27 de fev. de 2010

A mosca

Jurisvaldo é uma mosca; ou melhor um mosco, já que é um macho de sua espécie. Um macho novo, não no tempo, uma vez que já viveu sua fase de larva e de pupa e eclodiu há pouco para a última fase da vida. Assim, no conceito de tempo moscal, Jurisvaldo é um ancião; todavia, seu organismo pulsa como o de um adolescente… está na fase reprodutiva e tudo que Jurisvaldo deseja é encontrar uma mosca fêmea para, com ela, dar sua contribuição à continuidade de sua espécie.

Jurisvaldo enxerga o mundo com seus olhos de mosca; não faz nenhum julgamento, nenhuma análise uma vez que não teve outros olhos para ver e, então, comparar.  E ele nem quer saber de analisar nada, de entender nada; ele voa atento em busca da fêmea. Esse é seu dever e a sua natureza.

Então ele a vê, pousada, esfregando as patas traseiras nas asas. Jurisvaldo não a acha feia nem bonita, nem atraente ou gostosa. Ele não tem tais conceitos. Ele só sabe que é uma fêmea, há pouco eclodida da pupa como ele, e deve estar também em busca do macho para a reprodução.

Ele pousa à distância adequada e faz os movimentos certos para atrair a mosquinha. Ele não sabe que movimentos são esses, nem porque os faz, mas sabe que tem de executar essa dança. A mosquinha fica estática, olhando-o com seus olhos de mosca.  E move as asas na forma que deve mover.

De repente Jurisvaldo percebe que ela assume outra postura, fica atenta e sai voando rapidamente. Ele não tem tempo para pensar. Sente um forte vento e de repente está todo molhado. Mas estranhamente, esse molhado lhe deixa tonto, vai perdendo os sentidos, suas pernas estão estranhas, ele cai no vácuo. Jurisvaldo morre! Morre sem completar sua tarefa. Um banho de algo que vem com um vento forte e ele morre.

“_  Pronto, mamãe! Joguei o inseticida mas uma das mosconas azuis fugiu, a outra, morreu!” diz a mocinha de vestido florido.

---

19 de fev. de 2010

O cãozinho preto

Naquela manhã ele levantou diferente. Pela janela viu que seria daqueles dias cinzas, de garoa fina e vento frio. “Nada animador para um sábado!”, pensou e foi ao banho.

Ao sair do quarto, lá estava o Fred – como sempre. Mas, diferente de sempre, o cão estava cabisbaixo, triste, nem moveu o rabo;  inusitadamente, mordeu a ponta de sua calça, como que puxando-o de volta ao quarto. 

_ “Pare com isso, Fred! já chega!”, e moveu a perna com força.  O cãozinho abaixou a cabeça e o seguiu lentamente.

Não havia café pronto. A empregada ainda não chegara. Ele custou a achar o filtro de papel e o coador, e descobriu que não havia fósforos ao lado do fogão; o acendedor elétrico há muito estava quebrado. Voltou à sala em busca do isqueiro. Lembrou-se que os cigarros estavam na mesa do estúdio, e com eles, o isqueiro. Assim, subiu as escadas já com a certeza que seria um péssimo dia. Quando voltou, o cãozinho estava sentado ao pé da escada.

Novamente o cãozinho pegou a ponta da calça! desta vez estava grunhindo.

_ “O que você tem, Fred? deixa de ser chato!” – fez um carinho na cabeça do cãozinho, que ficou choroso e o olhava muito triste.

Pegou o jornal que estava à porta, e foi para a cozinha. Finalmente fez o café, descobriu que não havia leite. “Merda! café puro me dá azia!” – mas tomou assim mesmo, enquanto lia as manchetes do dia. Logo passou aos quadrinhos e às palavras cruzadas, que hoje estavam mais difíceis que o costume, além do que custou a achar uma esferográfica que prestasse. A empregada chegou, desculpando-se pelo atraso devido à chuva, “mas também é sábado, não é costume vir aos sábados, vim porque o senhor pediu”.  Ele agradeceu o esforço da parte dela em vir no sábado.

