Não é fácil ser cristão nestes tempos pós-modernos.
Hoje as pessoas consomem “produtos personalizados”, de forma hedonista e visando essencialmente sua auto-imagem – narcisismo exacerbado! Iludidas com a ideia de uma pretensa “liberdade de escolha”, não percebem que a tecnociência, através dos meios mediáticos, programam todo o comportamento social em seus mínimos detalhes: desde o que é “certo” vestir e usar, até o “pensar”.
Não existem paradigmas, ou escala de valores. O indivíduo se torna fim em si mesmo, perde sua percepção social e seu horizonte histórico. Perde sua identidade à medida que necessita fazer um “self” a cada instante para dizer a si mesmo e aos outros quem é.
O sujeito hoje tem sua identidade fragmentada (esquizofrênica?); ele bebe a cerveja “X” (um “self” na rede social informa isso); come “sushi” no restaurante “Y” (outro “self”), faz compras na superloja “Z” (outro “self”), vai à praia “H” (outro “self”), quintas-feiras está na balada “R” (outro “self”), e seu filho fez cocô no colo da vovó pela primeira vez (um “self” com a criança e a fralda suja ao lado, no colo da avó constrangida)… e assim vai! O sujeito sente então que existe, que é alguém e que está por dentro de tudo; ele mede isso pela quantidade de curtidas que suas postagens recebem na rede social. É um sujeito inserido e atual. Vive feliz até a próxima crise de vazio (em cinco minutos) por falta de consumir alguma coisa e dizer para todo mundo que consumiu.
Não é a toa que a Organização Mundial de Saúde prevê a Depressão como a maior epidemia global dentro de uma ou duas décadas, para a alegria dos laboratórios multinacionais que manipulam as drogas antidepressivas. Ou então, não duvido de nada, é bem possível que a mídia venha, com o tempo, apresentar as vantagens da depressão, insuflando assim o consumo de “turismos antidepressivos” e então milhares de selfs serão postados mostrando sujeitos curtindo sua depressão fazendo turismo em algum shopping no Oriente, comprando tudo que lhes é desnecessário, mas paliativos para a depressão epidêmica.
“Melhor comprar que viciar em remédio”, vai dizer dona Maria de Tal, microempresária (faz coxinha de frango para festas), 35 anos, mãe de dois filhos (um adotado), à entrevistadora da Globo, contando que comprou seu turismo antidepressivo em 25 pagamentos sem juros no cartão – que aliás está em atraso, e por isso ela está deprimida. Com certeza, o PT vai criar o programa Bolsa Depressão, afinal fluoxetina, bupropiona e escitalopram é direito de todo cidadão brasileiro. Claro que a direita vai protestar, afirmando que depressão não é coisa de pobre, e que, portanto, tem alguma jogada eleitoreira no lance… Porque os pobres não têm depressão, têm tristeza e frustração porque não podem comprar, e é bom que a polícia fique atenta porque vão querer assaltar…
Seja como for, fato é que hoje vive-se de simulacros; abstrai-se a realidade que é transfigurada pela mídia, vive-se da fantasia e da vontade manipulada disfarçada de liberdade. Não há mais inteligência nem imaginação. Não se distingue verdadeiro do falso, vive-se do “achismo” onde todo mundo se sente do direito de proferir as verdades que “acha” serem verdadeiras e enchem de merda as redes sociais.
O volume de informação é enorme e, na verdade, vazio, pois a informação é tratada como mercadoria, que se consome. Janta-se e assiste-se , com muita naturalidade terroristas cortando cabeças na TV, e depois decide-se mandar umas garrafas de água para Minas Gerais, coitados, por causa do “acidente” das barragens de lama (mas tem de ter um lugar perto para recolher as ofertas, se não vai dar muito trabalho).
De fato, não é fácil ser cristão hoje em dia. Aliás, algum dia foi? Fica fácil quando se vive o simulacro da fé expresso através do consumismo religioso – a fé como mercadoria, a graça deixando de ser graça para ser comprada e consumida!
Deus tenha piedade de nós!
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Pequenas luzes... simplicidade... Pirilampos iluminavam a noite piscando; eram pontinhos brilhantes de vida na escuridão em noite de Lua Nova, como as estrelas! Pintassilgos são passarinhos comuns (ainda existem), de muitos tipos, e representam as coisas mais simples... selvagens, são livres!
