4 de ago. de 2025

SOBRE MISSÃO: 10 - Os Paradigmas Anglicanos

 Esta postagem é sequência das anteriores e faz parte de um texto maior, sobre MISSÃO; cujas partes estão publicadas aqui a partir de  9 de junho de 2025. O texto completo foi dividido em várias pequenas postagens para facilitar a leitura. Sugiro que você leia antes as postagens anteriores (a partir de 9 de junho) para ter a visão completa do conteúdo até o momento.

A Comunhão Anglicana contemporânea tem – pelo menos – três paradigmas que caracterizam sua identidade, o seu ethos, construídos através de sua história.

a)   O Quadrilátero Chicago-Lambeth

O Quadrilátero de Chicago-Lambeth representa o consenso mínimo (e amplo) sobre sua forma de expressar e viver a fé cristã – os pontos básicos de sua forma de crer e viver.  A origem do Quadrilátero é o livro The Church Idea, an Essay Toward Unity (A Ideia da Igreja, um Ensaio em Direção à Unidade, em tradução livre) de William Reed Huntingdon, publicado em 1870. A proposta de Huntingdon foi acolhida pela Convenção Geral da Igreja Episcopal dos EUA (Chicago, 1986) e adotada com modificações pela Conferência de Lambeth (1888).[1]

b)   As Cincos Marcas da Missão

Quanto à Missão da Igreja, há um paradigma aceito unanimemente pelas Igrejas da Comunhão Anglicana, apresentado como As Cinco Marcas da Missão:

“Em 1984, reunido em Badagry, na Nigéria, o Conselho Consultivo Anglicano adotou Quatro Marcas de Missão (a quinta seria adicionada posteriormente). O Relatório Oficial da reunião deixa clara sua origem nos Evangelhos: “O Evangelho segundo São João coloca a Grande Comissão nessas simples palavras; ‘Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio’ (João 20:21), dizia o relatório. Deliberadamente e precisamente Jesus fez de sua missão o modelo de nossa missão ao mundo. Por esse motivo, nossa compreensão da missão da Igreja deve ser deduzida da nossa compreensão do que Jesus considerava ser a sua missão." [2]

As Cinco Marcas são:

1. Proclamar as boas novas do reinado de Deus; 
2. Ensinar, batizar e nutrir os novos crentes;
3. Responder às necessidades humanas com amor;
4. Procurar a transformação das estruturas injustas da sociedade, desafiar toda espécie de violência, e buscar a paz e a reconciliação;
5. Lutar para salvaguardar a integridade da Criação, sustentar e renovar a vida da terra. [3]

As Cinco Marcas orientam as iniciativas missionárias das Igrejas da Comunhão Anglicana em todo mundo e apresentam um conceito amplo de Missão, muito além e distinto daquele que herdamos da Cristandade. De certa forma, essas marcas representam a quebra de paradigmas que estão acontecendo desde meados do século XX, a partir da reflexão teológica diante do desafio imposto pela secularização massiva do ocidente após II Guerra Mundial, seguido pelo neoliberalismo e, recentemente, o retorno da ideologia nazifascista promovido pelas redes sociais.

Todavia, é necessário ter claro algumas coisas sobre as Marcas da Missão. Em primeiro lugar elas não são absolutas e imutáveis, não são dogmas. A prova disso é, por exemplo, a inclusão da frase “desafiar toda espécie de violência, e buscar a paz e a reconciliação” no texto original da quarta marca, pelo Conselho Consultivo, em sua reunião de 2012, realizada em Auckland, Nova Zelândia.

Em segundo lugar, como tudo que se cria nas instâncias consultivas da Comunhão, elas devem ser analisadas e implementadas pelas Igrejas em seus contextos específicos. Não são, portanto, um “Projeto Missionário Mundial”, mas uma proposta ampla de ação que indica caminhos novos e desafios a serem enfrentados.

Todavia, existe sempre o risco das Cinco Marcas se tornarem “credos”, isto é, serem repetidas inconsequentemente, como se o falar nelas significa já realizá-las (ou seja, se tornarem um produto palatável e simpático para o Mercado).