_ “O senhor viu a fatura do cartão de crédito? chegou ontem pelo correio, deixei sobre o móvel da sala. Também ligaram do banco! aquele cheque… disseram que  o senhor precisa resolver na segunda-feira sem falta!”

A fatura do cartão de crédito… há dois anos que não o usava, havia estourado o limite por causa daquela sirigaita, estavam cobrando juros altos. Tentou negociar duas vezes, não aceitaram. Parou de pagar, que se dane o banco! Aliás, que se dane o mundo! e aquela merda de cheque! tudo porque o Joel não depositou o salario no dia certo, esculhambou todo o fluxo de cheques pré-datados.

Serviu mais uma xícara de café.

_ “O que tem esse cachorro? está choramingando desde que cheguei!” – o comentário da empregada o trouxe de volta, pois sua mente estava distante, lembrando daquela filha-da-puta que o havia enganado e se aproveitado do dinheiro enquanto tinha. “Mas pelo menos era gostosa e boa de cama…”

_ “Não sei, dona Marta! ele está é muito chato hoje! Vou sair, buscar leite, pão e dar uma volta! Se telefonarem, diga que estou viajando, inventa qualquer coisa, não quero falar com ninguém hoje!”

_ “Ninguém vai telefonar hoje! Afinal, é sábado! os bancos não abrem hoje, quase ninguém trabalha hoje! só ligam para cá fazendo cobrança, então hoje ninguém vai ligar. Olha, esqueci, vão cortar o telefone se não pagar até terça! ”

“Foda-se o telefone também”, ele pensou em dizer, mas não disse.

Fred ficou muito agitado quando percebeu que ele iria sair. Latiu forte, segurou de novo a ponta da calça, agitadíssimo!

_ “Não Fred! Não vou levar você, está chovendo! e fica quieto!”

Mas o cãozinho não ficou quieto! Continuou a latir, a pegar na ponta da calça, de tão agitado acabou esbarrando no console do telefone e tudo veio ao chão.

_ “Até parece que ele não quer que o senhor saia!”

Mas ele saiu! Deixou o Fred latindo desesperado, e a empregada arrumando o console e o telefone. A chuva havia aumentado, ele fechou melhor a japona e abriu o guarda chuva. Era uma boa caminhada até a padaria. Um caminhão entrou na rua vindo da esquina à frente.

(…)

O padre encerrou o ofício e disse algumas palavras – jargões de sempre. Afinal, não havia muita gente naquela manhã.  Um acidente estranho, um caminhão desgovernado… a dona Corina disse que havia sido suicídio, que perdeu a cabeça por causa daquela mulher, e outras versões sobre o mesmo tema. “Isso é conversa de velha fofoqueira”. O fato é que quase ninguém foi ao enterro, o vizinho e a empregada perderam quase todo o domingo para liberar o corpo no IML, nem houve um velório decente;  já chovia há dois dias, uma garoa fina, e estava frio. Os coveiros cuidaram logo de tapar a cova e as pessoas saíram rapidamente. O gerente do banco deu a eles uma gorjeta.

Ninguém reparou naquele cãozinho preto que estava atrás de uma lápide. Quando todos saíram, o cãozinho se aproximou, sentou sobre a terra úmida e começou a uivar…

---

18 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (IV)

(conclusão; para melhor entendimento, leia antes as postagens abaixo Educação Teológica e Formação Pastoral I, II e III)
As alternativas para a Igreja
Diante do quadro e das reflexões apresentadas nas três postagens anteriores, resta agora analisar as várias alternativas que, ao meu entender, são oferecidas à Igreja para definir o projeto de formação pastoral sem abrir mão da educação teológica de qualidade, e garantir que o clero futuro (nas três Ordens do Sagrado Ministério) tenha a competência necessária para apoiar e fortalecer as comunidades na Missão, cujos desafios são cada vez mais complexos.
Aqui vou dedicar minha reflexão particularmente à Igreja que eu amo e da qual faço parte, a Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB). Peço a compreensão dos leitores e leitoras membros de outras Igrejas, na esperança que, de alguma forma, estas reflexões sejam úteis também para elas. 
A IEAB precisa definir e adotar, com urgência,  uma nova política para a formação e capacitação do seu clero, incluindo ai a revisão dos critérios canônicos para as Ordenações e, principalmente, o reconhecimento de Ordens e recepção de clérigos advindos de outras confissões.

