4 de abr. de 2015

Racionalidade, Religião e Fé

Vitral 2
Hoje em dia existem muitos movimentos ditos “ateístas” que atacam o cristianismo questionando o que acham que seja a Fé Cristã. Engraçado que questionam muito pouco outras religiões.

Eu já fui ateu! mas eu apresentava argumentos melhores e mais inteligentes para defender meu ateísmo e questionar a religião do que a maioria das postagens vistas por ai nas redes sociais, mostrando atitude “religiosa” dado o caráter apologético e dogmático com que fundamentam suas afirmações e críticas.

Na verdade, criticam, como eu ainda faço, e com muita razão, a religião cristã! É preciso distinguir Fé de Religião, embora ambas se relacionem. A Fé dá sentido à Religião (que é cultural, uma construção racional que se desenvolve por gerações e gerações até chegar a um ponto mais ou menos definitivo); mas a Religião não produz a Fé, e sim práticas que buscam “ligar” (ou, etimologicamente, religar!) o ser humano à instância da “divindade” ou à percepção do que se define como “sagrado”.

O problema é que a Fé vivenciada pelas primeiras comunidades cristãs sofreu crescente degradação à medida em que deixou de ser a expressão de um movimento para se institucionalizar como uma religião, aliás, a religião do Império Romano. Surgiu o “Cristianismo”, uma religião de massa (e como tudo que é de massa, sem sabor nem profundidade); com o “Cristianismo” veio a “Cristandade”; a Igreja se tornou instituição religiosa e não mais comunidade de fé! Assim é compreensível que muitas pessoas questionam o Cristianismo.


A Igreja, no decorrer do tempo, acabou solidificando de forma dogmática e absoluta, dentro de um discurso pretensamente lógico, o que era percebido e vivenciado a partir da experiência da Fé. Isso começou com Constantino! O Imperador percebeu que os cristãos estavam em todas as partes do Império e seria necessário tê-los a seu lado para facilitar a governabilidade do Império (governabilidade e “base aliada” já era um problema naquela época!). Mas os cristãos não eram um bloco monolítico! Distribuíam-se em muitas facções e em muitos casos discordavam uns dos outros (quem acha que a Igreja Primitiva e Pós-Apostólica eram “unidas”, ou “tinham unidade confessional”, está muito enganado! precisa estudar História da Igreja!!!).

Constantino entendeu que seria preciso controlar esse movimento. E isso aconteceu, de fato. O Imperador conseguiu uma unidade confessional e com isso, domesticou o movimento. Basta olhar a História!

As Igrejas do Oriente e do Ocidente (Roma), nesse processo de forte institucionalização, definiram dogmas absolutos e a a Fé Cristã perdeu sua dinâmica, tornando-se uma mera religião com práticas devocionais para agradar a Deus e proteger-se do diabo. Contra isso, em todas as épocas, especialmente no Ocidente, surgiram propostas de reforma, sendo que a do século XVI foi mais estável e conseguiu desligar-se do dogmatismo rígido da Igreja Institucional. Todavia, um século depois da Reforma Protestante, o Protestantismo estava cheio de dogmas doutrinários e construções escolásticas (acabou se constituindo naquilo que combateu!). Mas, ainda assim, continuaram a existir resistências reformadoras – não só no Protestantismo, mas também no Catolicismo. O princípio de Calvino – Igreja Reformada sempre se reformando – nunca foi realmente observado, nem mesmo por ele!

Nos tempos modernos, um movimento chamado Fundamentalismo, nascido nos Estados Unidos no século XIX, acabou criando, no mundo Protestante, um dogmatismo literalista da Bíblia que, aos olhos das pessoas esclarecidas, é ridículo. Foi o Fundamentalismo que criou a falsa divergência entre Fé e Ciência! E muita gente aceitou essa falácia, tanto de um lado quanto de outro.

Para quem acha que a verdade se expressa em termos científicos de forma positiva, absoluta e definitiva, não sabe como a Ciência procede e, provavelmente, não conhece – por exemplo – Mecânica Quântica, um grande exercício de imaginação para explicar o que não vemos, mas percebemos… (ou alguém já viu um bóson? ou um quark? viu-se o registro de um fenômeno em chapas sensíveis à radiações, e imaginaram o que chamam de bóson; ninguém viu um “buraco negro”, mas ele é uma boa explicação para o que podemos observar como colapso da gravidade).

O senso comum acha que tudo que se afirma no universo da Ciência é verdade absoluta. Não é! Quem assim pensa, não sabe o que é Ciência nem como ela funciona. Poucas coisas estão “cientificamente provadas”, ou seja, na linguagem dos cientistas, são “fatos científicos”! A maior parte das afirmações da Ciência, especialmente no campo da Mecânica Quântica ou da Física Relativista, são TEORIAS, ou seja, são formas consistentes de explicar o que se observa; todavia, o trabalho dos cientistas não é afirmar a Teoria de forma dogmática. Vão testando e refinando a teoria… e, em alguns casos, ela é derrubada e tudo tem de começar de novo, ou então, os cientistas sabem que determinada Teoria jamais será um “fato científico”, mas é instrumento útil para a compreensão da realidade,e enquanto é útil, é assumida como “verdade”. Cientistas não são fundamentalistas, mas muitos apologéticos do ateísmo o são!

