19 de jan. de 2013

Da Justiça e da Graça

GardenEm um texto recente, partilhado no Facebook, o Rev. Marcos Inhauser  chama a atenção para duas maneiras de pensar a fé cristã: a Teologia da Justiça Retributiva e a Teologia da Graça. Segundo Inhauser,

    “Há duas grandes correntes de teologia: a da justiça retributiva e a da graça. A primeira tem uma multidão de seguidores. Acho que não exagero se digo que mais de 99% a seguem. A característica desta é que é sinergista: Deus faz a parte d’Ele e o ser humano tem que fazer a sua. A outra afirma a graça de Deus, o favor imerecido. Não é o pagamento de algo que se faz ou se deixa de fazer, não é o agir de Deus constrangido por alguma circunstância, não é resposta à oração. É o agir motivado somente pelo amor de Deus. A primeira vê as dificuldades, os obstáculos, os períodos de trevas como sinais do castigo de Deus, em função de pecados conhecidos ou ocultos. A segunda vê em tudo a graça de Deus. No dizer de um cântico: “indo e vindo, trevas ou luz, tudo é graça, Deus me conduz”. Ainda que seja no vale da sombra da morte, a presença d’Ele se faz sentida e a graça se manifesta.”

A Teologia da Graça me é mais simpática. E, de fato, experimento em minha vida o agir de Deus sem que me sinta obrigado a fazer algo para merecer esse agir; inspira em mim o sentimento de gratidão ao perceber o que Deus fez e faz! E também indignação quando Ele não faz o que eu penso que Ele devia fazer!!! mas depois da indignação, acabo percebendo Seu Coração Misericordioso.

Obviamente, a Teologia da Justiça Retributiva é mais condizente com as ideologias da modernidade e da pós-modernidade: é bastante lógica, ouso dizer aristotélica: ação e reação! Faço o “bem” e Deus me retribui com bênção! não faço o “bem”, Deus me retribui com castigo! Muito justo! As contas ficam zeradas, o balanço final é fechado sem perdas ou ganhos. Isso gera comportamentos religiosos dos mais interessantes, uma permanente negociação com Deus em troca de Seus favores. O problema desse tipo de pensamento é que coloca Deus refém das minhas ações. Como qualquer juiz, Ele apenas cumpre o que é determinado pela norma. Não há soberania de Deus, não há contemplação nem percepção da realidade amorosa de Deus.

Realmente é muito complicado para a nossa mentalidade pensar a gratuidade do amor de Deus. É contra o bom senso! exatamente porque o sentido da gratuidade não faz parte da nossa visão de mundo, da nossa maneira de viver. Por outro lado, uma má percepção do conceito de Graça faz surgir também comportamentos muito estranhos, como “sinais da bênção”, coisas como “dente de ouro” (uma histeria coletiva que percorreu igrejas históricas nos anos 80/90, quando um “dente de ouro” aparecia milagrosamente na boca do crente!!!).

Após minha experiência de encontro com Jesus o Cristo, conheci a Teologia da Graça no meio Protestante, durante minha busca de uma comunidade de fé – uma vez que o dogmatismo da Igreja de meus pais não me permitia a reflexão fora da doutrina formal; então meu coração e minha mente tomou consciência do chamado vocacional. E para isso tive, como ainda tenho, de aprender a viver na total dependência da misericórdia Deus. Isso não é uma coisa simples para alguém que, como eu, foi educado e treinado no contexto da objetividade aristotélica-cartesiana.

Mas vou caminhando, com a Graça de Deus, em meio às confusões conceituais dos dias de hoje, mantendo meu lema de vida desde a conversão: “Entrega o teu caminho ao Senhor, confia n’Ele, e o mais Ele fará.” (Salmo 37.5)

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1 de jan. de 2013

O que há de novo no Ano Novo?

CriançaQuando eu era criança, a festa do Ano Novo era sempre na casa do tio Mário e o Natal na casa do tio Acchiles. A família Greco (e Grecco, o escrivão errou algumas vezes…) se reunia no Natal na casa do Acchiles, e no Ano Novo na casa do Mário. Às vezes mudava um pouco, mas era aquele lance de festa familiar ampliada com os devidos anexos incorporados (cunhados e cunhadas, sobrinhos, sogros dos filhos, essas coisas). Uma vez a festa do Natal foi em casa, meu pai fez questão, mas foi tanta aporrinhação que nunca mais ele ofereceu a nossa casa!

