23 de abr. de 2010

Carta aberta aos bispos católicos de todo o mundo

Por Hans Küng*

O teólogo Hans Küng avalia o pontificado de Benedito XVI como o das oportunidades perdidas. No quinto aniversário de sua chegada ao Vaticano, pede ao clero que reaja à crise da Igreja, tornada ainda mais aguda pelos abusos a menores:

Estimados bispos.

Joseph Ratzinger, agora Benedito XVI, e eu fomos entre 1962-1965 os dois teólogos mais jovens do Concílio. Agora, ambos somos os mais idosos e os únicos que continuam em plena atividade. Sempre entendi meu trabalho teológico como um serviço à Igreja. Por isso, preocupado por esta nossa Igreja, mergulhada na crise de confiança mais profunda desde a Reforma, vos dirijo uma carta aberta no quinto aniversário do acesso ao pontificado de Benedito XVI. Não tenho outros meios de chegar até vós.

Apreciei muito que o papa Benedito, logo depois de sua eleição, me convidasse a mim, seu crítico, para uma conversa de quatro horas, que decorreu amistosamente. Naquele momento isto me fez conceber a esperança de que Joseph Ratzinger, meu antigo colega na Universidade de Tubinga, encontrara, apesar de tudo, o caminho para maior renovação da Igreja e o entendimento ecumênico no espírito do Concílio Vaticano II.

Minhas esperanças – e a de tantos católicos e católicas comprometidos – desgraçadamente não se cumpriram, coisa que fiz saber ao papa Benedito por diversas formas em nossa correspondência. Sem qualquer dúvida, ele cumpriu conscienciosamente suas obrigações papais cotidianas e nos ofereceu três úteis encíclicas sobre a fé, a esperança e o amor. Mas no tocante aos grandes desafios de nosso tempo, seu pontificado se apresenta cada vez mais como o das oportunidades perdidas, não como o das ocasiões aproveitadas:

- Desperdiçou-se a oportunidade de um entendimento perdurável com os judeus: o Papa reintroduz a súplica preconciliar em que se pede pela iluminação dos judeus e readmite na Igreja a bispos cismáticos, notoriamente antisemitas, implementa a beatificação de Pio XII e só leva a sério o judaísmo como raiz histórica do cristianismo, não como uma comunidade de fé que perdura e tem um caminho próprio para a salvação. Os judeus de todo o mundo indignaram-se com o pregador pontifício na liturgia papal da sexta-feira santo em que comparou as críticas ao Papa com a perseguição antisemita.

- Desperdiçou-se a oportunidade de um diálogo baseado em confiança com os muçulmanos: é sintomático o discurso de Benedito em Ratisbona, no qual, mal assessorado, caricaturou o Islam como a religião da violência e da desumanidade, atraindo assim a duradoura desconfiança dos muçulmanos.

- Desperdiçou-se a oportunidade da reconciliação com os povos nativos colonizados na América Latina: o Papa afirma com toda a seriedade que estes “anelavam” pela religião de seus conquistadores europeus.

- Desperdiçou-se a oportunidade de ajudar os povos africanos na luta contra a superpopulação, aprovando os métodos anticoncepcionais e na luta contra a AIDS, admitindo o uso de preservativos.

- Desperdiçou-se a oportunidade de concluir a paz com as ciências modernas: reconhecendo inequivocamente a teoria da evolução e aprovando de forma diferenciada novos campos de pesquisa, como o das células-tronco.

- Desperdiçou-se a oportunidade de que também o Vaticano torne definitivamente o espírito do Concílio Vaticano II a bússola da Igreja Católica, impulsionando as suas reformas.

Este último ponto, estimados bispos, é especialmente grave. Este Papa frequentemente relativiza os textos conciliares e os interpreta de forma retrógrada contra o espírito dos padres do concilio. Ele se situa mesmo expressamente contra o Concílio Ecumênico, que, segundo o direito canônico, representa a autoridade suprema da Igreja Católica.