15 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (III)

[continuação – veja antes as postagens abaixo Educação Teológica e Formação Pastoral (I) e (II)]
O Clero: pessoas chamadas e separadas para servir à e na Igreja
Como disse no texto anterior (Educação Teológica e Formação Pastoral II – vide abaixo), quero agora prosseguir dentro da perspectiva da minha identidade confessional, ou seja, enquanto episcopal-anglicano, falando com o olhar para a minha Igreja no Brasil, a Tradição por ela herdada e recebida, sua doutrina e rito.  Espero que, de alguma forma, os que estejam lendo mas têm outra identidade denominacional, procurem fazer as equivalências possíveis para refletirem sobre a sua própria comunidade confessional e tradição.
Na tradição episcopal-anglicana, o título “Pastor” é atribuído ao Bispo; as pessoas que pastoreiam as comunidades o fazem na comunhão com seu Bispo (ou Bispa) e são chamadas de Presbíteros(as).  Nesse sentido, o anglicanismo e o episcopalismo seguem a tradição Patrística, focando no Episcopado a totalidade e a unidade da Igreja.

10 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (II)

(Continuação - sugiro que você leia antes o texto Educação Teológica e Formação Pastoral (I), postado mais  abaixo)
Que tipo de teologia está formando o clero do futuro?
Essa reflexão é importante para o contexto evangélico brasileiro; tenho visto, inclusive nas faculdades mais renomadas, estudantes que fazem a separação entre sua formação teológica e a sua vocação, quase exclusivamente entre os estudantes evangélicos e protestantes.
Várias vezes, conversando com estudantes de teologia que se destinam ao pastorado, ouvi coisas assim: “Eu estudo teologia porque a Igreja exige, para me ordenar! mas depois eu só preciso dos 66 livros da Bíblia e do Espírito Santo”. Também me surpreende muito existirem entre os estudantes de teologia, aberrações conceituais como “teologia da prosperidade”, “crescimento numérico da Igreja por qualquer meio” e “fundamentalismos cruéis” (vi em muitos carros parados nos estacionamentos das faculdades aquele famoso decalque: “em caso de arrebatamento, este carro ficará desgovernado”), além, é claro, do pensamento fascista de excluir ou querer “converter” o diferente.
Além de blasfemo e herético, este estado de coisas me preocupa muito, pois temo pelo futuro das Igrejas no Brasil.  Temo que o futuro das Igrejas seja a multidão de consumidores de um sagrado adaptado às massas, cristianismo sem conversão, sem adesão à Pessoa de Jesus Cristo; um protestantismo – generalizado como “povo evangélico” – decadente, que nega sua própria origem, e faz da religiosidade popular manipulada a superstição disfarçada de doutrina e consolo. Não seria isso a forma contemporânea da venda de indulgências e de lugares no “céu”?
Ou seja, há uma diferença entre o conteúdo dos estudos,  a compreensão da vocação e o significado de missão.

Educação Teológica e Formação Pastoral (II)

(Continuação - sugiro que você leia antes o texto Educação Teológica e Formação Pastoral (I), postado mais  abaixo)
Que tipo de teologia está formando o clero do futuro?
Essa reflexão é importante para o contexto evangélico brasileiro; tenho visto, inclusive nas faculdades mais renomadas, estudantes que fazem a separação entre sua formação teológica e a sua vocação, quase exclusivamente entre os estudantes evangélicos e protestantes.
Várias vezes, conversando com estudantes de teologia que se destinam ao pastorado, ouvi coisas assim: “Eu estudo teologia porque a Igreja exige, para me ordenar! mas depois eu só preciso dos 66 livros da Bíblia e do Espírito Santo”. Também me surpreende muito existirem entre os estudantes de teologia, aberrações conceituais como “teologia da prosperidade”, “crescimento numérico da Igreja por qualquer meio” e “fundamentalismos cruéis” (vi em muitos carros parados nos estacionamentos das faculdades aquele famoso decalque: “em caso de arrebatamento, este carro ficará desgovernado”), além, é claro, do pensamento fascista de excluir ou querer “converter” o diferente.
Além de blasfemo e herético, este estado de coisas me preocupa muito, pois temo pelo futuro das Igrejas no Brasil.  Temo que o futuro das Igrejas seja a multidão de consumidores de um sagrado adaptado às massas, cristianismo sem conversão, sem adesão à Pessoa de Jesus Cristo; um protestantismo – generalizado como “povo evangélico” – decadente, que nega sua própria origem, e faz da religiosidade popular manipulada a superstição disfarçada de doutrina e consolo. Não seria isso a forma contemporânea da venda de indulgências e de lugares no “céu”?
Ou seja, há uma diferença entre o conteúdo dos estudos,  a compreensão da vocação e o significado de missão.

