28 de fev. de 2017

Pensamentos Heréticos!?!?

dedo-no-nariz-iiTrês advertências:  a) eu disse HERÉTICOS, não eróticos. Pode ser que você esteja no blogue errado! Se for me mandar para a fogueira, mande pelo motivo certo!  b) se você é daquelas pessoas que não consegue ler um texto maior que meia página, não comece a ler. Ele é muito maior que isso! Mas se você é daquelas que gosta de ler e refletir, mas não tem tempo para isso agora, salve o artigo ou copie seu link temporariamente nos “favoritos do teu navegador” e retorne ao texto quando tiver disponibilidade para ler e refletir. Como sou matemático não confundo síntese com resumo, nem acredito em síntese sem análise.   c) este texto é, essencialmente, parte de um processo de auto crítica a que estou voluntariamente me submetendo há alguns anos. Não pretende ser uma manifestação de oposição (embora será assim interpretado) às instituições eclesiásticas, mas um convite à reflexão, uma partilha do que tenho pensado ultimamente, na esperança de ajudar a encontrar caminhos novos, embora eu saiba, por experiência, que vão arrumar mil justificativas para dizer que não mereço ser levado a sério (não sou doutor em teologia – nenhum dos Doze o era) ou que “quero tomar o poder”... rsrsrsrs! Estas e outras são justificativas dos insensatos que se julgam o máximo, ou melhor, defendem seus interesses pessoais!
Há muito anos, um teólogo conhecido meu disse que “Ortodoxia é a Heresia de quem ganhou!” Eis ai uma grande verdade, se formos olhar cruamente a História Eclesiástica (que muita gente confunde com a História da Igreja).  Portanto, de acordo com o Cálculo de Predicados (para os menos versados em Matemáticas e Linguística, significa simplesmente Lógica), conclui-se que Heresia seria a Ortodoxia caso seus adeptos fossem maioria em alguma Reunião Conciliar (que por ser “conciliar” devia buscar o consenso e não a vontade da maioria, que muitas vezes é burra!). Como quase sempre sou ignorado pela Ortodoxia vigente, me considero um herético teimoso e frustrado.
Bem, este é o primeiro pensamento herético:a Ortodoxia não é absoluta, mas como é Tradição, deve estar em permanente avaliação! .
Com o Imperador Constantino, a Instituição Eclesiástica nasceu de fato e se globaliza; apesar de algumas oposições no Império, foi se fortalecendo a ponto de se auto definir como a Igreja de Cristo! À medida que o Império se esfacelava e decaia, a Instituição Eclesiástica vai assumindo funções que a identificam mais como continuidade do Império do que com o Movimento de Jesus. Tanto no Oriente quanto no Ocidente, a Instituição Eclesiástica foi assumindo a burocracia, o modelo do Direito e a ideologia de poder do Império. E isso continua até nossos dias. Nesse sentido, a Reforma Protestante e outras reformas foram essencialmente reformas da Instituição, (e por isso repetiram os mesmos erros) mas não foram,  necessariamente ou exclusivamente, avanços do Movimento de Jesus. 
É claro que todo movimento se destina a institucionalizar-se ou não sobrevive. Afinal, institucionalização é algo inerente à vida humana que é uma vida em coletividade e não em cavernas isoladas. Basta existirem duas pessoas reunidas para termos uma situação institucional: regras são definidas explicita ou implicitamente, decisões de “consenso” (geralmente não é tão consenso assim, mas…)  são assumidas de forma imediata, quase que de forma inconsciente. Surge a Cultura, que dá significado a estas institucionalizações. A vida em coletividade precisa, assim, de limites e definições de conduta e formas de comunicação, que acabam sendo impostas por quem domina a coletividade. Por isso o poder é erótico! E acaba se tornando pornográfico quando se torna fim em si mesmo![i]
É obvio que o movimento iniciado a partir de Jesus de Nazaré por seus discípulos, teria de se institucionalizar, não havia outra alternativa, até mesmo para preservar sua identidade dentro da diversidade do mundo onde surgiu. Mas institucionalizar-se é um risco muito grande! Necessita constante vigilância! Porque a Instituição é assassina de movimentos. Instituição tem forte senso de auto preservação e aspira pela perpetuidade! Movimento, pelo contrário, é sempre movimento histórico, e abertura para a mudança, superar temores e construir pontes para atravessar precipícios. Instituições se pretendem estáticas, só admitindo mudanças que na verdade não alterem seu “status quo”. “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca”. (Mateus 26:41)
Eu me pergunto se a Igreja de hoje (falo de todas as instituições eclesiásticas, não de uma específica) ainda tem alguma identidade com o Movimento de Jesus, ou seja, se ainda pode ser entendida como a Igreja do Senhor ou Igreja de Deus (Ekklesia tou Kyrius ou Ekklesia tou Theou). Felizmente, eu acredito que sim! apesar de tudo, ainda permanece o Espírito que move o Movimento. Tanto é que a Igreja vive hoje sobre uma enorme pressão de desconfiança, da falta de recursos financeiros, da ausência de membros (e membras, para agradar as feministas) conscientes e testemunhais, da crise de autoridade, e do seu significado no mundo em pleno século XXI. E isso é obra do Espírito Santo! É um anúncio de que alguma coisa saiu errado nessa história… 
Este é o segundo pensamento herético: a crise da Igreja como obra do Espírito Santo![ii]
Sempre é bom lembrar que muitas tentativas de reformar a Igreja aconteceram na História, e muitas delas eram contrárias ao status quo institucional. O Movimento Monástico, por exemplo, foi uma dessas ações de protesto contra a institucionalização. Porém, a força da Instituição (de qualquer instituição) é tão forte que acaba contaminando e cooptando os movimentos de renovação. Hoje, o movimento monástico não é movimento, mas uma instituição a serviço da instituição eclesiástica maior, exceto naquelas “Ordens” que não buscaram nem pretendem buscar seu “reconhecimento” ou legitimação pela instituição eclesiástica (sim elas existem, tanto no Ocidente quanto no Oriente). Movimentos “carismáticos” estão hoje totalmente sob o controle das respectivas instituições eclesiásticas… Movimentos de Renovação e Avivamento idem… em alguns casos, esses movimentos acabaram “tomando o poder” na Instituição e com isso se tornaram tão absolutos quanto era a Instituição tomada.[iii]