- Ele readmitiu na Igreja, incondicionalmente, os bispos da Irmandade Sacerdotal São Pio X, ordenados ilegalmente fora da Igreja Católica e que rechaçam o concílio em aspectos centrais.

- Apóia por todos os meios a missa tridentina medieval e ele mesmo celebra ocasionalmente a eucaristia em latim e de costas para os fiéis.

- Não implementa de fato o entendimento com a Igreja anglicana, firmado em documentos ecumênicos oficiais (ARCIC), mas pretende atrair à Igreja católico-romana sacerdotes anglicanos casados, deixando de exigir deles o voto do celibato.

- Reforçou os poderes eclesiais contrários ao concílio, com a nomeação de altos cargos anticonciliares (na Secretaria de Estado e na Congregação para a Liturgia, entre outros) e bispos reacionários em todo o mundo.

O Papa Benedito XVI parece afastar-se cada vez mais da grande maioria do povo da Igreja, que de todas as formas se ocupa cada vez menos de Roma e que, no melhor dos casos, ainda se identifica com sua paróquia e seus bispos locais.

Sei que alguns de vós padeceis pelo fato de que o Papa se veja plenamente respaldado pela cúria romana em sua política anticonciliar. Esta busca sufocar a crítica no episcopado e na Igreja e desacreditar aos críticos por todos os meios. Com renovada exibição de pompa barroca e manifestações teatrais diante dos meios de comunicação, Roma trata de exibir uma Igreja forte, com um “representante de Cristo” absolutista, que reúne em sua mão os poderes legislativo, executivo e judicial.

No entanto, a política de Benedito fracassou. Todas as suas aparições públicas, viagens e documentos não são capazes de atrair em direção à doutrina romana a postura da maioria dos católicos em questões controvertidas, especialmente em matéria de moral sexual. Nem mesmo os encontros papais com a juventude, aos quais assistem especialmente os grupos conservadores carismáticos, podem frear os abandonos da Igreja ou despertar mais vocações sacerdotais.

Precisamente vós, como bispos, o lamentareis em sua maior profundidade: desde o Concílio, dezenas de milhares de bispos abandonaram sua vocação, especialmente devido à lei do celibato. A renovação sacerdotal, ainda que também a de membros das ordens, irmãos e irmãs leigos, caiu tanto quantitativa como qualitativamente. A resignação e a frustração se estendem no clero, precisamente entre os membros mais ativos da Igreja. Muitos se sentem abandonados em suas necessidades e sofrem pela Igreja.

Pode ser que este seja o caso em muitas de vossas dioceses: cada vez mais igrejas, seminários e paróquias vazios. Em alguns países, devido à carência de sacerdotes, se finge uma reforma eclesial e as paróquias se refundem, frequentemente contra a vontade, constituindo gigantescas “unidades pastorais” nas quais os escassos sacerdotes estão completamente extenuados.

E agora, às muitas tendências de crises, adicionam-se ainda escândalos que clamam ao céu, especialmente todo o abuso de milhares de meninos e jovens por clérigos – nos Estados Unidos, na Irlanda, na Alemanha – tudo isto ligado a uma crise de liderança e de confiança sem precedentes.

Não se pode abafar o fato de que o sistema de ocultação posto em vigor em todo o mundo perante os delitos sexuais dos clérigos foi dirigido pela Congregação para a Fé, de Roma, do Cardeal Ratzinger, (1981-2005), na qual já sob João Paulo II se compilaram os casos sob o mais estrito segredo.

Ainda em 18 de maio de 2001, Ratzinger enviava um documento solene sobre os delitos mais graves (Epistula de delitos gravioribus) a todos os bispos. Nela, os casos de abusos se localizavam sob o secretum pontificium, cuja transgressão pode atrair severas penas canônicas. Com razão, pois, estão muitos que exigem ao então prefeito e agora Papa um mea culpa pessoal. Na Semana Santa, no entanto, ele perdeu a oportunidade de o fazer. Em vez disso, o Domingo de Ramos levou o decano do colégio cardinalício a levantar urbi et orbi o testemunho de sua inocência.