8 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (I)

Introdução
Durante muito tempo, quando fui seminarista por exemplo, estas duas expressões eram sinônimas. Afinal, o Seminário era a “escola de profetas” ou seja, preparava-nos para sermos pregadores da Palavra e pastores do Povo de Deus. Por maior ou menor que fosse o nível acadêmico, a formação era centrada no pastorado.
Haviam exceções, por exemplo, algumas instituições de ensino teológico fortemente influenciadas (e patrocinadas) pelas igrejas protestantes do norte europeu. Que eu me recordo, só a Escola dos luteranos (sinodais) em São Leopoldo era realmente uma academia teológica e não um seminário, mas posso estar equivocado. Também me parece que o ISEDET (uma instituição interdenominacional), em Buenos Aires, tinha esse caráter quase exclusivamente acadêmico. Naquele tempo, as distâncias geográficas eram realmente distâncias e as possibilidades de contato eram raras e caras.

5 de fev. de 2010

Conversando com Deus sobre a Vocação


Senhor, estou aqui diante de Ti porque, enfim, não tenho mesmo com quem falar sem ser interrompido com análises, comentários, interpretações, justificativas e, até mesmo, observações cínicas. Afinal, sou um ser humano e Tu és o Criador; Tu me conheces melhor que eu mesmo, então não vais ficar fazendo especulações ou interpretações com base nos modismos e tendências interpretativas do coração e da mente humana. Posso falar livremente, sem preocupar-me com hermenêuticas, porque Tu já sabes mesmo do que se trata antes de eu dizer-Te. Na verdade, falar-Te é importante para mim, não para Ti que, pacientemente,  vais ouvir-me e até dizer-me o que dizer quando eu perder as palavras.
Quero deixar claro, Senhor, que me dirijo a Ti como o Pai; não é ao Filho, nem à “Espirita Santa” (eu não consigo pensar que Tu – ou Vós – só tenha atributos masculinos… ficaria complicado entender aquele papo do Gênesis “…macho e fêmea os criou, à Sua imagem, conforme à Sua semelhança, os criou …” – é algo assim! pelo menos para Ti não preciso ficar colocando as referências bíblicas).
Então, estou falando contigo, Pai!  mas às vezes posso me confundir e dirigir-me ao Filho, ou à Mãe… (essa Tua Unidade Trinitária é uma coisa complicada, que nem mesmo os Padres do Oriente e do Ocidente – que bolaram esse conceito – conseguiram entender, por mais neurônios que queimassem!)
Mas como Tu és tudo e o Todo, ao mesmo tempo és os Três e e também és cada Um, então acho que não vais Te confundir com meus enganos… Para evitar confusões, Te tratarei por Senhor (com o devido respeito pela Senhora) e fica por Tua (ou Vossa) conta e risco resolver com Quem estou falando. O papo é longo, talvez Vos tenhais de fazer um rodízio para não cansar, rsrsrs…  Ah! não Te cansas nunca! (e o sétimo dia? Não Te cansas, mas descansas? és baiano? rsrsrs… ooops! desculpe! foi só uma piadinha! Não sabia que Tu és Baiano Honorário! perdão!).
Tudo bem! …  está bem, estou Te enrolando!  É que o assunto é meio chato, aliás, nem sei como começar, por onde começar…  O começo? sim, claro, começar pelo começo! Não sabia que és também dado a chavões, Senhor! Tens senso de humor, não é, Senhor?
Pois bem, acho que o começo é quando Te encontrei … Perdão! Tu Te revelaste a mim. Aliás, já começamos meio na contra-mão, não é, Senhor? Eu andava te procurando com a minha racionalidade e Tu me deste um golpe baixo!  tiraste mesmo um sarro da minha cara, não é? – com aquele rapaz cego que testemunhou ter visto o Cristo  no momento em que eu falava sobre técnicas de estudo, naquele encontro de jovens (eles até pensavam que eu acreditava em Ti, mas eu já estava  desistindo de Te procurar – e o cego Te viu!!!  puta-que-pariu! é muito para qualquer racionalidade!).
