24 de fev. de 2016

A Quaresma na minha infância

Eu me lembro do tempo de catecismo e das práticas católico-ramanas da minha mamãe. Meu papai não era lá um fiel católico, era meio chegado na Umbanda carioca, apesar de vivermos em São Paulo,  mas toda sexta-feira ele acendia um treco muito fedorento, que ele chamava de defumador; ele nunca interferiu na vida religiosa da mamãe (nem ela na dele) e no que ela me ensinava sobre religião. Já pelos 50 anos ele se tornou cristão (católico romano) e foi militante até sua morte. Tanto ele quanto mamãe se tornaram ativos no Movimento Familiar Cristão e nos Cursilhos de Cristandade até a morte. Quando me tornei episcopaliano, bem mais tarde, eles não se incomodaram com isso, pelo contrário, sempre incentivaram minha ação na Igreja e depois, minha vocação.
Minha mamãe e o padre do catecismo, me ensinaram, quando criança, que a Quaresma, os 40 dias que antecedem a Páscoa, é o tempo que Jesus está no deserto, em jejum e lutando contra o Diabo.  Eu perguntava: por que Jesus não acabava logo com o Diabo, ao invés de todo ano ter de ir ao deserto para brigar com ele? Eu achava que a coisa acabava em empate sempre.
Também me ensinaram, na infância, que a Quaresma é um tempo de penitência e arrependimento. Então, eu perguntei se quando não era Quaresma não precisava me arrepender dos meus pecados e fazer penitência. Disseram-me que o arrependimento e a penitência precisam ser feitos sempre! então, eu pensei, não tem sentido dizer que a Quaresma é um tempo de arrependimento e penitência se a gente tem de se arrepender e fazer penitência o tempo todo.
Além disso, me ensinaram, na infância, que eu não podia comer carne nas sextas-feiras da Quaresma, um sacrifício para Jesus, além aguentar o defumador do papai (fosse ou não Quaresma). Não podia comer carne de boi, de frango, de porco, nem sanduíche com presunto ou mortadela –  só de queijo podia.  Isso era muito respeitado em minha família, e a gente comia uma enorme bacalhoada ou uma peixada até estourar! Então eu perguntei que sacrifício era aquele, já que era uma delícia comer peixe do jeito que a mamãe preparava.  Na Sexta-Feira Santa, então, era uma coisa incrível.  Eu tinha de fazer jejum (nem café da manhã eu tomava), ir com minha mãe em sete igrejas diferentes para visitar o Cristo Morto, e finalmente, à noite, acabar o jejum sem comer carne... Eu não entendia porque a gente tinha de ir a sete velórios diferentes de Jesus Cristo, se era o mesmo defunto – ainda por cima não era gente, era uma estátua, a maioria delas com uma cara assustadora! E ainda tinha a Procissão do Enterro de Jesus (mas era uma estátua e nunca enterraram de fato. Sai da Igreja e voltava para a Igreja... então, não era enterro).
Minha mamãe explicava que o jejum, o não comer carne, o não rir, a procissão, tudo isso era um sacrifício, para pagar os nossos pecados, e o bom e severo Padre Saturnino, da Paróquia Santa Margarida Maria no Jardim da Glória, repetia os mesmos ensinamentos no catecismo, e nos sermões da missa de domingo, que eu ia quando meu pai não inventava de a gente sair para almoçar fora de São Paulo...
Ah! ia me esquecendo. No colégio dos Irmãos, onde eu estudava, além de ouvir as mesmas coisas, durante a Quaresma a gente não podia rir... é mole? Ainda bem que a maioria dos Irmãos do colégio não levavam isso a sério! Mas no catecismo, e na minha casa, sempre havia uma pequena reprimenda quando eu ria, ou contava piada... Era falta de respeito com Jesus.
No colégio dos Irmãos, sempre, em todas as classes, em todas as salas, no banheiro e no pátio,  placas com letras grandes dizendo “Deus me vê”!  
Confesso que eu achava Deus um sujeito chato e nada simpático. Ele era um bisbilhoteiro que ficava “de olho” na gente o tempo todo para tomar nota dos pecados, e se Ele não estava olhando, tinha um tal de Anjo da Guarda que contava tudo pra Ele.  Disseram-me que tinha de chamar Ele de Pai, mas meu pai era um cara legal e Deus não...
Uma coisa que eu curtia muito era "malhar o Judas" no Sábado de  Aleluia. Algumas vezes meu papai fazia o boneco usando roupas velhas, outras vezes era um vizinho ou nõs mesmos, a molecada, e depois a gente "descia o cacete" no boneco e botava fogo. Era uma farra na rua!
Ainda hoje, muitas dessas coisas estão na cabeça do povo, embora a Igreja Romana, após o Vaticano II, corrigiu, e muito, as práticas e a própria maneira de entender a Quaresma.
Quando descobri o Protestantismo, e logo depois me tornei episcopaliano, comecei a ver a Quaresma de outra maneira, e entender que certas práticas podem ser entendidas e vividas de outra maneira, dentro de uma piedade saudável e profundamente consistente. Mas isso é assunto para outro artigo.
Quanto a meus pais, depois que se tornaram militantes cristãos e católicos, começaram a estudar a Bíblia (eu dava uma ajudinha) e minha mamãe foi deixando de lado muito daquele catolicismo popular que nunca fez a minha cabeça!
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11 de fev. de 2016

