversa: mais fechada nos morávios e mais missionaria nos metodistas embora a busca por uma santidade maior tenha sido a força motriz. creio que a igreja atual, salvo raras excessões fala de santidade e santificação, mas não se esforça nem um pouco em alcançar.

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  4. Pr. Claudiney, obrigado por seu comentário. Concordo com sua observação. De fato o pietismo é uma atitude de busca de intimidade com Deus. Mas o que veio para o Brasil não foi exatamente o pietismo...

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  5. Maninho, muito bom esse texto. Também quero o artigo todo. Bjs.

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  6. Tenho seu artigo completo, aliás tenho todos os números da revista. Lembro que, na época, tivemos um bom debate lá na Unidas, no cafezinho, sobre a sua visão do pietismo. Lendo os ´pietistas do sec XVII, cheguei à conclusão que vc tem razão: a santidade e a comunhão com Deus, segundo eles, se manifesta claramente nas ações concretas das pessoas e da comunidade. Abração. Zé Carlos.

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