Estou relendo um livro, depois de quase 40 anos. Quando da minha conversão e descoberta do Protestantismo, foi um livro que me impressionou muito e – devo admitir – marcou profundamente minha espiritualidade. Hoje estou relendo com um crivo crítico apurado, adquirido após 42 anos de vivencia cristã. Mas mesmo assim, o livro cria movimentos interiores obrigando-me a profundas reflexões. Afinal, o livro trata da resposta a uma única pergunta.
Protestantes da minha geração e mais velhos, de boa estirpe, com certeza já perceberam de que livro se trata. Exatamente! “Em teus passos, o que faria Jesus?”, de Charles M. Sheldon, em nova edição(1).
Considerando ser uma obra publicada em 1896, o tema é muito atual diante da situação da Igreja (em todas as suas matizes). Naturalmente, Sheldon era moralista e fundamentalista; o livro tem essa carga toda. Mas não deixa de ser impressionante o que lá é contado e a reflexão que sugere: a pergunta é absolutamente relevante e perturba qualquer cristão que vive sua fé de forma madura e a quer consequente.
A leitura tem me feito refletir sobre o papel dos cristãos no mundo presente, especialmente no cotidiano, nas relações que estabelecemos com centenas de pessoas seja no âmbito da amizade, dos negócios, nas redes sociais da Internet ou mesmo viajando no metrô lotado; a pergunta título exige respostas que implicam no exercício da cidadania e nas decisões que temos de tomar a todo instante.
Deixando de lado o fundamentalismo e o moralismo do autor, condizente com seu contexto histórico, político e social, estou aproveitando esta Quaresma para um exercício de metanóia a partir da pergunta: que Jesus faria se estivesse em meu lugar?
Estou refletindo não só diante das decisões presentes, mas também como revisão do passado, das escolhas que fiz e me deram alegrias ou tristezas, satisfação ou frustração, risos ou lágrimas. E tenho tomado consciência da Graça de Deus e dos meus pecados.
Como o próprio Sheldon afirma, responder tal pergunta exige um conhecimento muito grande de Jesus o Cristo, não só o conhecimento bíblico e doutrinário (que dependem da hermenêutica adotada), mas principalmente da intimidade que temos com o Senhor na prática da oração e da reflexão.
A pergunta é de caráter ético! Colocar Jesus no meu lugar é partir de um referencial ético que se constrói não só pelo estudo da doutrina, mas pela vivência da fé de forma radical! Porque a ética fundamentada na fé em Jesus Cristo tem um preço elevado: é fruto do discipulado e gera reações de oposição no meio social. O comportamento ético fundamentado na percepção do Cristo contraria a lógica do mundo contemporâneo, entra em choque com interesses dos mais variados, ofende o “bom senso” contemporâneo do consumismo e da busca insaciável de satisfação pessoal, traz o risco da cruz!
Não tenho como valor teológico a necessidade de sacrifício pessoal para expiar os meus pecados ou identificar-me como alguém que procura viver em fidelidade ao Evangelho de Cristo. Afinal, eu sou protestante e creio firmemente que Jesus o Cristo, “pela oblação única de si mesmo, realizou um sacrifício perfeito, completo e suficiente pelo pecado de todo o mundo”. Repito essas palavras sempre que presido a Celebração da Santa Eucaristia com a comunidade aos domingos(2). Mas tenho de aceitar o custo do discipulado e da obediência a Cristo.
O desafio que o livro me apresenta é assumir uma postura ética fundamentada no Evangelho e na piedade pessoal de intimidade com Deus. Isso não é novidade, é o imperativo da fé cristã assumida de forma absoluta, é o que se espera de todo cristão realmente comprometido com sua fé e com o senhorio de Cristo.
Alguém poderá dizer que isso depende da hermenêutica que assumo ao tomar como pressuposto ético o “fundamento no Evangelho”. Concordo! Mas temos de admitir que os valores do Reino são valores que não dependem de “hermenêuticas”: justiça e paz, solidariedade e mansidão, misericórdia e compaixão, perdão… Não estou falando em lista de comportamentos morais, mas de Ética! Não se trata de definir “certo” ou “errado”; afinal, tudo me é lícito, mas nem tudo me convém (cf. 1 Cor 6.12). É exatamente a conveniência que deve ser julgada a partir do pressuposto ético!
Em tempos de exacerbado individualismo, julgar a conveniência à luz do Evangelho é extremamente difícil mas uma exigência da fé e da piedade.
Notas
1. São Paulo, Mundo Cristão, 2007. Não sei se o tradutor é o mesmo, mas há alguns cochilos de revisão, que não impedem sugerir que o livro seja lido ou relido.
2. cf. Rito Eucarístico I do Livro de Oração Comum da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil
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Caríssimo. Andei a buscar o livro, mas parece-me que não está disponível por aqui. Se possível, informa o título original em inglês, posso conseguir assim.
ResponderExcluirQuanto à reflexão, andei a exercitar-me com a pergunta... de facto é desafiador e confesso fiquei temeroso de muitas vezes ter tido uma acção distinta da que o Mestre teria...
Olá, gostei muito do blog! Estamos precisando muuuuito de pensadores no meio cristão, pq. tem hora que me pergunto se há vida pensante dentro das igrejas....
ResponderExcluirmuito boa reflexão, reverendo. ah, e parabéns pelo jubileu de prata. abs. handall.
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