Durante o Carnaval em Santa Teresa, Rio de Janeiro.

Ilhado em Santa Teresa durante os intermináveis dias de carnaval (hoje é quinta-feira, já é Quaresma, mas um bloco anda por aqui enchendo o saco desde a madrugada!), com dificuldades para sair do bairro ou mesmo caminhar por ele, andei pela vizinhança; estou compartilhando um pouco do que vi e ouvi aqui pelas ruas próximas de casa.

1. "Si divertir"
Um bando de patricinhas e mauricinhos, tipo Leblon/Barra, por volta de uma da madrugada, ao lado de um Honda Civic cinza, com auto-falantes daqueles dignos de um Teatro Municipal, tocando aquelas músicas ridículas que incentivam a baixaria, quase aqui na esquina de casa. Fui lá pedir que abaixassem o som, uma moça mais pra nua que pra vestida, me diz:
_ "Todo mundo tem o direito de si divertir!"
_ " Mas sem incomodar os outros, mocinha!"
Um sujeito com cara de quem tinha tomados umas e muitas, e os olhos de quem tinha dado uma boa cheirada, me encarou feio e me mandu tomar lá no fundo da casa da Mãe Joana. Voltei pra casa (a minha, não a da mãe Joana), e usando da tecnologia modernosa, mandei um "zap-zap" para a PM, que veio rapidamente e acabou com o direito de "si divertir" dos babacas.

Uma coisa legal que a PM (5º Batalhão) fez aqui para Santa Teresa foi disponibilizar um celular e grupo no "zap-zap" para os moradores denunciarem todo tipo de delinquência, arruaça, assalto, etc. Um oficial fica de plantão recebendo as denuncias e toma as providências necessárias. Mais eficiente e eficaz que o "1-9-0", onde a atendente nos manda ir ao local e aguardar a polícia (como se bandido, assaltante e outros pentelhos fossem ficar ali esperando comigo a PM chegar).

2 .  Mijões
a) No jardim da igreja, surpreendo um sujeito urinando. Chamei sua atenção, ele me disse:
_ "Eu tenho o direito de mijar, pô"!
_ "Não no jardim da igreja, cara!"
Ele saiu, ainda apertado, virou a esquina da igreja eu fui atrás... lá estava ele dando a sua mijada!
_ "Nem no muro da Igreja, amigo!"
_ "Pô! nessa m... de bairro não tem onde mijar!"
b) Saio no portão de casa para um cigarrinho, e vejo uma moça agachada, urinado, ao lado do muro da igreja e tentando se ocultar atrás de um carro estacionado (na calçada).
_ "Menina! não faça isso! respeite você mesma!", eu disse virando o rosto para não constrangê-la mais.
A resposta dela foi idêntica à do mijão acima: 
_"Não tem outro lugar e estou apertada, padre".

