13 de nov. de 2011

Sobre o tal Diálogo Inter-religioso

Começo dizendo que não tenho simpatia por isso. Dou vários motivos.

Em primeiro lugar, a existência desse conceito reduz muito o significado real de “Ecumenismo”. É invenção da Igreja de Roma separar “Diálogo Ecumênico” (que seria entre cristãos, ou melhor Igrejas – instituições eclesiásticas) de “Diálogo Inter-religioso” (com instituições religiosas não cristãs).  Friso que é institucional porque na Dogmática Romana, eclesiástico e eclesial são a mesma coisa: todo diálogo é institucional. Para mim, que adotei o Protestantismo após minha conversão a Jesus Cristo, e tomando minha experiência desde a conversão com a convivência entre diferentes, Ecumenismo é algo muito mais abrangente que um diálogo entre meia dúzia de instituições eclesiásticas cristãs. Ecumenismo, que não precisa ter a palavra “diálogo” ao lado, é uma ação que envolve pessoas, não instituições. Pessoas que se reconhecem diferentes em aspectos de cultura e/ou de fé, de visão de mundo, mas que são capazes de – apesar das diferenças e contradições entre elas – realizar ações concretas em favor de uma causa maior que sua própria experiência religiosa: ações em favor da Justiça e da Paz, por exemplo; em favor dos Direitos Humanos (porque antes de ser religioso, eu e você somos seres humanos), e também em favor de causas mais pontuais e específicas, como por exemplo saneamento básico em um bairro, ocupação de uma área rural improdutiva, e por ai vai. Ecumenismo, no meu entender, é uma ação realizada por pessoas de diferentes credos e culturas visando um bem comum maior.

O que tenho visto acontecer sob o título de “Diálogo Inter-religioso” são encontros de pessoas que representam instituições religiosas para conversar sobre amenidades teológicas ou promoverem uma ação de interesse comum não necessariamente de interesse social amplo, mas às vezes é. Por que então, pergunto eu, não pode ser entendido como Diálogo Inter-religioso quando vou jogar xadrez na casa de meu amigo que é mulçumano, e convivemos com respeito e solidariedade mútuas? talvez porque a gente não fala de religião?! às vezes até falamos, mas não compomos uma bombástica declaração conjunta… apenas nos saudamos e nos despedimos com um abraço fraterno expressando o carinho e o cuidado mútuo, frutos da amizade. Essa relação com meu amigo mulçumano não se enquadra como diálogo inter-religioso, mas se encaixa perfeitamente no que entendo como relações ecumênicas.

Em segundo lugar, eu entendo que Diálogo Inter-religioso – se é que isso realmente seja possível - é uma área da Antropologia – quase um estudo de religião comparada, porque religião é muito mais um aspecto cultural que existencial; a fé é existencial, resulta de uma experiência pessoal subjetiva e, portanto, impossível de ser devidamente caracterizada por qualquer critério de racionalidade objetiva… mesmo que tal experiência se dê dentro do contexto de uma determinada religião. Na maioria das vezes o conhecimento aprofundado sobre a religião (escolhida) é um processo que se inicia após a experiência de fé – conversão – seja essa experiência um fato extraordinário ou fruto de um processo de maturação de vivências religiosas.

Em terceiro lugar, é da natureza das religiões promover o proselitismo. Afinal elas se fundamentam em verdades absolutas, geralmente contraditórias umas às outras. Que diálogo pode haver entre verdades que se excluem? vira debate, avança para embate… e – por civilidade - algumas vezes termina no empate da “tolerância”.

Recentemente participei de um grupo de pessoas interessadas em estudar o “Diálogo Inter-religioso”, e coloquei uma questão que praticamente acabou com o assunto (eles cometeram o erro de me chamarem para ser Assessor, achando que eu seria simpático ao tema!). Como todos no grupo se identificaram como cristãos, eu lancei a pergunta: “e se aqui chegasse uma pessoa e se apresentasse assim: sou fulano de tal, e sou satanista! é um prazer estar com vocês! – qual seria a reação de vocês? iriam dialogar com ele, um adorador de Satanás?”. Ficou aquele cheiro de cu queimado no ar… sabemos que o satanismo hoje existe em muitas sociedades urbanas, e talvez essas pessoas até estejam dispostas a cooperar com cristãos e mulçumanos em defesa da liberdade religiosa… como fica isso? rsrsrsrsrs

Essa questão é também complicada para o pessoal adepto do Movimento Ecumênico, como eu!

Deixo a questão no ar… como não sou teólogo acadêmico, nem especialista em nada, não preciso ficar preocupado em ter uma resposta a isso. Minha fé e minha capacidade de reflexão sugerem que numa situação dessa, a única coisa que eu não deveria fazer seria um exorcismo… mas talvez eu desse um sorriso, diria “seja benvindo!” e em seguida, “me desculpe, tenho de sair por causa de um compromisso familiar inadiável”, daria adeus e ia embora… afinal, não saberia o que dialogar com tal pessoa, que aliás, tem todo o direito de ser satanista como eu tenho de ser cristão…

Mas fico aqui pensando se a Mecânica Quântica com seu Princípio da Incerteza e seu Terceiro Incluído não poderia resolver o problema… ainda estou refletindo, por isso, não sei responder – e talvez nunca descubra uma resposta, o que – aliás – seria algo bastante quântico…

===/===

Um comentário:

  1. Caetano, o seu texto é maravilho e extremamente lúcido e elucidativo, além de educativo e pedagógico. Parabéns!

    Não consegui postá-lo em meu blog. Não consegui formatar o texto, ele ficou largo e com apenas oito ou dez centímetros. Metade do texto ficou escondida na margem direita. Partilhei no meu face.
    bjs, Mestre! Paz e Bem!!!

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário.
Ele será submetido à avaliação, e se aprovado, será postado.
Este não é um blog de debates ou discussões, mas de reflexão.