Sim, é verdade, eu Te desafiei… mas acho que já resolvemos isso, não é? são águas passadas (ah! para Ti não passa; é tudo “já agora e ainda não”!). Ok!  faço de conta que entendo e vamos em frente, como dizem lá em Portugal, aliás onde se come um bom bacalhau … sim, Senhor, concordo que o bacalhau foi uma boa ideia que o Senhor teve, mas se não fossem os portugueses, com suas mais de mil receitas de preparo do dito cujo, não sei não…
Pois é, já passaram  40 anos desde o nosso primeiro encontro… Ah sim, Tu és Eterno! Tudo bem, mas eu não sou! Sou carne e preciso dos números para me localizar no tempo e no espaço… Ah! claro, para Ti, passado e futuro são coisas presentes! Tu és o que és! Acho que Tu te darias bem com a Física Quântica … Hummm! é imperfeita? mas quase chega lá, não é?
Então, a partir daquele dia, a minha vida entrou em reboliço. Até parecia que eu estava sendo domado por Ti, como se eu fosse um cavalo bravo e xucro ...  Ah! é? ainda sou? está bem, não vou discutir isso de novo contigo! Tu ganhas sempre!
Eu estava na minha, curtindo Te buscar pela racionalidade, pela objetividade, e já estava quase convencido que Tu não passavas de um consolo para quem não sabe lidar com a Racionalidade!  Mas aí,  Tu me apareces totalmente subjetivo! Eu falo de estudo e o cego Te vê?!?!  Pô! foi sacanagem da Tua parte, Senhor. Isso não se faz com um rapaz de 19 anos, fã de Einstein e metido a futuro cientista.
Pois é, esse é um dos problemas: sempre que eu estou chegando, sempre que estou quase lá,  Tu vens e me mostra outro caminho; com isso, eu tive de aprender que o Horizonte nunca chega, sempre anda à frente … Ah! é! ainda não aprendi … rsrsrs .
Não bastava eu ser convertido, assumido liderança entre os jovens do Movimento Encontrista, seguir minha carreira científica e dar um bom testemunho? Não! Tu vieste e colocaste no meu coração, e depois no meu entendimento, que eu teria de ser um servo! Tu me querias para servir-Te no serviço às pessoas em Teu nome! Perdão, em nome do Teu Filho! (olha, Senhor, na próxima vez, me faz nascer mulçumano ou judeu… essa Tua Regra de Três é muito enrolada! … ah! …  não tem próxima vez  …  sou cristão e não tem volta?! Tens razão! Falar árabe é complicado! e hebreu também!).
E assim, lá fui eu estudar tudo ao mesmo tempo: Ciência, Filosofia e Teologia. E ainda tive de enfrentar aquele lance de descobrir em que parte do Teu rebanho eu me encaixo. … Eu sei! eu sei! … Foi aquele Teu servo que era frade, virou bispo, arcebispo e morreu cardeal, quem me mostrou o curral a que eu pertenço (aliás, que não é o mesmo que o dele – mas como todos são da Tua  Fazenda, acaba sendo tudo a mesma coisa embora diferente – paradoxos são contigo mesmo, não é Senhor?…  calma! é só uma piadinha de matemático, Mãe!).
Aí, quando eu achava que tudo estava indo bem, veio aquele lance da política, aquela merda toda dos “anos de chumbo”: repressão, perseguição, prisão, tortura… sumiço e morte de amigos e amigas… o pessoal que se equivocou e morreu no Araguaia… amigos assassinados no Chile… Não, não quero lembrar isso! … solidão no meio da multidão (olha ai outro paradoxo!).