As consequências de todos estes escândalos para a reputação da Igreja católica são devastadoras. Isto é algo que também confirmam já dignatários de alto nível. Muitos curas e educadores de jovens sem culpa e extremamente comprometidos padecem sob uma suspeita geral.

Vós, estimados bispos, deveis levantar para vós mesmos a pergunta de como haverão de ser no futuro as coisas em nossa Igreja e em vossas dioceses. Claro, não queria esboçar para vós um programa de reforma. Isto eu já o disse em repetidas ocasiões, antes e depois do Concílio. Só queria colocar diante de vós seis propostas que – é minha convicção – serão respaldadas por milhões de católicos que carecem de voz:

1. Não calar: diante de tantas e tão graves irregularidades, os silêncio vos fará cúmplices. Ali onde considereis que determinadas leis, disposições e medidas são contraproducentes, deveríeis, pelo contrário, expressá-lo com a maior franqueza. Não envieis a Roma declaração de submissão, mas exigências de reforma!

2. Empreender reformas: na Igreja e no episcopado são muitos os que se queixam de Roma sem que eles mesmos façam algo. Mas hoje, quando em uma diocese ou paróquia não se frequenta a missa, o trabalho pastoral é ineficaz, a abertura às necessidades do mundo limitada, ou a cooperação mínima, não se pode descarregar isto sobre Roma, sem mais nem menos. Bispo, sacerdote ou leigo, todos e cada um, deverão fazer alguma coisa para a renovação da Igreja em seu âmbito vital, seja maior ou menor. Muitas coisas grandes nas paróquias e em toda a Igreja foram postas em ação graças à iniciativa de indivíduos ou de pequenos grupos. Como bispos deveis apoiar e alentar estas iniciativas e atender depressa as queixas justificadas dos fiéis.

3. Atuar colegiadamente: após um vivo debate e contra a sustentada oposição da cúria, o Concílio decretou a colegialidade do Papa e dos bispos, ao estilo dos Atos dos Apóstolos, onde nem Pedro agia sem o colégio apostólico. No entanto, na época posconciliar, os papas e a cúria ignoraram esta decisão central do Concílio.

Desde que o Papa Paulo VI, dois anos já depois do Concilio, publicou uma encíclica para a defesa da discutida lei do celibato, a doutrina e a política papal voltaram a ser exercidas conforme o estilo antigo, não colegiado. Até mesmo na liturgia o Papa se apresenta como autocrata, frente ao qual os bispos, de que gosta de estar rodeado, aparecem como comparsas sem voz nem voto.

Não deveríeis, portanto, estimados bispos, atuar apenas individualmente, mas em comunidade com os demais bispos, com os sacerdotes e com o povo da Igreja, homens e mulheres.

4. A obediência ilimitada só se deve a Deus: todos vós, na solene consagração episcopal, prestastes perante o Papa um voto de obediência ilimitada. Sabeis, porem, igualmente que jamais se deve obediência ilimitada a uma autoridade humana, somente a Deus. Portanto, vosso voto não vos impede dizer a verdade sobre a atual crise da Igreja, de vossa diocese e de vossos países. Seguindo em tudo o exemplo do apóstolo Paulo, que confrontou a Pedro e teve que fazê-lo “face a face, porque se tornara repreensível” (Gl 2.11).

Uma pressão sobre as autoridades de Roma no espírito da irmandade cristã pode ser legítima quando estas não concordem com o espírito do Evangelho e sua mensagem. A utilização da linguagem vernácula na liturgia, a modificação das disposições sobre os casamentos mistos, a afirmação da tolerância, os direitos humanos, o entendimento ecumênico e tantas outras coisas só foram alcançados pela tenaz pressão vinda da base.