Pior ainda, é o risco de cristalizá-las em um projeto fechado, imposto de cima para baixo, totalmente deslocado das realidades distintas de cada comunidade, uma vez que as comunidades seriam o agente missionário adequado no seu contexto próprio (e não a Instituição burocrática), em fidelidade e obediência às palavras de Jesus “Assim como o Pai me enviou...” (João 20,21).

c)   O Conceito de Autoridade Dispersa e Compartilhada

Um terceiro paradigma que identifica o anglicanismo contemporâneo, é sua perspectiva ideal de autoridade: dispersa e compartilhada; digo ideal porque não é um fato consumado, mas uma proposta e uma busca permanente, um desafio de nadar contra a corrente aos padrões de autoridade normalmente aceitos pelas sociedades ocidentais. O tema, por si só merece um estudo profundo e eu o apresentei em dia de estudos promovido pelo Centro Anglicano de Estudos Teológicos da Diocese Anglicana do Rio de Janeiro, em 2016.[4]

 

São exatamente estes três paradigmas[5] que caracterizam o ethos anglicano que permitem e provocam a esperança de profundas mudanças na Igreja Episcopal em terras brasileiras. Por serem paradigmas, não são dogmas, nos ajudam a repensar a Igreja e sua ação missionária, criando horizontes para a relação dialética entre Instituição e Movimento.

O Quadrilátero de Chicago-Lambeth é tema permanente na Comunhão Anglicana, com centenas de artigos sobre ele, por isso, não vou comentar sobre ele neste artigo.

Chamo a atenção que a Primeira das Cinco Marcas explicita claramente a Boa Nova do Reinado de Deus – exatamente o paradigma missionário da Igreja Primitiva, e o de Jesus!

O conceito de Autoridade Dispersa e Compartilhada anima a reflexão sobre o modelo institucional e sua reformulação para que seja realmente eficaz como infraestrutura para a ação missionária, ou seja, a Instituição como agente do Movimento ao invés de enfraquecê-lo; é a semente da Nova Forma de ser Igreja neste momento histórico.

Qual deve ser a dinâmica institucional para que as Cinco Marcas sejam realmente a diretriz missionária da Igreja em terras brasileiras?


[1] Cf. Neil, Stefen - Anglicanism – Baltimnore, Penguim Books, 1965. 

[2] Drake, Gavin  - As Cinco Marcas da Missão da Comunhão Anglicana: uma introdução. In https://www.anglicannews.org/news/2020/02/as-cinco-marcas-da-missao-da-comunhao-anglicana-uma-introducao.aspx -  acesso em 26 de julho de 2025.

[3] A quinta marca foi incluída pelo Conselho Consultivo Anglicano em sua reunião de 1990, acontecida no País de Gales.

[4] O Episcopado – Texto apresentado no 6º Seminário do CAET, 30/03/2016 - disponível em https://drive.google.com/drive/folders/1l0yRSQ8iwwgq4TLdm2LqKMhciIl6rfB9

[5] Para entender o que chamo de “paradigma” neste texto, sugiro a leitura do artigo Velhos Paradigmas fantasiados de Novos, no meu blogue Pirilampos e Pintassilgos:  https://pirilampos-pintassilgos.blogspot.com/2012/04/velhos-paradigmas-fantasiados-de-novos.html

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2 comentários:

  1. Caro Reverendo, estou gostando destas postagens Sobre Missão. Percebi que se trata de um artigo grande, publicado em capítulos. Tenho lido outras postagens nesse blog e admiro sua maneira de escrever com clareza e sinceridade, sem meias palavras, indo direto na raiz do problema. Sinto que este conjunto de artigos Sobre Missão é uma coletânea de ideias já expressas em outras postagens. Aprecio sua teimosia! De fato, se as Igrejas não mudarem sua maneira de ser, deixarão o Evangelho de Jesus ser profanado pelos grupos que solapam a boa fé do povo. Vai firme, Reverendo Caetano.

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