O Fundamentalismo ganhou várias matizes, muitas delas histéricas, se infiltrou na cultura e acabou gerando maluquices sem sentido como a tal “teologia (ideologia) da prosperidade” e as tais “igrejas de massa”, que – estas sim – acabam por liquidar com o caráter único e exclusivo da Fé Cristã: a sua maneira de vivenciar a experiência com Deus, o Deus que se manifesta pela Graça e é Companheiro de Caminhada, transformando-o em um deus muito semelhante aos antigos deuses pagãos.

Acontece que, se olharmos a pregação original, Cristãos são ateus! Nos primeiros séculos da Igreja, no Império Romano, os cristãos eram chamados de ateus porque negavam a miríade de deuses que havia no território do Império. O Deus Cristão não é metafísico, mas Deus Encarnado. A transcendência surge na imanência... Ou seja, a Fé Cristã traz em seu bojo uma afirmação materialista: Deus se tornou matéria na História! “… e o Logos/Verbo/Palavra Criadora se fez Carne e habitou entre nós” (João 1.14).

Cristãos não creem em deuses que "cuidam" das forças naturais e precisam ser agradados o tempo todo... O Deus Cristão não é como uma criança mimada, ou um adulto inseguro, que precisa receber agrados permanentemente para não ficar “nervoso” e dar “piti”! Um recente filme completamente sem fundamento bíblico, seguindo a onda de desmoralizar a Fé Bíblica, apresentou Moisés se relacionando com um deus-menino nervosinho e egocêntrico, uma péssima leitura do Deus que se manifesta no Antigo Testamento. Mas, reconheço, que infelizmente, a Igreja ajudou em muito a acontecer tal redução, por ignorância teimosa e postura dogmática.

O Deus Cristão não precisa ser movido por sacrifícios e agradinhos... O Deus Cristão se manifesta e atua através da Graça, não como retribuição, mas como iniciativa amorosa. Tentar entender o Deus Cristão pelos critérios cartesianos de análise é como querer explicar a Lua enquanto objeto astronômico para a sua namorada em noite de luar, no jardim, ao som de música: não tem graça, nem apelo, e ela vai achar você um idiota completo, um babaca nada romântico…

O Deus Cristão só pode ser entendido e experimentado pela Fé. Ele é como poesia: para falar-se d’Ele, usa-se palavras, mas dando a elas um significado além do dicionário, porque fala-se do que se percebe!

Já tentou explicar a alguém o que é dor? ou o sabor da laranja? ou explicar o que é vermelho a um cego de nascença? É a mesma coisa falar da Fé a quem não se abre para uma realidade além da realidade cognitiva. Na verdade, só encontra quem busca… – “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e achareis; batei, e abrir-se-vos-á” (Mateus 7.7)

Não é a Razão que conhece a Fé; é a Fé que dá nova luz à Razão (e Kant que se dane!) A Fé dá sentido à pratica religiosa enquanto prática comunitária, expressando o que se entende além da racionalidade, ação manifesta de solidariedade, identidade e pertença.

Ainda há aqueles que dizem que a maioria das narrativas bíblicas são mitos. São mesmo! E daí? quem reduz o argumento a essa simples frase, não sabe o que é Mito, muito menos entende o que a Bíblia é enquanto literatura. Do jeito que definem o mito, vão acabar afirmando também que a Mecânica Quântica é construída sobre mitos. Como físico, eu até acho que é, mas… e daí?

Ao contrário do que muita gente pensa e apesar das grandes campanhas ateístas, observa-se no mundo o fortalecimento do comportamento religioso. A religião majoritária hoje em dia chama-se Consumismo! O Consumismo se tornou uma ideologia que induz comportamento religioso. Para entender, por exemplo, as “igrejas da prosperidade” é preciso perceber que elas promovem um consumo religioso e adotam técnicas de publicidade indutoras do Consumismo.

Quanto aos ateus, estão, como todo o mundo, diante do abismo em uma noite escura. Não podem dar um passo à frente, nem sabem como retornar. Ao contrário dos que vivem a realidade da Fé Cristã, não ouvem o “rumor de anjos vindo do abismo”, e por isso têm medo de dar o salto definitivo, porque não sabem que serão amparados…

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2 comentários:

  1. Muito obrigado, António, pelo elogio. Gostei do Peregrinos, muito bom, bem editado e de conteúdo que ajuda nossa reflexão! Um abraço, Paz e Bem!

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  2. Um artigo digno de publicação em uma revista teológica. Parabéns, pastor!

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