5. Aspirar a soluções regionais: é frequente que o Vaticano faça ouvidos surdos a demandas justificadas do episcopado, de sacerdotes e dos leigos. Com tanto maior razão se deve aspirar a conseguir soluções regionais de forma inteligente.

Um problema especialmente espinhoso, como sabeis, é a lei do celibato, proveniente da Idade Média e que com razão está sendo questionada em todo o mundo, precisamente no contexto dos escândalos por abusos sexuais. Uma modificação contra a vontade de Roma parece praticamente impossível. No entanto, isto não nos condena à passividade: um sacerdote que depois de madura reflexão pense em casar-se não tem que renunciar automaticamente a seu estado se o bispo e a comunidade o apóiam. Algumas conferências episcopais poderiam alcançar uma solução regional, ainda que fosse melhor aspirar a uma solução para a Igreja em seu conjunto. Portanto:

6. Exigir um concílio: assim como foi preciso um concílio ecumênico para a realização da reforma litúrgica, a liberdade de religião, o ecumenismo e o diálogo interreligioso, o mesmo acontece para se solucionar o problema da reforma, que irrompeu agora de forma dramática. O concilio reformador de Constança no século anterior à Reforma (protestante) aprovou a celebração de concílios a cada cinco anos, disposição que, no entanto, foi burlada pela cúria de Roma. Seguramente esta fará o que puder para impedir um concílio do qual possa temer uma limitação de seu poder. Sobre todos vós está a responsabilidade de impor um concílio ou pelo menos um sínodo episcopal representativo.

 

O apelo que vos dirijo diante desta Igreja em crise, estimados bispos, é que ponhais na balança a autoridade episcopal, revalorizada pelo Concílio. Nesta situação de necessidade, os olhos do mundo estão postos sobre vós. Inúmeras pessoas perderam a confiança na Igreja católica. Para recupera-la só será necessário abordar de forma franca e honrada os problemas e respectivas reformas. Peço-vos, com todo o respeito, que contribuais naquilo que lhes cabe, sempre que possível em cooperação com os demais bispos. Mas, se necessário, também solitariamente, com “intrepidez” apostólica (Atos 4.29-31). Dai sinais de esperança a vossos fieis e uma perspectiva a nossa Igreja.

Saúda-vos, na comunhão da fé cristã, Hans Küng.

(*) Hans Küng é catedrático emérito de Teologia Ecumênica na Universidade de Tubinga, Alemanha, e presidente da Global Ethic.

Traduzido do alemão para o espanhol por Jesús Alborés Rey;  traduzido do espanhol para o português pelo Rev.  Sérgio Marcus Pinto Lopes.   Publicado online pela Agencia de Noticias Prensa Ecumênica (Despacho 8827 ). Bahía Blanca. Argentina.

Mais informações : www.ecupres.com.ar    asicardi@ecupres.com.ar

- texto distribuído pelo Centro de Estudos Anglicanos – Igreja Episcopal Anglicana do Brasil – http://www.centroestudosanglicanos.com.br/

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15 de abr. de 2010

Na partilha do pão, o Ressuscitado parte o Pão!