21 de nov. de 2015
Pós-modernidade e Fé Cristã (I)
29 de jun. de 2015
Homoafetivos e Banqueiros.
É público e notório o ódio às pessoas homo-afetivas esparramado por gente que se diz “cristã” e manipula a Bíblia para justificar esse preconceito que se torna ódio irracional.
Até há 60 anos atrás, nos Estados Unidos (já que a maioria dos brasileiros é fascinado por aquela nação) cristãos brancos exibiam descaradamente seu ódio às pessoas negras, fossem elas cristãs ou não. Claro, justificavam suas posições usando a Bíblia… De fato, a Bíblia pode justificar qualquer coisa quando usada de má fé e de forma ignorante, aliás, como a ciência.
Há alguns anos, eu atuava como Secretário Regional do CLAI* para o Brasil, fui convidado para apresentar uma palestra em evento nacional de uma das igrejas membros do Conselho. O tema, até mesmo devido à minha função, era Relações Ecumênicas e Cooperação. Terminei a palestra, cerca de 25 minutos, e convidei ao plenário apresentar perguntas. Para minha surpresa, recebi três perguntas por escrito, as três com o mesmo teor, que pode ser resumido assim: “Parece que a sua Igreja tem discutido o tema da homossexualidade, pode explicar como tem sido isso?” Entendi, então, porque eu havia sido convidado e que o assunto preocupante para aquelas pessoas era a questão da homossexualidade na Igreja, e não necessariamente as relações ecumênicas...
Não fugi do assunto. Pelo contrário, expliquei que a Igreja Episcopal estava dando início à discussão sobre o tema de maneira pública, a exemplo do que vinha acontecendo em outras Igrejas da Comunhão Anglicana. Informei que a Igreja estava ainda em fase de debates teológicos sobre o tema, e ao mesmo tempo colhendo subsídios através de outros campos do conhecimento humano, mas que a discussão evoluiria até chegar ao nível das comunidades locais, as Dioceses e suas paróquias e missões; informei ainda que mais detalhes de como andam as discussões e documentos já produzidos poderiam ser obtidos com a Secretaria Geral da Igreja ou com o Centro de Estudos Anglicanos.
Seguiu-se então um tremendo debate. Muitos pastores se pronunciaram contrários, e alguns que eu sabia serem favoráveis temiam manifestar-se. Eu apenas ouvia os comentários, distribuindo a palavra a quem pedia. Resolvi não me pronunciar porque percebi que aquele era um tema que estava criando possibilidades de divisão da Igreja. Mas eu não resisti comentar a fala de um jovem pastor que afirmou estar no início de seu ministério.
Demonstrando uma certa ira, ele esbravejou contra as pessoas homoafetivas, citando a bíblia a torto e a direito, especialmente pedaços de versículos, e reparei que ele estava usando uma versão da bíblia de péssima tradução, muito antiga e hoje em dia irrelevante.
Em certo momento ele afirmou categoricamente e apresentando até uma certa arrogância: “Eu jamais darei a Santa Ceia a um homossexual!”. Eu não resisti, o interrompi e larguei a pergunta: “Você daria a Santa Ceia a um banqueiro?” .
Ele respondeu que sim, se fosse um banqueiro cristão, claro que poderia receber a Ceia. Então eu respondi a ele: “Interessante a tua postura pastoral e teológica. Você esbravejou versículos bíblicos fora de contexto, até mesmo modificou o sentido de alguns, para justificar que não daria a Ceia a uma pessoa homossexual. Todavia um banqueiro vive de usura, e a Bíblia, ai sim, está cheia de afirmações condenatórias da usura e do usurário. Então, eu não entendo teu critério de ler a bíblia.”
Acabei de dizer isso, o plenário explodiu em aplausos de pé e o rapaz se retirou cabisbaixo…
Pois é, caro leitor. E você, daria a comunhão, ou a tomaria ao lado de um banqueiro? Tomaria a comunhão das mãos de um pastor preconceituoso e semeador de ódio aos diferentes?
A quem, afinal, tu serves, ó cristão? ao preconceito ou ao Cristo?
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* CLAI – Conselho Latino-Americano de Igrejas.
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4 de abr. de 2015
Racionalidade, Religião e Fé
Hoje em dia existem muitos movimentos ditos “ateístas” que atacam o cristianismo questionando o que acham que seja a Fé Cristã. Engraçado que questionam muito pouco outras religiões.
