8 de fev. de 2010

Educação Teológica e Formação Pastoral (I)

Introdução
Durante muito tempo, quando fui seminarista por exemplo, estas duas expressões eram sinônimas. Afinal, o Seminário era a “escola de profetas” ou seja, preparava-nos para sermos pregadores da Palavra e pastores do Povo de Deus. Por maior ou menor que fosse o nível acadêmico, a formação era centrada no pastorado.
Haviam exceções, por exemplo, algumas instituições de ensino teológico fortemente influenciadas (e patrocinadas) pelas igrejas protestantes do norte europeu. Que eu me recordo, só a Escola dos luteranos (sinodais) em São Leopoldo era realmente uma academia teológica e não um seminário, mas posso estar equivocado. Também me parece que o ISEDET (uma instituição interdenominacional), em Buenos Aires, tinha esse caráter quase exclusivamente acadêmico. Naquele tempo, as distâncias geográficas eram realmente distâncias e as possibilidades de contato eram raras e caras.

Na Europa e, por extensão, nos Estados Unidos, as academias teológicas são parte do contexto universitário, onde a Teologia é trabalhada  de acordo com os critérios acadêmicos de fazer ciência e produzir conhecimento (não vou discutir se Teologia é ciência! estou apenas registrando um fato).  Quero dizer que, na Tradição do antigo ocidente, a Teologia  - desde a Idade Média – é enquadrada como carreira acadêmica, enquanto aqui era - quase exclusivamente - parte da carreira eclesiástica.  Uma coisa, porém, não exclui a outra, mas isso não é o assunto.
Não posso avaliar como é feita a formação pastoral na Europa ou nos Estados Unidos, como era e como é hoje; não tenho dados suficientes para uma análise responsável.  Mas posso refletir sobre a realidade presente no Brasil, a partir da minha experiência enquanto estudante de teologia brasileiro nos anos ‘70 do século passado, e como professor nos dias de hoje.
A Educação Teológica da minha geração
Na maioria das igrejas cristãs brasileiras, o seminário era a Igreja formando seu clero, seu corpo pastoral.  A Teologia, bem trabalhada e de muita exigência, era ferramenta básica para iluminar o fundamento da vocação, a qual provinha da experiência de fé e da vida eclesial  do estudante (seminarista).  A Teologia, enquanto conhecimento acadêmico, não era o objetivo principal dos seminários, mas sim como instrumental indispensável para o exercício do pastorado.  Em alguns seminários protestantes, nem todos os estudantes destinavam-se ao ministério ordenado. Sempre havia, aqui e ali, aqueles que - pretendendo manter-se no estado laico - buscavam o conhecimento teológico para melhor desenvolver seu ministério (por exemplo, catequese, ensino, etc...), mas nem por isso deixavam de receber a mesma formação voltada ao pastorado.
O fato é que, naquele tempo e até há poucos anos atrás, o curso de Teologia não existia formalmente no sistema educacional brasileiro. Era considerado assunto das igrejas e não havia nenhuma intervenção do Estado nas definições curriculares, sistema de ensino, etc.... Era exclusivamente do âmbito de cada Igreja definir a formação do seu clero.
Assim sendo, os seminários eram mais que academias. Além do estudo sério e profundo das diferentes áreas teológicas, da leitura dos teólogos contemporâneos, da reflexão a partir das novas linhas teológicas que vinham surgindo desde o pós-guerra, e das Ciências Humanas que completavam o currículo escolar, a vida do seminarista era envolvida por outras atividades essenciais para o desenvolvimento de sua vocação específica.
Havia, por exemplo, a formação básica em Música, porque esperava-se dos pastores serem capazes de usar o hinário mesmo quando a congregação não tivesse um grupo de música.
Mas quero chamar a atenção para as muitas atividades extra-curriculares. Cada seminarista devia estar envolvido na vida de uma comunidade eclesial, como um estágio; mas não exatamente um estágio, mas um serviço. Os dias de retiro, pelo menos a cada semestre, forçavam a reflexão sobre a relação com Deus, a obediência a Deus, o desenvolvimento da espiritualidade e piedade pessoal. A vida comunitária (mesmo quando os alunos não eram internos) era estimulada e assim se desenvolvia a capacidade de ouvir e de dialogar, de exercer a misericórdia, de perdoar, de conviver dentro de uma regra de disciplina, e a prática da solidariedade.
A presença de um Capelão, um clérigo, docente ou não, era fundamental para acompanhar pastoralmente cada estudante e também o corpo docente. O seminário era mais que uma escola; era, sim, uma comunidade de convívio, partilha, reflexão e oração. Afinal, um seminário formava pregadores da Palavra e pastores para o Povo de Deus, não intelectuais para a comunidade acadêmica (embora alguns até faziam ou fizeram sucesso lá!).