               “Naquele mesmo dia, dois deles estavam de caminho para uma aldeia chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios.  E iam conversando a respeito de todas as coisas sucedidas. Aconteceu que, enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e ia com eles. Os seus olhos, porém, estavam como que impedidos de o reconhecer.  Então, lhes perguntou Jesus: Que é isso que vos preocupa e de que ides tratando à medida que caminhais? E eles pararam entristecidos. 
Um, porém, chamado Cleopas, respondeu, dizendo: És o único, porventura, que, tendo estado em Jerusalém, ignoras as ocorrências destes últimos dias? 
Ele lhes perguntou: Quais? E explicaram: O que aconteceu a Jesus, o Nazareno, que era varão profeta, poderoso em obras e palavras, diante de Deus e de todo o povo, e como os principais sacerdotes e as nossas autoridades o entregaram para ser condenado à morte e o crucificaram. Ora, nós esperávamos que fosse ele quem havia de redimir a Israel; mas, depois de tudo isto, é já este o terceiro dia desde que tais coisas sucederam.  É verdade também que algumas mulheres, das que conosco estavam, nos surpreenderam, tendo ido de madrugada ao túmulo; e, não achando o corpo de Jesus, voltaram dizendo terem tido uma visão de anjos, os quais afirmam que ele vive. De fato, alguns dos nossos foram ao sepulcro e verificaram a exatidão do que disseram as mulheres; mas não o viram.
Então, lhes disse Jesus:  Ó néscios e tardos de coração para crer tudo o que os profetas disseram! Porventura, não convinha que o Cristo padecesse e entrasse na sua glória?  E, começando por Moisés, discorrendo por todos os Profetas, expunha-lhes o que a seu respeito constava em todas as Escrituras. Quando se aproximavam da aldeia para onde iam, fez ele menção de passar adiante. Mas eles o constrangeram, dizendo: Fica conosco, porque é tarde, e o dia já declina. E entrou para ficar com eles.
E aconteceu que, quando estavam à mesa, tomando ele o pão, abençoou-o e, tendo-o partido, lhes deu; então, se lhes abriram os olhos, e o reconheceram; mas ele desapareceu da presença deles. E disseram um ao outro: Porventura, não nos ardia o coração, quando ele, pelo caminho, nos falava, quando nos expunha as Escrituras?
E, na mesma hora, levantando-se, voltaram para Jerusalém, onde acharam reunidos os onze e outros com eles, os quais diziam: O Senhor ressuscitou e já apareceu a Simão!  Então, os dois contaram o que lhes acontecera no caminho e como fora por eles reconhecido no partir do pão.” 
(Lucas 24. 13-35)

Enquanto a conversa se limita à explicação teológica, o peregrino que se apresenta é apenas um peregrino, mais um a caminho como tantos, um peregrino que tem conhecimento da Escritura; mas é apenas um caminheiro que se junta a outros dois.  As dúvidas, as incertezas, e a tentativa de entender os fatos recém acontecidos, os quais frustraram a utopia,  fecham os olhos do Coração e da Mente.  Toda a explicação que recebem sobre a Escritura não esclarece a situação, nem refaz a esperança. São palavras, um discurso que mesmo fazendo sentido, não dá sentido aos fatos nem reduz a frustração da utopia  que se tornou atopia.

Entretanto, o sol se põe e dois deles chegam a seu destino. Mesmo frustrados, mostram-se próximos ao terceiro caminheiro.  “Fica conosco, é tarde, o dia já declina”. O convite supera o discurso. Já não é uma explicação, nem uma pergunta, mas um convite, uma abertura do coração a alguém que – naquele momento – se tornaria um solitário no caminho, se o convite não fosse feito.  Oferece-se a partilha da mesa e do teto; oferece-se a acolhida incondicional ao Desconhecido que – de  repente – se torna o Reconhecido, e ao ser reconhecido se dissolve na percepção do Mistério que se revela.

O reconhecimento da Presença do Ressuscitado não é algo resultante do discurso das explicações lógicas. A Presença se torna visível quando, primeiro, vem a palavra do Coração, o convite solidário, o gesto de quem se faz próximo. Só a quem se faz próximo e – portanto – solidário, o Ressuscitado se revela no momento da partilha.

Olha ao teu redor! talvez o desconhecido que caminha ao teu lado seja Aquele que quer ser reconhecido. Abra teu coração e torna-te próximo.  Com certeza, teu coração O verá!

>>> (veja também a postagem mais abaixo,  “Quem é meu próximo?”)