Eu já fui ateu! mas eu apresentava argumentos melhores e mais inteligentes para defender meu ateísmo e questionar a religião do que a maioria das postagens vistas por ai nas redes sociais, mostrando atitude “religiosa” dado o caráter apologético e dogmático com que fundamentam suas afirmações e críticas.
Na verdade, criticam, como eu ainda faço, e com muita razão, a religião cristã! É preciso distinguir Fé de Religião, embora ambas se relacionem. A Fé dá sentido à Religião (que é cultural, uma construção racional que se desenvolve por gerações e gerações até chegar a um ponto mais ou menos definitivo); mas a Religião não produz a Fé, e sim práticas que buscam “ligar” (ou, etimologicamente, religar!) o ser humano à instância da “divindade” ou à percepção do que se define como “sagrado”.
O problema é que a Fé vivenciada pelas primeiras comunidades cristãs sofreu crescente degradação à medida em que deixou de ser a expressão de um movimento para se institucionalizar como uma religião, aliás, a religião do Império Romano. Surgiu o “Cristianismo”, uma religião de massa (e como tudo que é de massa, sem sabor nem profundidade); com o “Cristianismo” veio a “Cristandade”; a Igreja se tornou instituição religiosa e não mais comunidade de fé! Assim é compreensível que muitas pessoas questionam o Cristianismo.
A Igreja, no decorrer do tempo, acabou solidificando de forma dogmática e absoluta, dentro de um discurso pretensamente lógico, o que era percebido e vivenciado a partir da experiência da Fé. Isso começou com Constantino! O Imperador percebeu que os cristãos estavam em todas as partes do Império e seria necessário tê-los a seu lado para facilitar a governabilidade do Império (governabilidade e “base aliada” já era um problema naquela época!). Mas os cristãos não eram um bloco monolítico! Distribuíam-se em muitas facções e em muitos casos discordavam uns dos outros (quem acha que a Igreja Primitiva e Pós-Apostólica eram “unidas”, ou “tinham unidade confessional”, está muito enganado! precisa estudar História da Igreja!!!).
Constantino entendeu que seria preciso controlar esse movimento. E isso aconteceu, de fato. O Imperador conseguiu uma unidade confessional e com isso, domesticou o movimento. Basta olhar a História!
As Igrejas do Oriente e do Ocidente (Roma), nesse processo de forte institucionalização, definiram dogmas absolutos e a a Fé Cristã perdeu sua dinâmica, tornando-se uma mera religião com práticas devocionais para agradar a Deus e proteger-se do diabo. Contra isso, em todas as épocas, especialmente no Ocidente, surgiram propostas de reforma, sendo que a do século XVI foi mais estável e conseguiu desligar-se do dogmatismo rígido da Igreja Institucional. Todavia, um século depois da Reforma Protestante, o Protestantismo estava cheio de dogmas doutrinários e construções escolásticas (acabou se constituindo naquilo que combateu!). Mas, ainda assim, continuaram a existir resistências reformadoras – não só no Protestantismo, mas também no Catolicismo. O princípio de Calvino – Igreja Reformada sempre se reformando – nunca foi realmente observado, nem mesmo por ele!
Nos tempos modernos, um movimento chamado Fundamentalismo, nascido nos Estados Unidos no século XIX, acabou criando, no mundo Protestante, um dogmatismo literalista da Bíblia que, aos olhos das pessoas esclarecidas, é ridículo. Foi o Fundamentalismo que criou a falsa divergência entre Fé e Ciência! E muita gente aceitou essa falácia, tanto de um lado quanto de outro.
Para quem acha que a verdade se expressa em termos científicos de forma positiva, absoluta e definitiva, não sabe como a Ciência procede e, provavelmente, não conhece – por exemplo – Mecânica Quântica, um grande exercício de imaginação para explicar o que não vemos, mas percebemos… (ou alguém já viu um bóson? ou um quark? viu-se o registro de um fenômeno em chapas sensíveis à radiações, e imaginaram o que chamam de bóson; ninguém viu um “buraco negro”, mas ele é uma boa explicação para o que podemos observar como colapso da gravidade).