O Ano Novo era mais divertido porque não tinha aquele lance pentelho dos presentes (os primos mais ricos sempre ganhavam os presentes melhores, e eu comecei a desconfiar que Papai Noel era puxa-saco dos ricos). No Ano Novo, tio Ricardo, o mais pobre da família, fazia a festa: recebia a gente na porta com a sacolinha cheia de nomes de países, a gente sorteava um nome e via para quem ia torcer na São Silvestre! Todo mundo pagava 5 cruzeiros (que nem pagava um cafezinho), e quem ganhasse a corrida ficava com a tremenda fortuna que mal passava dos 100 cruzeiros… Eu gostava quando a tia Beatriz ganhava porque ela acabava dando para mim (ela tinha um xodozinho por mim, porque talvez fosse o único sobrinho que se animava a sentar no seu piano e tentar tocar… quando ela morreu, o piano veio para mim, por vontade dela).

Sim, a São Silvestre, que era uma iniciativa da Rádio Gazeta e do jornal A Gazeta Esportiva, começava sempre pelas 23h30. e virava o ano com o pessoal correndo pelo centro velho de São Paulo. Muitos anos depois, a Globo Todo-Poderosa, obrigou a mudança de horário para não atrapalhar o Especial de Fim-de-Ano do Roberto Carlos, o show sempre igual… Naquele tempo não tinha os quenianos, e o grande herói da corrida era um belga, cujo nome não recordo…tinha também um careca que era da Checoslováquia que ganhava às vezes; certa vez ganhou um mexicano, e outra vez, um equatoriano,  para frustração de todos, onde já se viu latino-americano ganhar de europeu?  Eu sempre tive o azar de sortear um país que nunca ganhava: Peru, Brasil, França, Espanha, de modo que eu ficava olhando pela TV preto e branco sem muita expectativa.

Quando soava a meia noite, com muito menos foguetório que hoje, era realmente cômico: os adultos da família parecendo macacos: com o pé direito no chão (o esquerdo levantado), cacho de uva em uma das mãos, prato de lentilha na outra, sei lá como aparecia ainda a taça de champanhe, e ainda a romã com sete sementes (tinha de comer semente até o dia de reis…), e todo mundo dizendo “feliz ano-novo!”, aquele lance de abraçar, beijar, emoções, e o cara na TV gritando que a São Silvestre estava acabando e que o Belga já estava entrando na Avenida Cásper Líbero, onde acabava a corrida em frente ao prédio da Rádio Gazeta. Eu olhava aquilo e achava muito divertido, mas ficava tentando entender o que estava mudando além do número do ano no calendário e terminava dezembro, começava janeiro de novo…

Aos poucos fui entendendo que o tal Ano Novo não tinha nada de novo, apenas se recomeçava o mesmo de sempre. Comecei a reparar nos votos de felicitações que os adultos davam uns aos outros, quase sempre assim: “Muita Paz, muita alegria, muito dinheiro…”, e ai parece  que se davam conta que o lance do dinheiro não era para todo mundo, então completavam, “… muita saúde! Saúde é que é importante, não é mesmo? tendo saúde o resto a gente resolve…” E a resposta, invariável,”para você também, pois é, saúde é que é importante…!” 

É claro que o ser humano precisa renovar suas esperanças, se não a vida fica insuportável! Tem de ter um momento especial, onde tudo acaba e recomeça de novo. Escravos do Cronos, necessitamos fazer o Cronos recomeçar, porque do jeito que está não dá… Muitas civilizações organizavam seu calendário pelos ciclos da natureza: na Primavera, quando a vida ressurge depois de sepultada pelo Inverno, tudo se renova em esperança de que o novo tempo será melhor… A nossa Civilização, que já não tem a menor ideia do que seja a Natureza ou o Universo (além de uma tal de energia que fica assim fazendo cosquinhas de espiritualidade consumível) , o Cronos é regulado pela Contabilidade: 31 de dezembro é dia de fechamento do balanço contábil e 1º de janeiro começa um novo ano civil… e, de certa forma, todo mundo fica na esperança que o novo ano civil feche seu balanço, doze meses depois, com saldo positivo. Geralmente não fecha, porque o sistema não pode ver todas as pessoas felizes: felicidade tem de ser garantida para alguns, e para isso, muitos não podem tê-la. É a regra do mundo ocidental: quem pode, pode; quem não pode, se sacode no SUS porque “saúde é que é importante”.

Feliz Ano Novo! seja lá o que isso seja! e lembre-se: saúde é que é importante… haja saco!

Nota: apesar da ironia, eu dou graças a Deus porque quase sempre, depois de crescidinho, tive oportunidade de participar de boas festas de ano novo: vigílias na igreja, festas mais simples na casa de pessoas amigas e solidárias, caminhadas com amigos pelas ruas de São Paulo… é no convívio com pessoas queridas, amigos leais, sem hipocrisias, que vale a pena celebrar o ano novo, ou melhor, a vida em qualquer momento. É a amizade e o carinho sincero que renova a esperança… então, com meu carinho, felicidades a vocês que gostam de mim e vivemos em espírito de solidariedade uns com os outros. Aos que não gostam de mim, não adianta eu desejar nada, porque não vale a pena e eles nem vão dar importância: desejo, então, que vivam bem e não encham meu saco!

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