Realmente, ambos tinham razão. Aliás, não só em Santa Teresa! a maioria dos botecos e lanchonetes no Rio não têm banheiro, e quando tem ou cobram para usar (se não for cliente - inclusive idosos) ou não deixam usar (alegam que é para evitar do sujeito ir lá para dar uma cheirada de pó ou fumar uma maconha).
A eficientíssima  Prefeitura do Rio, que está a serviço das máfias do transporte público, das empreiteiras e da industria do turismo, colocou pouquíssimos banheiros químicos pelas ruas da cidade, especialmente onde passariam os blocos carnavalescos. E, para completar, decretou uma multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) para quem fosse flagrado urinando em logradouro público, pela Guarda Municipal (que aliás, nunca aparece por aqui a não ser para ... deixa pra lá!). Ou seja: "como o consumo de cerveja é astronômico e as bexigas milhares, vamos faturar um pouco porque é ano eleitoral e o Partido precisa de grana para as negociatas naturais em busca de votos..."

3. A rua é de quem mesmo?
Um bando de "foliões", enchendo a cara de cerveja e comendo croquete de bacalhau, sentados na calçada quase na esquina de casa. Para alguém passar por lá, tinha de se deslocar para a faixa de tráfego, porque a calçada havia se tornado a sala de estar dos idiotas. [Aliás, é comum isso por aqui: o pessoal ocupa as calçadas e os pedestres que se misturem aos carros; ficam em pé ou sentados e se você quiser passar ainda te olham feio! isso sem contar quando os botecos ocupam descaradamente as calçadas com mesas e chegam até a colocar cerca na rua - o que é comum na Lapa - para ninguém atrapalhar os clientes que saboreiam seus quitutes (e enchem a cara)!]
Eu estava indo ao Cine Santa  (assistir A Grande Aposta - recomendo) e tentei passar pela calçada; eu disse, para as pessoas sentadinhas com seus croquetes de bacalhau e sua cervejinha, que ali não era lugar de sentar,  e alguém do grupo me disse:
_ "A rua é do povo!"
_ "Pode ser lá na sua rua, amigo, mas aqui, a rua é dos seus moradores e de quem precisa passar por ela!"
O cara disse "passa por cima" e novamente fui recomendado a mandar lembranças à Mãe Joana (e ainda recebi uma encarada do dono do boteco ao lado, afinal eu estava chateando seus clientes). Então, a caminho da casa da Mãe Joana (passando antes pelo Cine Santa), segui em frente, passei por cima da perna de um deles e "sem querer" pisei de leve no pratinho de croquete... pois é, a rua é do povo! e eu sou um cara do povo que tem o corpo um pouco mais largo que o normal! Claro que ouvi belíssimas palavras de elogio à minha modesta pessoa, além de ameaças à minha integridade física.
É mole?
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Não sou contra o carnaval, nem que as pessoas busquem diversão, comam seus bolinhos de bacalhau, tomem sua cervejinha. Mas eu acho que as coisas tem um limite, o limite do bom senso e da boa educação.

Entretanto, nestes tempos de "direitos sem deveres", de manifestação exacerbada dos egos, e da autopromoção para lembrar a si mesmo que existe, o que vale mesmo é a já famosa frase "danem-se os outros!"

Mas, felizmente, ainda há pessoas com quem vale a pena conviver, partilhar e conversar. Apesar de tudo, Deus seja louvado. Amém!

PS: soube agora, pelo eficaz  sistema de informações de Santa Teresa - boca-a-boca, de vizinho pra vizinho - que o tal bloco que chateou o bairro desde a madrugada foi liquidado pela Polícia...

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