Eu desconfio (é cutucar com vara curta dizer “tenho certeza”!) que a maioria das Eclesiologias são, na verdade, doutrinas que buscam justificar as normas institucionais, e garantir sua preservação. Acabam se tornando “doxa”, ou seja, dogma, e assim se tornam absolutas e incontestáveis. Como fazem muitas linhas de pensamento teológico, busca-se nas Escrituras justificativas para a manutenção daquilo que surgiu por necessidade histórica e não por determinação absoluta do Senhor. Tais modelos se consideram identidade institucional e são confundidos com a Tradição construída pelo caminhar do movimento.[iv]
Com isso, está aqui o terceiro pensamento herético: muita coisa da doutrina sobre a Igreja é justificativa ideológica para que as decisões e modelos institucionais se tornem padrões absolutos e perpétuos!
Não sou ingênuo a ponto de propor que joguemos tudo pro alto, fechemos as instituições eclesiásticas e vivamos um “cristianismo anárquico”. Mas eu acredito piamente, e já defendi essa ideia muitas vezes, que temos o dever histórico de mudar os paradigmas que estão orientando a Igreja desde meados do século XVII, o advento da modernidade. A modernidade está morrendo em alta velocidade e, com isso, os paradigmas por ela inspirados têm prazos de validade vencidos, e alguns já venceram há muito tempo!
Não defendo que liquidemos com tudo para criar o novo, até porque não seria novo! “O que foi tornará a ser, o que foi feito se fará novamente; não há nada novo debaixo do sol!(Eclesiastes 1:9). Tenho muito respeito por todas essas coisas pois são construções históricas, têm seu mérito e foram desenvolvidas para atender necessidades específicas do Movimento de Jesus. O que não defendo é que sejam absolutas e definitivas, porque o Espírito Santo não é propriedade de qualquer modelo institucional, e – me parece – nunca foi muito simpático a essas coisas (por isso, um exemplo, Jesus não foi da classe sacerdotal, nem se dava bem com ela).
A Igreja do século XXI carrega uma herança pesadíssima, acumulada pelos os séculos, herança hoje que tem mais valor – digamos – afetivo e sentimental do que uma objetividade útil para a sua Missão (no significado do Evangelho, não dos promotores de planejamentos estratégicos). Herdamos uma estrutura caríssima e sem sentido além da preservação e perpetuação de esquemas de poder e de modelos institucionais como absolutos. O processo histórico institucional fez do Movimento de Jesus uma “religião de massa” ao invés de uma experiência de espiritualidade e comunhão com Deus que constrói comunidades solidárias e de testemunho diante do mundo, pessoas regeneradas pela graça de Deus em Jesus o Cristo.
Muitos recursos humanos, financeiros e de tempo são gastos exclusivamente para a manutenção de uma instituição que – pela sua forma – já não tem sentido no mundo contemporâneo, uma instituição que perdeu o rumo e o conteúdo da mensagem que lhe foi dada a proclamar e que se fechou ao redor do próprio umbigo e da autopreservação, e fica inventando modismos vanguardistas para tentar se mostrar relevante.
Pensando agora a partir da minha denominação, da Igreja onde procuro vivenciar comunitariamente a minha fé e o meu chamado, o episcopalismo (está bem, aceito dizer “anglicanismo”), eu me pergunto se realmente precisamos ser como somos e manter tudo que consideramos como parte de nossa Tradição. Vem ai meu quarto pensamento herético!
Será que precisamos mesmo do Episcopado (êpa!)? ou de um extenso manual de cânones? Ou de um livro de liturgia muitas vezes idolatrado? Ou de tantas instituições internas, departamentos, mantidas a um custo financeiro e de recursos humanos altíssimo? Será que precisamos, realmente, de grande templos, construções de custo caríssimo que se deterioram por falta de recursos para sua manutenção, quando não são irresponsavelmente alienados para “fazer caixa” a fim de manter a instituição por mais um tempo? Será que ainda cabe, ou caberá em futuro próximo, termos um clero de dedicação exclusiva, cuja tarefa acaba se tornando mais burocrática que pastoral?
Duas ideias para aprofundamento da “heresia”:
a) No caso do clero, imagino que algum dia chegaremos à obrigação do clero masculino ou feminino ao celibato, caso seja de dedicação exclusiva, para reduzir custos de manutenção e sustento... ou cairemos na esparrela dos “pastores de sucesso” que vendem bênçãos e sacramentos, sobrevivendo (alguns até muito bem!) a custa de seu carisma personalista.
b) No caso do Episcopado, sou Episcopal, certo? Não vejo uma Igreja Episcopal sem Bispos e Bispas. Mas será que o Episcopado precisa ser um cargo meramente administrativo, cada vez mais gerencial e menos pastoral? Não há outras formas de exercer o Episcopado, até mesmo mais de acordo com nossa visão e sonho utópico de autoridade compartilhada e dispersa? O Episcopado é uma concentração de poder ou uma dimensão maior de serviço? Não há outra forma de administrar a instituição religiosa, aquela que seja realmente relevante, sem oprimir o Episcopado com tal encargo?
c) No caso da estrutura eclesiástica, onde realmente acontece a Missão? Nos escritórios das dioceses ou das províncias? ou, de fato, no cotidiano das comunidades? Como colocar toda a estrutura institucional como infraestrutura para que as comunidades possam realmente executar a Missão? “Quem faz ovelha é ovelha”, disse certa vez um professor do Seminário. Eu completaria: o gerente da fazenda pode até comprar ovelhas, mas fazê-las, não; mas pode criar as condições de crescimento do rebanho de forma natural e garantir boa nutrição, de forma que as ovelhas continuem gerando ovelhas de qualidade. E sempre é preciso que os gerentes se recordem que o Dono da fazenda é um Outro!
Tais “pensamentos heréticos” são apresentados como mais uma contribuição pessoal em uma reflexão que a Igreja vem adiando sempre, e sobre a qual tenho chamado a atenção há quase dez anos!
Como toda a Instituição, a Igreja adora pegar novas ideias para, através de subterfúgios inconscientes (e às vezes conscientes!), incorporar sua forma adequando o conteúdo à manutenção do status quo. Igrejas, ou melhor, Instituições Eclesiásticas, são mestres em transformar o novo na mesmice.
Que o Espírito Santo nos guie apesar das Instituições! Amém!
 