Tá! Tá bem! no fim deu tudo certo, mas puta-que-pariu, na hora, era uma barra, um cagaço atrás do outro… Eu sei! eu sei que Tu estavas lá com a gente, mas pô!  Tu tens uma mania chata de fazer de conta que não estás!  A gente não vê que Tu estás, e só depois é que a gente vê que Tu estavas! ….  Ah! é teu jeito? está bem, não vou discutir, mas pô! tem hora que fica muito complicado, a barra fica muito pesada! … ah! sim! eu sei, a Cruz do Teu Filho é muito mais pesada, porque tem o meu peso e mais o de toda a humanidade…
Passou! mas começou outra situação complicada. Fiquei Postulante ao Sagrado Ministério por quase 15 anos! Quinze anos, Senhor! “Recorde Mundial na Comunhão Anglicana”, quiçá na Tua Igreja toda, até hoje ! rsrsrs…  Quando eu perguntava da Ordenação, o Bispo, o Conselho Diocesano, o sei lá o quê da estrutura eclesiástica, criavam burocracias absurdas, ou exigências das mais complicadas. E lá ia eu atrás de novo, e de novo o Horizonte se afastando… Aí, eu desisti de pensar nisso ou de cumprir qualquer outra burocracia. Nós conversamos, eu me lembro, e eu disse que se fosse da Tua Vontade que eu fosse Ordenado, eu seria! Tu darias um jeito. E mandei a burocracia eclesiástica às favas (dei um “fôda-se”  para ela), e parti para a construção da minha carreira profissional.
Ah! é! … teve aquele lance, antes, com o meu querido professor de Teologia Sistemática, e que era meu Pároco na São João. Fui pedir a ele a tal carta de recomendação e ele, na maior cara de pau, se negou a dar-me!!! Fui falar com ele umas dez vezes, enchi o saco dele… até que ele me explicou porque não daria a tal carta (e não deu mesmo!): “Não é contra ti, Caetano! Não tenho nada contra ti! Mas a Igreja não te merece! Alguém como tu vai se dar mal na Igreja!”  - foi o que ele disse e  se negou a dar mais explicações… Sim, eu sei, ele está aí contigo e feliz! …  Fazendo música, é? bem, foste Tu quem deste esse dom para ele …  teologia também? ele gostava muito disso! … certo! ele gosta!
Lembra, Senhor, daquela aventura missionária, em Dourados? Que situação mais irracional  tu usaste para me chamar (ou me mandar?) para lá! Não vem ao caso lembrar os detalhes, é maluquice demais… Mas fui o primeiro Leitor-Leigo autorizado a distribuir o Sacramento Reservado; também provei a solidão, a cultura diferente, o convívio com os Terenas e os Caiuás na Missão Presbiteriana, o enfrentamento com a máfia das drogas, as ameaças de morte… morar seis meses na Capela São Pedro, em um bairro distante do centro, dormir no chão da capela… o choque de minha mãe e de meu irmão, em visita surpresa, ao descobrirem as condições em que eu vivia e decidirem pagar um Hotel/Pensão, para eu morar com um pouco de decência e conforto.
Foi lá Senhor, eu sei, que eu entrei na forja! e Tu malhaste duro, sem piedade! mas, ao mesmo tempo, eu sentia – e muito – a Tua Presença, dando uma coragem que até hoje não compreendo como fui capaz de fazer o que fiz. Foi o ano em que Tu moldaste meu ministério e me preparaste para o exercício do Sacerdócio de Teu Filho.
Mas, a burocracia eclesiástica travou novamente o meu processo, eu estava divorciado… moralismos …  É, eu sei! isso é coisa antiga! até Teu Filho teve de se aborrecer com os moralistas … Mas nós já havíamos tido aquela conversa: se Tu quiseres, eu serei Ordenado com ou sem burocracia e moralismos … Eu não faria mais nada para isso, ficou tudo nas Tuas Mãos! (por falar nisso, Senhor, quantas mãos tens? É tanta gente a colocar tudo nas Tuas Mãos … ah! sim! infinitas! saquei!)
