3 de jan. de 2019

O Deus de Toda a Graça e a Meritocracia

Jesus e PedroVamos lembrar três importantes conceitos que sempre temos ressaltado, nossos textos e pregações: Justiça é dar a cada um o que merece; Misericórdia é não dar a cada um a punição que merece; Graça é dar a cada um o que não merece.

O Antigo Testamento revela o Deus da Justiça e da Misericórdia. O Deus que estabelece o pacto com um povo mediante uma Lei e por tal Lei julga, castiga ou age com misericórdia. Os Profetas e Profetizas foram os porta vozes desse Deus de Justiça, e ao mesmo tempo que anunciavam o julgamento, também falavam que a misericórdia divina é sem limites.


Herdeira da cultura Greco-Romana e dos princípios do Judaísmo tardio, nossa cultura se fundamenta nos princípios do Direito, ou seja, da Justiça, a qual deve ser executada e garantida pelo Estado. Nossa visão de sociedade se define a partir da Justiça e da Lei. Nada de mal quanto a isso, embora, ao contrário do Deus do Antigo Testamento, a Misericórdia quase não é exercida nem pelo Estado, nem pela maioria das pessoas, que buscam, muitas vezes, na Justiça o sentido oculto de vingança...

Todavia, o Novo Testamento traz uma nova revelação sobre Deus, que se manifesta em Jesus, o Cristo, o próprio Deus que se torna ser humano abrindo mão de todas as prerrogativas e sendo humano até na morte e morte de cruz (cf. Filipenses 2.5-8). O Novo Testamento, e a Igreja dos Apóstolos, fala de um conceito novo e estranho ao seu tempo (e inclusive ao nosso tempo): o Deus que se revela em Jesus o Cristo é o Deus da Graça. O Deus que oferece a Vida em plenitude não mais pela obediência à Lei, mas pela infinitude de Seu amor; o Deus que julga com misericórdia e pela Graça concede a Vida em abundância (cf. João 10.10b) a todos que se abrem à Sua Graça.


Deus escolhe quem não merece
Já no Antigo Testamento vemos sinais disso, que Deus não atua em função do mérito, mas em função de sua inigualável bondade: Deus não escolheu pessoas especiais, mas escolheu pessoas comuns e muitas vezes consideradas más pessoas: escolheu Jacó que enganou seu pai Isaac e roubou a primogenitura de seu irmão Esaú; escolheu Salomão, filho de um adultério e um assassinato; escolheu Oséias, um homem amargurado pela esposa adúltera porém muito amada; marcou Caim, fratricida, com um sinal para que ninguém o perseguisse; escolheu Davi, um pirralho por quem ninguém dava nada; escolheu Moisés, homem gago e foragido, como seu porta-voz diante do Faraó; e muitos outros casos podemos ver examinando o texto sagrado.

Essas escolhas imerecidas de Deus continuam no Novo Testamento: chamou Maria, jovem prometida em casamento a um homem idoso, que vivia em um vilarejo longe de tudo e na Galiléia, local considerado de segunda categoria pelos judeus; revelou-se aos magos do oriente, gentios e pagãos, que cultuavam deuses siderais, e revelou-se aos pastores, homens rudes e ignorantes; mas não se revelou ao rei Herodes, ou ao governador romano, e tampouco aos religiosos daquele tempo; entre os antepassados de Jesus havia uma prostituta; Jesus escolheu como discípulos, um pecador público (Mateus), pescadores simples e iletrados como Pedro, Tiago e João, um guerrilheiro zelote (Simão); confiou a Saulo de Tarso, que participou do assassinato de Estevão e matava cristãos, a tarefa de ser Seu anunciador aos povos fora da Palestina...

Em outras palavras, tanto no Antigo como no Novo Testamento, Deus escolheu pessoas que não tinham nenhum mérito, nenhuma qualidade apreciável, ninguém considerado uma pessoa respeitável e de confiança. Deus não dá pelota para a meritocracia! Mas todas as pessoas que foram escolhidas e chamadas por Ele se tornaram merecedoras do respeito e da admiração até os dias de hoje.