[i] Estou falando em “coletividade”  e não em “sociedade” porque o conceito de sociedade não é muito claro, especialmente nestes tempos onde a individualidade ultrapassa os limites do bom senso e da vivência solidária. As “sociedades” humanas de hoje são, na verdade coletividades, onde as pessoas apenas estão juntas, se aturam e vivem, cada uma, sua vidinha individualista e escrava de si mesma! Falar em comunidade, então, nem pensar! A grande maioria das instituições, sejam eclesiásticas ou não, estão contaminadas pelo individualismo, pela luta pelo poder (efêmero, mas profundamente erótico!) e a lógica de que “os fins justificam os meios”; estão tomadas por moralidades e perderam o senso da Ética.  O coletivo humano hoje é o Império do Mercado, e que se dane o resto, porque tudo que contraria os interesses do Mercado, é heresia e pecado.
[ii] Se de fato acreditamos na Palavra e promessa de Jesus que as “portas do Inferno” não poderão vencer a Igreja de Cristo (cf. Mateus 16.18 – que não se refere a dar poder ao Pedro especificamente – essa foi a interpretação da instituição), então é obvio que o Senhor da Igreja, através do Espírito Santo a estará corrigindo sempre, para defendê-la das tentações que a levariam a sucumbir diante das ”portas do inferno”! A institucionalização absoluta  e a subordinação ao Mercado são duas dessas tentações, porque pretendem enquadrar o próprio Espírito nas normas institucionais e às pressões do Mercado.
[iii] Obviamente não vou citar exemplos, pois temos visto isso acontecer especialmente hoje. Não vou citar nomes nem instituições porque já devo estar irritando muitos “sucessores de Pedro” por ai. Se você não é um bom entendedor, lamento, caro leitor.
[iv] Como já afirmei muitas vezes, Tradição não é algo absoluto, mas um reservatório de práticas e de respostas dadas pelo movimento às situações concretas na história a partir do seu senso de identidade.


























2 comentários:

  1. Nossa! Que alívio! Pensei que fosse a única a ter pensamentos "heréticos" (a minha lista continua...). Excelente!

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  2. O episcopado é uma dimensão de serviço, numa igreja TODA ELA MINISTERIAL. É isso que falta, cada fiel deveria exercer um ministério no serviço ao Povo de Deus. O Bispo deveria sustentar, animar, mobilizar e coordenar todo esse serviço da comunidade, com o apoio dos presbíteros(as) e demais ministros formais. Assim uma eclesialidade anglicana-episcopal faria sentiso, para fugir da pasmaceira e da mesmice.

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