Então, Senhor, anos depois, estava eu muito tranquilo, vivendo em Londrina, Leitor-Leigo na São Lucas,  não pensando mais na tal da Vocação, cuidando da possível carreira acadêmica e científica que estava começando,  fazendo a Pós, já aceito para o Mestrado (com certo estranhamento, pois  a Academia já me parecia um universo fechado, de gente arrogante, embora a Matemática e a Física ainda não estavam totalmente  contaminadas – mas vinham me encher o saco com aquele papo de ciência e religião).
Pois é,  de novo, Tu chegas para tirar meu sossego.  Para variar, me colocando numa saia justa! … Não ri não, Papai!  Fiquei numa saia justa sim!!!
Era o Concílio Diocesano; eu, delegado leigo, Segundo Secretário, sentado à esquerda do Bispo. Estou lá rascunhando a Ata, e já era a sessão final, os tais “Outros Assuntos”. Eis que pede a palavra o meu querido ex-professor de Grego e Hebraico, Arcipreste Emérito;  do alto de sua autoridade moral, se dirige ao Bispo e  pergunta: “Bispo, por que o senhor não ordenou ainda o Prof. Caetano?”  e teceu enormes elogios à minha apavorada pessoa. Sim! apavorada, porque ficou parecendo uma armação minha com ele…  Ficou aquele cheiro de cú queimado no plenário, o Bispo sendo inquerido sobre algo que – naquela altura do meu processo – era assunto pessoal e exclusivo dele. O Bispo deu lá sua explicação, que bastava a tal carta de apresentação por um ou dois presbíteros, eu requerer a minha Ordenação, e submeter-me ao exame médico e psicológico, e ao exame da Junta de Capelães.  Na mesma hora o Arcipreste redigiu e assinou a tal da carta, e vários outros se ofereceram para assinar também.  Pronto! Já queriam marcar minha Ordenação naquele mesmo trimestre. Eu tive de pedir ao Bispo esperar quase um ano, para eu concluir a Pós, e reorganizar minha vida. Pois é, Senhor! eu sei, era a Tua vontade atuando! Mas, caramba, tinha de ser assim, naquela correria toda? tinham passado 15 para 16 anos… e de repente, em três meses, eu receberia o Diaconato.
Lembro, Senhor, da Ordenação! Completei 24 anos em maio passado, jubileu de prata este ano! Cheguei no domingo pela manhã na São Lucas, em Londrina, e o pessoal me chamava Prof. Caetano, senhor Caetano, ou só Caetano. Duas horas depois, todo mundo me tratava com certa reverência e me chamava Rev. Caetano, ou Caetano Sei-Sei, como diziam os mais velhos daquela comunidade, cuja base é a colônia japonesa.  E com direito a vênia!  Até meus colegas de magistério na Universidade, presentes à cerimônia, me tratavam diferente. Na época, Senhor, eu vinha do movimento sindical, havia sido dirigente, estava muito ligado na tal Teologia da Libertação, tentava dizer a todos que eu era o mesmo de antes… demorei  para entender que eu não era mais o que era antes, o povo estava certo.
Lembro da angustia da segunda-feira, já sem a festa e os convidados. Eu olhei para o templo da Paróquia São Lucas e ai caiu a ficha que nunca mais eu entraria lá como Caetano, mas como Rev. Caetano, coadjutor naquela Paróquia, Diácono na Igreja de Deus, servo da Comunidade em Jesus Cristo, sinal do Teu amor para com todas aquelas pessoas e as demais que Tu colocares diante de mim. Por sorte, um Presbítero (hoje Bispo aposentado; na época, Secretário Geral da Igreja),  que participara da cerimônia, ficou mais um dia comigo e me ajudou a refletir quando tive o choque da tomada de consciência que eu já não era mais aquele que eu havia sido até então.
