A música popular brasileira, no tempo da minha juventude, significou para muita gente o mesmo que o Apocalipse de São João significou (e significa) para as comunidades da Igreja sob dura perseguição do Império de Roma: a afirmação da certeza de um Novo Tempo, de um Novo Mundo no horizonte da História.
A fé cristã era politicamente criminosa
Ao contrário do que muita gente pensa, o Império Romano não perseguiu discípulos e discípulas de Jesus, as pequenas comunidades da Igreja nascente, por razões religiosas, mas por razões políticas. É puro idealismo romântico achar que os mártires foram mártires por causa de sua “religião”; eles morreram por causa da sua fé, que – em certo sentido – ameaçava o poder do Império.e as bases de seu alicerce ideológico.
Lamento se você é daquelas pessoas que pensam que fé e política não se misturam. Lamento mesmo! Porque, goste você ou não, elas se misturam e muito! Especialmente a fé que afirma a Encarnação de Deus na História Humana para criar uma nova humanidade a partir da própria humanidade.
O Império Romano tinha, como um dos alicerces de seu imenso e absoluto poder, o conceito de divindade imperial, ou melhor, do senhorio absoluto do Imperador, a encarnação do Império. Ao Imperador era dado o título exclusivo de “Senhor” (no grego, “Kyrios”) significando que o Imperador é o Senhor Absoluto. Sua autoridade era divina, e muitas vezes eles mesmos se autodenominavam divinos e eram homenageados nos templos de todas as religiões do Império.
Aliás, o Império Romano foi o espaço da liberdade religiosa absoluta, desde que o Imperador fosse considerado o Pontífice Máximo, o Sumo Sacerdote, de todas elas. Nenhum ser humano poderia receber o título de Kyrios a não ser o Imperador, que era “supra-humano”.
Aliás, o Império Romano foi o espaço da liberdade religiosa absoluta, desde que o Imperador fosse considerado o Pontífice Máximo, o Sumo Sacerdote, de todas elas. Nenhum ser humano poderia receber o título de Kyrios a não ser o Imperador, que era “supra-humano”.
Ora, eis que, de repente, um bando de pessoas simples, e até mesmo pessoas importantes da sociedade, começaram a dizer, aqui e ali, que um tal de Jesus – um galileu que fora condenado à morte em Jerusalém, acusado pela liderança judaica de ser inimigo de César – é o Kyrios. Isso não podia ser tolerado! Dai as perseguições que aconteciam em diferentes regiões do Império e as grandes perseguições gerais que aconteceram em todo o território imperial. E, verdade seja dita, muita gente abandonava a fé por causa do medo (não os julguemos! já vi muito “corajoso” se calar diante da injustiça, por medo! e muito “religioso” que não se interessa por política – por burrice ou medo mesmo!).
Os juízes romanos não exigiam que cristãos negassem sua fé, mas que negassem o senhorio de Jesus, o Cristo. Podiam crer da forma que quisessem, desde que respeitassem o poder absoluto do Imperador; ao afirmarem o senhorio (poder maior) de Jesus, cometiam um crime político, pois tal afirmação significava, na lógica do Império, que havia um senhor maior que Cesar.
O Apocalipse como mensagem de esperança
É nesse contexto que surge o Livro da Revelação, que nós conhecemos por Apocalipse (apocalipse é uma palavra grega que significa exatamente revelação). Uma mensagem de esperança que afirma a presença de Deus na História, que Ele não está ausente, mas está comprometido com Seu povo até o fim do tempo. (1)
A esperança em tempos de resistência
Quando o poder da opressão é grande, gera medo e obediência servil, paralisando o pensamento de muita gente. A frase “é melhor obedecer para evitar problemas!” é ouvida nesses tempos, como conselho sábio e prudente.
Mas o Espírito Santo sempre toca em pessoas que não decidem por emoções imediatas, mas ousam refletir sobre a realidade e se indignam diante da opressão e do poder colocado como absoluto por um grupo ou uma elite.
Nesses tempos a resistência se manifesta, geralmente, pela arte: a literatura, a música, e até mesmo artes plásticas. Porque a linguagem da Arte é incompreensível para aqueles que, do alto de suas certezas absolutas, não enxergam nada além de sí mesmos e seus interesses mesquinhos ou os mesquinhos interesses de quem os manipula. Como não compreendem, ou censuram ou consideram “coisa boba”.
Assim, as cópias manuscritas do Livro da Revelação, texto riquíssimo em simbologia e linguagem do Antigo Testamento, circulavam livremente entre as comunidades, sem risco de serem compreendidas pelos “guardiães” do Império. Afinal, pensavam as elites romanas, “é um texto cheio de visões de algum alucinado, nada que possa nos ameaçar!”
No tempo da minha juventude, em meio à minha militância política como cidadão e como cristão, a Arte falava o que não podia ser dito livremente, e os órgãos de segurança eram burros o suficiente para não perceberem a resistência se manifestando. A Música, o Teatro, o Cinema eram portadores das mensagens de esperança e de luta, eram a resistência agindo.
A esperança em tempos de incertezas e medo
Quando pensávamos que os tempos de obscurantismo haviam terminado e não voltariam mais, ei-los de volta. As elites tacanhas encontraram a brecha que procuravam para trazer de volta tudo aquilo que lhes convém: os interesses do grande Capital, a gestão da Educação manipulada para aumentar a ignorância e a burrice ( e a dependência servil), a derrubada dos direitos conquistados pela luta popular, o fechamento do mercado para os mais pobres, o descompromisso do Capital com o Trabalho, e tudo que temos visto neste país (e neste continente) desde os últimos anos.
Espero que a Arte desperte para ser, novamente a voz da resistência. Espero que uma nova geração de artistas independentes se manifeste com a mesma criatividade e inteligência daqueles dos anos '60 e '70 do século passado.
Enquanto isso, vamos nos ajudando a sobrevier com aquelas músicas. Uma delas me agrada muito, e deixo aqui com você, leitor, para animar e fazer renascer a esperança, ‘pra nos socorrer, pra sobreviver’:
Novo Tempo
Vitor Martins / Ivan Lins
Vitor Martins / Ivan Lins
No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos crescidos, estamos atentos, estamos mais vivos
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
Da força mais bruta, da noite que assusta, estamos na luta
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
No novo tempo, apesar dos castigos
De toda fadiga, de toda injustiça, estamos na briga
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
De todos os pecados, de todos enganos, estamos marcados
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
No novo tempo, apesar dos castigos
Estamos em cena, estamos nas ruas, quebrando as algemas
Pra nos socorrer, pra nos socorrer, pra nos socorrer
No novo tempo, apesar dos perigos
A gente se encontra cantando na praça, fazendo pirraça
Pra sobreviver, pra sobreviver, pra sobreviver
Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
Seja sempre um caminho que se deixa de herança
Não perca a esperança, resista de forma inteligente!
Não se deixe levar pela “coxinhagem” que permeia o país; ela está ficando cada vez mais fraca, porque – convenhamos – há coxinhas inteligentes…
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(1) - Se você quer conhecer mais sobre o Livro do Apocalipse, acesse diretamente os estudos em ESTUDOS ÍBLICOS.
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"Pra que nossa esperança seja mais que a vingança
ResponderExcluirSeja sempre um caminho que se deixa de herança"!