O senso comum acha que tudo que se afirma no universo da Ciência é verdade absoluta. Não é! Quem assim pensa, não sabe o que é Ciência nem como ela funciona. Poucas coisas estão “cientificamente provadas”, ou seja, na linguagem dos cientistas, são “fatos científicos”! A maior parte das afirmações da Ciência, especialmente no campo da Mecânica Quântica ou da Física Relativista, são TEORIAS, ou seja, são formas consistentes de explicar o que se observa; todavia, o trabalho dos cientistas não é afirmar a Teoria de forma dogmática. Vão testando e refinando a teoria… e, em alguns casos, ela é derrubada e tudo tem de começar de novo, ou então, os cientistas sabem que determinada Teoria jamais será um “fato científico”, mas é instrumento útil para a compreensão da realidade,e enquanto é útil, é assumida como “verdade”. Cientistas não são fundamentalistas, mas muitos apologéticos do ateísmo o são!
O Fundamentalismo ganhou várias matizes, muitas delas histéricas, se infiltrou na cultura e acabou gerando maluquices sem sentido como a tal “teologia (ideologia) da prosperidade” e as tais “igrejas de massa”, que – estas sim – acabam por liquidar com o caráter único e exclusivo da Fé Cristã: a sua maneira de vivenciar a experiência com Deus, o Deus que se manifesta pela Graça e é Companheiro de Caminhada, transformando-o em um deus muito semelhante aos antigos deuses pagãos.
Acontece que, se olharmos a pregação original, Cristãos são ateus! Nos primeiros séculos da Igreja, no Império Romano, os cristãos eram chamados de ateus porque negavam a miríade de deuses que havia no território do Império. O Deus Cristão não é metafísico, mas Deus Encarnado. A transcendência surge na imanência... Ou seja, a Fé Cristã traz em seu bojo uma afirmação materialista: Deus se tornou matéria na História! “… e o Logos/Verbo/Palavra Criadora se fez Carne e habitou entre nós” (João 1.14).
Cristãos não creem em deuses que "cuidam" das forças naturais e precisam ser agradados o tempo todo... O Deus Cristão não é como uma criança mimada, ou um adulto inseguro, que precisa receber agrados permanentemente para não ficar “nervoso” e dar “piti”! Um recente filme completamente sem fundamento bíblico, seguindo a onda de desmoralizar a Fé Bíblica, apresentou Moisés se relacionando com um deus-menino nervosinho e egocêntrico, uma péssima leitura do Deus que se manifesta no Antigo Testamento. Mas, reconheço, que infelizmente, a Igreja ajudou em muito a acontecer tal redução, por ignorância teimosa e postura dogmática.
O Deus Cristão não precisa ser movido por sacrifícios e agradinhos... O Deus Cristão se manifesta e atua através da Graça, não como retribuição, mas como iniciativa amorosa. Tentar entender o Deus Cristão pelos critérios cartesianos de análise é como querer explicar a Lua enquanto objeto astronômico para a sua namorada em noite de luar, no jardim, ao som de música: não tem graça, nem apelo, e ela vai achar você um idiota completo, um babaca nada romântico…
O Deus Cristão só pode ser entendido e experimentado pela Fé. Ele é como poesia: para falar-se d’Ele, usa-se palavras, mas dando a elas um significado além do dicionário, porque fala-se do que se percebe!
Já tentou explicar a alguém o que é dor? ou o sabor da laranja? ou explicar o que é vermelho a um cego de nascença? É a mesma coisa falar da Fé a quem não se abre para uma realidade além da realidade cognitiva. Na verdade, só encontra quem busca… – “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Mateus 7.7)
Não é a Razão que conhece a Fé; é a Fé que dá nova luz à Razão (e Kant que se dane!) A Fé dá sentido à pratica religiosa enquanto prática comunitária, expressando o que se entende além da racionalidade, ação manifesta de solidariedade, identidade e pertença.
Ainda há aqueles que dizem que a maioria das narrativas bíblicas são mitos. São mesmo! E daí? quem reduz o argumento a essa simples frase, não sabe o que é Mito, muito menos entende o que a Bíblia é enquanto literatura. Do jeito que definem o mito, vão acabar afirmando também que a Mecânica Quântica é construída sobre mitos. Como físico, eu até acho que é, mas… e daí?
Ao contrário do que muita gente pensa e apesar das grandes campanhas ateístas, observa-se no mundo o fortalecimento do comportamento religioso. A religião majoritária hoje em dia chama-se Consumismo! O Consumismo se tornou uma ideologia que induz comportamento religioso. Para entender, por exemplo, as “igrejas da prosperidade” é preciso perceber que elas promovem um consumo religioso e adotam técnicas de publicidade indutoras do Consumismo.