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11 de abr. de 2010

Conversando com Deus sobre Viviane e pernambucanos

Da  série: Encantos e Desencantos: rasgando o coração diante de Deus ( II )

Senhor, estou aqui diante de Ti novamente, desta vez para agradecer-Te. Agradecer-te pelo que tens me dado neste pouco tempo em Pernambuco, mais especialmente em Olinda e Recife.  Quero fazer de Viviane o símbolo da experiência totalmente nova que estou vivendo, a experiência da acolhida radical, incondicional e irrestrita. A acolhida dada a um peregrino que se dirige a um horizonte novo o qual ainda não pode ser plenamente vislumbrado, apenas sonhado.

Viviane, que não me conhecia e apenas sabia ser eu um amigo há anos de seu esposo, Eduardo, o poeta Halves, o qual me tem como amigo e irmão de coração.  Viviane que me acolheu em sua casa sem perguntas e me fez sentir o calor humano da bondade pura e da relação honesta sem intenções políticas. Viviane, que com Eduardo, me ensinou que não há casa pequena quando o amor é grande.

Esse carinho e cuidado por mim, que se manifestou desde minha chegada ao aeroporto de Recife, e que foi se multiplicando pelo pessoal da Comunidade Jesus de Nazaré – reunida dominicalmente na capela do Seminário Anglicano de Estudos Teológicos (SAET); por Dom Sebastião, bispo anglicano de Recife; pelos irmãos do clero da Diocese Anglicana de Recife na celebração do nosso Ministério Ordenado na Semana Santa… a acolhida muito especial do pessoal do SaGrama, através de Sérgio, Barreto e Frederica. O reencontro com Marcos e Jadson, companheiros de lutas e caminhadas do passado, o abraço fraterno, o rosto feliz pelo reencontro.

Agradeço a Ti, Senhor, porque no Outono da minha vida, que já me parecia inverno, fazes ainda nascer o sol do afeto e do amor, através de enormes corações que vivem aqui neste lugar para onde Tu me trouxeste já há doze anos através da poesia de Halves.

Agradeço também, Senhor o carinho das famílias de Eduardo e de Viviane, recebendo-me em suas casas para a refeição, sem perguntas, sem suspeitas, apenas o olhar bondoso de quem acolhe um outro que já é irmão.

A mesma acolhida simpática que vejo nas ruas, quando perdido, pergunto sobre o ônibus para ir a tal lugar, ou como chego – gente que me responde sorrindo e até se oferece para caminhar uma ou duas quadras comigo a fim de facilitar o caminho. A simpatia de alguém que começa a conversa por causa de um cigarro numa praça, e ela se estende por algumas horas, passando pela Física Quântica, a Música, a tecnologia de transmissão de energia elétrica e a oferta de uma carona.

Quando cheguei à casa de Eduardo e Viviane, ela me abraçou carinhosa e apenas disse: “seja bem vindo, aqui é a sua casa!”  (isso me recorda a Casa da Ivone, outra pessoa especial que Tu deste para minha vida! e muitas casas em Portugal – saudades!).  A frase dita por Viviane não foi só uma frase gentil, burguesa e formal; já no dia seguinte ela se se tornou um fato, pelo cuidado e carinho no preparo de um mingau… e todas as manhãs, quando acordo, um mingau me espera… Viviane, que com idade de ser minha filha, eu chamo de Maínha! tal é o carinho que tem pela sua casa, seu esposo, os miúdos e… comigo, seu mais novo miúdo.

Isso tudo, Senhor, é obra Tua no coração dessas pessoas e na minha vida tão complicada e muitas vezes confusa. Através de teus Mistérios Amorosos, me fazes encontrar aqui tantas pessoas que me acolhem sem perguntas, e que falam de um novo tempo, um novo horizonte, uma nova oportunidade, e dizem sinceramente, sem burocracia ou paranóia alguma, “pode contar comigo!”, e um ou dois dias depois me aparecem com idéias, convites e possibilidades…

Obrigado, Senhor por Viviane e todo esse pessoal maravilhoso de Olinda e Recife.

