4 de jul. de 2019

Traduções da Bíblia e Ética Cristã

Em muitas partes do Novo Testamento, os cristãos e cristãs são estimulados a viverem de forma diferente em relação aos incrédulos, e também em relação aos judeus, especialmente nas Cartas de Paulo. Infelizmente, costuma-se dar atenção apenas aos versículos que se referem à sexualidade, com uma interpretação limitada e repressora, como se o Apóstolo fosse um inimigo da sexualidade e da feminilidade.

Dentro de sua cultura, ele, de fato, tinha lá seus problemas e limitações, mas a mensagem que o Apóstolo deixa, a qual aceitamos como Palavra de Deus, vai muito além de uma coleção de regras do tipo “isso pode, aquilo não pode”.

Quero fazer com você um exercício antes de prosseguir o assunto. Tente traduzir para o inglês a seguinte frase: “No alto da coxilha, índio velho, montado em seu baio, contempla a estância onde está sua prenda.”

O tradutor do Google traduz assim: “At the top of the cross, old Indian, mounted on his bay, contemplate the resort where your gift is”, o que, revertido para o português, pelo próprio Google, resulta no seguinte: "No topo da cruz, índio velho, montado em sua baía, contempla o ‘resort’ onde está o teu presente". Como o Google é esperto, ele propõe uma alternativa que é: “At the top of coxilha, old Indian, astride his bay, includes the resort where is your gift”, e revertido para o português resulta:  "No topo da coxilha, velho índio montado em sua baía, inclui o ‘resort’ onde está o teu presente”.

Mais inteligente que muitos “pregadores” do Evangelho, o Google pede para você melhorar a tradução proposta, ou seja, não é um literalista.  (se vc for testar, pode ser que ele acerte: fiz a correção on line! rsrsrsrsrs)

Será que você consegue traduzir para o português mais comum? e para o inglês? Você precisa conhecer o vocabulário regional gaúcho. Só assim, você poderá verter para o inglês, desde que você também conheça a cultura e a linguagem norte-americana ou a inglesa, ou a australiana, etc. (não é tudo igual, não!).

Dependendo para quem seja a tradução, talvez ela seja diferente. No português mais comum, essa frase significa: “No alto da colina, o sujeito, montado em seu cavalo, contempla a fazenda onde vive sua namorada”. Agora o Google não vai errar; com uma pequena correção, ele traduz: "Up on the hill, a man on horseback, contemplates the farm where his girlfriend lives", que retraduzindo fica: “No alto da colina, um homem a cavalo, contempla a fazenda onde vive sua namorada.”

Em Lisboa, ouvi a seguinte frase: “Manoel, de facto, gosta de fatos mas, cá em casa, veste fato de dormir”. Você consegue colocar isso em português brasileiro? Seria assim: “Manoel, de fato, gosta de ternos mas, aqui em casa, fica de pijamas.”

Eu quero que você compreenda que fazer a tradução de uma língua para outra (ou mesmo para a mesma língua falada em regiões diferentes) não é algo tão simples. Há dialetos locais, regionalismos, expressões populares que, traduzidas ao pé da letra (at the foot of the letter ???), não fazem sentido algum em outra língua. 

Por isso, o bom tradutor faz uma versão e não uma tradução literal, pois adapta a linguagem ao contexto cultural do destinatário da tradução, sua época, sua cultura, e busca expressões que signifiquem, na tradução, o que o texto original diz.

Em outras palavras, uma tradução, ou melhor dizendo, uma versão, depende da interpretação do tradutor e seu conhecimento antropológico das culturas envolvidas, pois traduzir textos é, também, traduzir culturas.

Os textos bíblicos originalmente foram escritos em várias línguas, muito diferentes das línguas modernas, especialmente em sua estrutura gramatical: hebraico antigo, grego koiné, aramaico e em alguns casos, siríaco. Além disso, o que temos disponível como originais são coletâneas de cópias manuscritas, muitas vezes diferentes entre si. Digo diferentes em sua estrutura, em sua gramática e sintaxe, em palavras e significados de palavras que variam conforme o tempo, conforme a cultura. 