Obviamente estou falando em termos ideais e - por que não? - com saudosismo. É claro que haviam as intrigas, as brigas, as deficiências, os egos docentes e discentes, as deficiências curriculares … afinal, esse é o preço do convívio humano; sem falar da repressão pelas cúpulas eclesiásticas comprometidas com a ditadura militar. Mas que fique claro que  todo o contexto do seminário visava formar pastores, pessoas chamadas para uma vocação muito específica: denunciar o pecado do mundo, anunciar a Palavra da Salvação, congregar e nutrir o Povo de Deus. Os seminários eram Escolas de Profetas.
A Educação Teológica Hoje
Não caberia aqui a história de como se deu esse processo, mas o fato é que hoje a Teologia está enquadrada no sistema de ensino superior no Brasil. Curiosamente, muito mais no contexto de escola isoladas ou centros universitários particulares do que nas instituições públicas de ensino superior.
Assim, hoje o estudante de Teologia não tem mais aquela identidade de seminarista, e muitas vezes não é visto como tal pela sua Igreja. É um universitário como qualquer outro, embora a maioria deles não tenha muita clareza para que serve o diploma de Teologia, além de trabalhar na Igreja.
Muitas Igrejas, especialmente no contexto do Mundo Evangélico, querendo garantir certa seriedade ao seu clero, exige a formação teológica universitária para seus pastores.
As Igrejas caíram na mesma falácia do mercado com o diploma universitário: é preciso ter diploma de curso superior para bons empregos. Assim, uma multidão começou a ingressar nos cursos universitários para conseguir o diploma e não o conhecimento. Isso levou à avacalhação do diploma de curso superior, e o mercado começou a exigir MBA’s, cursos de pós-graduação, e até mestrados. E hoje a gente vê a mesma esculhambação nas pós-graduações: todo mundo quer o papel, não o conhecimento. E como as escolas particulares dependem de clientela… bem esse é outro assunto!
Como o mercado religioso está em expansão no Brasil, as escolas de teologia ficaram cheias de alunos, visando “trabalhar” na Igreja, ou seja, negociar o Sagrado enquanto produto de consumo. Não se fala em vocação, não se fala em pastoral.  Não afirmo que não existam vocações, ou que se descuidou da pastoral, mas as escolas de teologia, em sua maioria, são como qualquer outra escola: aulas, avaliações, trabalhos e o objetivo final é o diploma.
Uma coisa tenho para mim: enquanto conhecimento, a Teologia é um discurso que não pressupõe a fé. Sim, sou pietista! Assim como eu não preciso ter um contato ou uma experiência pessoal com o méson-pi-zero para estudá-lo enquanto objeto das equações da física quântica, não preciso ter uma experiência de fé para tratar de temas teológicos enquanto conhecimento. Afinal, é um exercício da Razão, que tem seu método e forma.
Há faculdades de Teologia de excelente nível, assim como há faculdades de Direito ou de Educação Física de excelente nível. Mas também há muita faculdade de Teologia, como de Direito ou de Educação Física que é pura picaretagem, apesar dos “meticulosos controles” do Ministério da Educação. Da mesma forma, existem Igrejas e as "lojas de bênçãos”.
A pergunta que fica girando na minha cabeça, no convívio com estudantes de teologia, desde que eu era Secretário Regional do CLAI, e hoje no magistério, é a seguinte: onde está a vocação? onde está a consciência do Chamado?  onde está a piedade pessoal? onde está a preocupação em se estudar um Bultmann ou um Barth para além das avaliações escolares, mas para a formação na comunidade eclesial?
Onde estão as perguntas que meus professores no seminário faziam, não nas provas mas nas conversas e nos encontros de reflexão, traduzindo a nossa angústia porque tínhamos  - de certa forma – a consciência do Chamado: “como você falaria disso para a sua congregação?” e “O que significa essa visão teológica para o cristão contemporâneo?” ou ainda “Como isso poderá fortalecer a fé, a esperança e a vida pessoal do seu eclesiano?”
Fiz várias vezes essas perguntas aos meus alunos em Vitória durante o ano passado. A maioria deles respondia assim: “Professor, se eu disser isso na Igreja, serei colocado para fora! não posso dizer isso na Igreja, então guardo para mim” , ou então, “Professor, isso aí não enche igreja, é tudo bobagem! a gente estuda  porque tem de estudar, mas não tem nada a ver!
Chegaram as Faculdades de Teologia, mas as Escolas de Profetas quase não existem mais. Hoje temos diplomados, bacharéis, mestres e doutores em Teologia, com títulos brasileiros; mas onde está a profecia? onde está o cuidado pastoral?
(continua)
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Um comentário:

  1. Olá Caetano,
    essa é uma preocupação sensata e legitima. Onde estão os pastores? Sempre é bom termos teólogos que são pastores, mas é essencial que os pastores sejam teólogos. Me preocupa o fato de termos muitos teologos e poucos pastores. Se Deus me permitir quero ser os dois.
    Grande Blog,
    Abração!
    Gustavo Abadie
    Porto Alegre - RS

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