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1 de abr. de 2010

Quem é meu próximo?

E eis que certo homem, intérprete da Lei, se levantou com o intuito de pôr Jesus à prova e disse-lhe: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? Então, Jesus lhe perguntou: Que está escrito na Lei? Como interpretas?
A isto ele respondeu: Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento; e: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.Então, Jesus lhe disse: Respondeste corretamente; faze isto e viverás.
Ele, porém, querendo justificar-se, perguntou a Jesus: Quem é o meu próximo?
Jesus prosseguiu, dizendo: Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e veio a cair em mãos de salteadores, os quais, depois de tudo lhe roubarem e lhe causarem muitos ferimentos, retiraram-se, deixando-o semimorto. Casualmente, descia um sacerdote por aquele mesmo caminho e, vendo-o, passou de largo. Semelhantemente, um levita descia por aquele lugar e, vendo-o, também passou de largo. Certo samaritano, que seguia o seu caminho, passou-lhe perto e, vendo-o, compadeceu-se dele. E, chegando-se, pensou-lhe os ferimentos, aplicando-lhes óleo e vinho; e, colocando-o sobre o seu próprio animal, levou-o para uma hospedaria e tratou dele. No dia seguinte, tirou dois denários e os entregou ao hospedeiro, dizendo: Cuida deste homem, e, se alguma coisa gastares a mais, eu to indenizarei quando voltar.
Qual destes três te parece ter sido o próximo do homem que caiu nas mãos dos salteadores?
Respondeu-lhe o intérprete da Lei: O que usou de misericórdia para com ele. Então, lhe disse: Vai e procede tu de igual modo.
”    (Lucas 10.25-37)
O Senhor, nesta parábola, inverte a pergunta sem, de fato, respondê-la. O interprete da Lei lhe perguntou “Quem é o meu próximo?” mas Jesus lhe sugere refletir como se a questão fosse “De quem eu sou o próximo?”
Normalmente queremos ver nesta parábola, o samaritano como “bom”, e o homem ferido como sendo o próximo. Na verdade, a parábola conclui dizendo que o próximo é o Samaritano, ou seja, aquele que faz o que o outro necessita – aquele que age com misericórdia.
A pergunta original, “Quem é o meu próximo?” é irrelevante, de acordo com o narrador da parábola. Importa antes saber  “De quem sou o próximo?”, ou seja não se trata de buscar critérios para definir o próximo, mas de estarmos atentos em sermos o próximo para quem necessitar!
Assim, o “meu próximo” é aquele que me acolhe, me estende a mão, busca atender à minha necessidade. A esse devo amar como a mim mesmo porque ele me amou primeiro quando deixou de lado a sua vida para cuidar da minha por um momento.
O Mandamento do Amor é absoluto: tenho de amar todas as pessoas, e as amo sendo para elas o próximo. Mas o “amor ao próximo” , que no resumo da Lei está ao lado do “amor a Deus” é o amor reconhecido, de gratidão, tal como deve ser o amor a Deus. Deus toma a iniciativa do amor, do amor misericordioso, amando-me na condição em que me encontro;  assim, o próximo – que toma a iniciativa de socorrer-me, age como espelho do amor divino, o amor misericordioso. Por isso o amor ao próximo está associado ao amor a Deus. Amo a Deus como gratidão pela sua misericórdia, amando a todas as pessoas; amo o próximo, também por gratidão, porque o próximo – aquele que age por misericórdia – me recorda o amor de Deus, o próximo se torna um sinal concreto do amor de Deus.
O amor de Deus me inspira a misericórdia que devo ter para com todos; o amor misericordioso do meu próximo se torna sinal desse amor divino e me inspira a ser o próximo para quem necessita. A parábola contraria a lógica da máscara do avião (ver postagem anterior).

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