Quanto aos ateus, estão, como todo o mundo, diante do abismo em uma noite escura. Não podem dar um passo à frente, nem sabem como retornar. Ao contrário dos que vivem a realidade da Fé Cristã, não ouvem o “rumor de anjos vindo do abismo”, e por isso têm medo de dar o salto definitivo, porque não sabem que serão amparados…
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30 de jan. de 2015
Fulano de Tal
Fulano de Tal nasceu em algum lugar em certo dia de certo mês de determinado ano. Filho de seu pai e de sua mãe, nasceu em um lar de classe média baixa. Foi um neném comum, como todos encheu o saco de seus pais com manhas, cólicas, fazia cocô em horas impróprias…
Na infância frequentou um colégio estadual, sentava na turma do fundão da classe, reprovou no 4º ano, mas como não podia reprovar, passou de ano… Aprendeu muitos palavrões e sua mãe colocava pimenta em sua boca, denunciou a mãe ao Conselho Tutelar, que deu uma espinafrada na mãe. Xingou a mulher do Conselho Tutelar, levou uma bordoada… não tinha pra quem reclamar. Teve sarampo, catapora, rubéola, caxumba e bronquite. Foi vacinado contra um monte de coisa, e sempre berrava muito na hora da vacina.
Chegou na puberdade, estranhou seu corpo mudando, perguntou para seu pai, o qual disse que é assim mesmo. Um amiguinho ensinou a manipular certas partes, gostou muito. Caiu da bicicleta, quebrou o braço. Descobriu que existem meninas, as quais são chatas.
Na adolescência começou a fumar escondido. Chegava tarde em casa nas noites de sábado, levava esporro do pai, mas não dava a mínima porque não podia ser castigado. Continuou no mesmo colégio. Descobriu que as meninas não são tão chatas, afinal. Aprimorou as técnicas de manipulação de certas partes, agora pensando em meninas.
Acabou o Curso Médio, fez o ENEM, foi mal em redação, em matemática, em história, em geografia, em tudo. Acabou em faculdade particular no curso de Direito, trancou matrícula porque era chato e o pai achava caro, foi estudar computação em um desses cursos avulsos, quebrou o computador do pai, levou esporro, mas não deu a mínima. Voltou para a faculdade, acabou o curso, conseguiu uma dessas bolsas do governo, não passou no exame da OAB, arrumou emprego numa loja, foi demitido porque chegava atrasado sempre e faltava. Continuou vivendo de mesada do pai. Nunca devolveu o dinheiro da bolsa do governo. Ficou com CPF sujo, mas e daí?
O pai e a mãe se separaram, teve de ficar morando com a mãe, porque o pai se mandou com uma garota e foi morar em outra cidade. Não tinha mais mesada, mas recebia pensão do pai. Arrumou um emprego, mas ainda dependia da mãe. A mãe se ajeitou com um antigo amigo do pai.
Conheceu a Rosinha, menina vivida pacas, fez um filho nela, acabou casando e foi morar na meia-água no fundo da casa dos pais dela. Brigava com a sogra, levou porrada do sogro, arrumou emprego em uma oficina mecânica e acabou se mudando para um bairro na periferia, abandonando a Rosinha, o sogro, a sogra e o filho. Rosinha arrumou um outro cara.
Parou de fumar por causa da bronquite, mas continuou bebendo, “socialmente”, dizia.
Virou sócio da oficina. Acabou ganhando um bom dinheiro, comprou uma casa em conjunto habitacional e trouxe a Juliana para morar com ele, ela e seus três filhos de pais desconhecidos. Adotou os moleques.
Um dia, bebeu mais que podia, e ao voltar para a casa, foi vítima de uma bala perdida, que depois a polícia descobriu que não era tão perdida, mas tinha a ver com uma briga de uns dois anos antes, e um lance de certos pacotinhos dos quais ele não prestou contas. Foi levado às pressas para o hospital.
Morreu antes de chegar lá. Juliana foi buscar o corpo no IML, e fez o enterro.
Fulano morreu assim, em certo dia de certo mês de certo ano, pelas três da madrugada. Foi pro céu? Não sei, era ateu.
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