A fim de garantir fidelidade ao texto recebido, a tradução da Bíblia é revisada de tempos em tempos, sempre por equipes de pessoas cristãs, especialistas em diferentes áreas de conhecimento, para adequar a linguagem ao tempo presente. Mesmo assim, são várias versões diferentes, várias edições diferentes, dependendo da editora e sua postura teológica.

A grande maioria das traduções (versões) que se costuma usar nas Igrejas do Brasil são tendenciosas, fortemente marcadas pelo preconceito e sem considerar o contexto histórico do texto, mas olhando o passado a partir de valores positivos ou negativos do tempo em que acontece a tradução. Hoje, novas versões procuram trazer o texto mais perto de nossa realidade cultural e histórica, sem violentar as culturas onde o texto foi gerado, graças ao aprimoramento das técnicas de exegese.

Por isso, é muito importante que as comunidades de fé mantenham a prática de realizar estudos bíblicos, com a participação de pessoas que conhecem o texto e suas variações dos originais (pastores e pastoras bem formados, conhecem!). E, no estudo, olhar com honestidade o texto e seu contexto, para, a partir dai, fazer a releitura dentro do contexto presente. Assim a Palavra se revela!

Quem faz a leitura literalista da Bíblia, ao invés de buscar na Palavra de Deus uma mensagem para a vida hoje, preserva preconceitos moralistas do presente (ou do passado), manipulando a Palavra de Deus, e trazendo contradições conceituais absurdas, as quais parece não perceber ou, de má fé, força uma interpretação.

Um exemplo claro é, por exemplo, a interpretação inconsistente que muitos fazem do livro de Levíticos, onde o literalismo oportunista comete contradições descaradas quanto à “obediência da Lei”. Basta ler Levíticos e verifica-se que grande parte dele não é ensinado pelos literalistas, exceto o que se refere à sexualidade e algumas relações entre as pessoas. O resto é considerado “costumes dos judeus”, “situações que eram necessárias na vida no deserto”, e outras babaquices.. Os fariseus do tempo de Jesus eram, realmente, mais honestos, pois procuravam seguir tudo à risca.

Com essa rigidez moral, “fundamentada nas Escrituras”, perde-se o cerne da mensagem ética contida nos escritos, qual seja, a proposta de uma postura crítica diante de si mesmo e da sociedade, a partir do Amor de Deus.

É isto que torna o povo cristão distinto dos demais, não como povo superior, mas como povo obediente, que pertence a Deus, e se oferece ao mundo como anunciador da Boa Nova: Deus é justo, misericordioso e se revela como Ser Amoroso em Jesus, o Cristo, Seu Filho, o Qual fez o único, completo, perfeito e suficiente sacrifício pelo pecado de todo o mundo e nos convida a uma nova vida, a partir dos valores do Reino de Deus.

Este é um bom resumo da Ética cristã. A Ética que nasce a partir do Evangelho e não de uma moralidade tida como absoluta e moldada por regras de controle e repressão. A ética que propicia a organização da Lei Moral moldada na perspectiva do Amor, que gera partilha, relações saudáveis, vida em comunidade, sinalizando o Reinado de Deus e não em um código de usos e costumes, comportamentos regidos pelo medo da punição. É a Lei da Liberdade, da qual nos fala Tiago (cf. Tiago 1.22-25).

A Ética Cristã não se limita a um código moral, mas resulta do confronto da Palavra de Deus com a realidade do mundo onde estamos inseridos. A Ética de quem ouve e pratica a Palavra de Deus, não em cega obediência, mas como fruto de uma reflexão consciente e um desejo de colocar-se diante de Deus e, a partir daí, adotar atitudes consistentes diante de si mesmo e da sociedade.

A Ética da Liberdade e do Amor é a postura diante do mundo a partir da nossa vivência pessoal com Cristo, praticando a Palavra revelada..
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