A Graça Operante
Todas as pessoas tocadas por Deus deixam sua zona de conforto, abandonam sua visão estreita do mundo e se abrem para uma dimensão maior, a dimensão iluminada pelo Espírito Santo.
Deus age pela Graça! Movido pelo Seu imensurável Amor, e Seu coração Misericordioso, Deus não mede as pessoas pelo mérito, mas pela misericórdia de Seu inefável coração.
Sob o ponto de vista da Justiça, a Graça é injusta, pois dá a cada pessoa o que não merece. Por isso, quem ouve a voz de Deus e atende ao Seu chamado, não é mais deste mundo. Seus valores são outros! A solidariedade não é dever legal, mas demonstração de gratidão pelo que recebemos, sem merecer, de nosso Pai Materno. A Lei não mais impera, mas impera o referencial ético do Evangelho que não se limita a certo ou errado, mas à questão do que convém e não convém em cada momento (cf. 1 Coríntios 6.12), a partir do critério da Graça, não do mérito.

Consequência
Abrir-se à Graça de Deus é reconhecer que nada poderá fazer para merecer o Amor que Deus oferece. É reconhecer que recebemos o perdão e por isso perdoamos; é reconhecer que de graça recebemos e por isso, de graça damos. É permitir e reconhecer que Deus está no controle, cabe a Ele, e somente a Ele, definir Sua relação com cada pessoa; por isso, não julgamos, nem buscamos ver o pecado nas outras pessoas u avaliar o mérito para que recebam a salvação.

O Deus da Graça abomina a meritocracia. A meritocracia é contrária ao Seu agir! Porque é diabólica, divide as pessoas em categorias excludentes.
Portanto, meu irmão ou minha irmã, se você acha que merece algo, então, pode esquecer, porque acabou de desmerecer. Seja teu mérito a obediência à Palavra de Deus e a sua vida de oração e serviço em Nome do Senhor. Você, desde que aceitou a soberania de Deus em sua vida, deixou de ser deste mundo, embora continue nele, mas você está aqui para testemunhar e proclamar a Graça de Deus e não para receber reconhecimento dos valores mundanos.
Você não merece, mas Deus lhe dá! Agradeça e em tudo daí graça.
E o Deus de toda a graça, que em Cristo os chamou à sua eterna glória, depois de vocês terem sofrido por um pouco, ele mesmo irá aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar vocês. A ele seja o domínio para sempre. Amém! (1 Pedro 5.10-11)
---/---
PS – Aproveita esta oportunidade: como exercício, busque na Bíblia os exemplos de pessoas chamadas por Deus imerecidamente. É uma oportunidade para você gastar um tempo examinando as escrituras, e perceber que todas as pessoas merecem a Graça. Basta aceita-la!
---/---

2 comentários:

  1. Muito bom o estudo. Achei muito edificante essa separação ternária, justiça, misericórdia e graça _ tripartite ao estilo de J. Wesley. Contudo, tenho ainda dois pontos: 1 – Não entendi o que é “Pai Materno”; 2 – Eu objeto acerca dos “Reis Magos”; que não eram pagãos nem astrólogos _ se eles pudessem ter vindo da Pártia, antiga Pérsia, então podiam ter sido parte da Diáspora [não diretamente], no Cativeiro Babilônio, os que não quiseram voltar. Haja visto que o título de Daniel era “Chefe dos Magos” (Daniel, 5: 11, mas também Daniel, 2: 48). Sugiro que eram astrônomos e herdaram o mesmo título de Daniel.
    Estou no nmentz047@hotmail.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pelo seu comentário.
      Quanto às suas colocações:

      1. "Pai Materno" - uma vez que Deus não tem sexo nem gênero, e considerando que em Sua Misericórdia também age como Mãe, utilizo essa forma carinhosa de tratar a Deus afirmando assim que não há "outra mãe do céu". Atribuir também o conceito de Maternidade a Deus é ressaltar o carinho e o amor que têm para conosco. Os episcopais anglicanos estão utilizando esse tratamento em algumas orações nas novas edições do Livro de Oração Comum em muitas partes do mundo anglicano.

      2. Magos: sua sugestão é interessante, mas quebra o sentido litúrgico da festa da Epifania: o Cristo se manifesta desde o início para todo o mundo e não só para Israel. Creio ser este o sentido da narrativa de Mateus, afirmado pelos exegetas. O caso é que MAGO é termo técnico, e Daniel recebeu esse título porque sua atuação, perante a cultura onde estava, o associava como Mago (que tem poderes, adivinho, conhecedor dos astros, etc), independente da fé de Daniel. Lembre-s que ao reconhecer o Deus de Daniel, o universo cultural não o adotou como único.

      Paz e Bem!

      Excluir

Obrigado pelo seu comentário.
Ele será submetido à avaliação, e se aprovado, será postado.
Este não é um blog de debates ou discussões, mas de reflexão.