Mais tarde, depois de ordenado Presbítero, eu exercia uma tarefa que ninguém mais na comunidade poderia exercer: eu era, e sou, diante da Igreja reunida, o sinal da Presidência do Teu Filho, aquele que serve a todos na Consagração do Pão e do Vinho.  Sou, como os que são Presbíteros, Sacerdotes, aquele que veste a estola sobre os ombros, representando  a canga – o jugo – do Cristo. Tenho de ser, Senhor, o sinal da Cruz e da Ressurreição para a comunidade que Tu reúnes e entregas a mim na comunhão com meu Bispo e assim, com toda a Tua Igreja.
Pois é, Senhor… o tempo passou … Sei! para Ti não passa! és Quântico! rsrsrs!
Fui Reitor da área do Litoral Sul-Catarinense, atendia as Paróquias de  Cristo Redentor (Araranguá) e Páscoa (Praia Grande), a Missão em Torres, e começamos  a comunidade de Florianópolis.  Conhecia aquela parte da BR-101 como a palma da minha mão.  Quanta coisa, não é Senhor? Quanto eu vibrava com o ministério, com os estudos da Bíblia, com as ações comunitárias, o Clube de Mães, a catequese das crianças (com muitas conversas sobre ciência), a participação cidadã … Ah! obrigado! Tu gostavas também! … obrigado!
Foi o tempo de pastorado, de total entrega nas Tuas Mãos, onde o dinheiro do salário chegava no dia D (até o dia C, o caixa estava zerado, mas ai Tu davas um jeito!), onde, nas emergências de saúde, Tu sempre vinhas com a Tua Santa Providência … Sim! Te sou muito grato por aqueles anos, Senhor.  Os Encontros Momento Novo, a Ordem de São Tiago de Jerusalém … sonhos, encantos, descobertas, e coragem! Novos horizontes! … Sim, muito obrigado mesmo, Senhor!
Mas fui chamado para assumir o Seminário em Porto Alegre, não é Senhor? pois é, eu estava muito feliz no pastorado, mas lá veio Tu de novo… e eu fui parar na burocracia eclesiástica! Voltei a fazer as coisas que fazia alguns anos antes, quando era executivo em empresas ou professor! Só que ganhando muito, mas muito menos! … Sim! sim! não me faltou nada, Tu sempre proveste tudo! Não estou reclamando, só comentando …  Como? que arado? … Ah! aquela palavra do Teu Filho, de não olhar para trás ... Tá bem, tá bem! não comento mais nada!
Era óbvio, não é Senhor? o meu entusiasmo com as possibilidades do Seminário, desenvolver uma academia anglicana para a América do Sul … fora isso que o Primaz pediu quando me chamou para a tarefa!  Mas o que aconteceu? lá veio a burocracia eclesiástica, a política eclesiástica, o desencanto e … chutei o pau da barraca! Fôda-se! … Não, não é para Ti que eu digo, mas para aquela burocracia eclesiástica… aquela politicagem nojenta… Ah! Tu dizes o mesmo?! pôxa! concordamos uma vez, pelo menos!
Pois é! mas assim eu pude voltar ao ministério paroquial. … Sim, e foi uma coisa atrás da outra! De novo em Santa Catarina, depois em Portugal, depois Brasília e então… putz! então o CLAI … Pois é, Senhor, sempre encantos e desencantos! meus últimos 20 anos… encantos e desencantos! quando estou chegando, Tu mudas o caminho… sempre, sempre tendo de descobrir a Tua Santa Vontade!
O que eu queria dizer Senhor, nisso tudo, para acabar com esse papo longo porque tenho de almoçar, é que sempre que eu achava que estava tudo bem, que estava vivendo a minha vocação,  fazendo aquilo que sei fazer e faço bem! … obrigado! concordamos de novo! … rsrsrs!  Então, quando penso que o horizonte se abriu …  Não, não é que fecha, mas parece que ele se afasta, tudo muda de repente!  e eu volto a ficar na dependência de entender a Tua Vontade!
Está bem! … sei que me amas, Senhor! não duvido! … mas não é fácil viver sempre diante dessa questão: qual a Tua Vontade? … Eu sei! Tu nunca disseste que seria fácil! Mas…
Outra hora o Senhor me explica isso direitinho. Agora tenho de ir almoçar! Muito obrigado, Senhor pela tua Santa Paciência! Em nome de Jesus, Amém!

===