7 de jan. de 2010

Epifania

" Eis que vieram uns magos do oriente a Jerusalém, e perguntavam: ' Onde está o recém-nascido Rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo.(Mateus 2.1b-2)
Passou o Natal, passou o Ano Novo, terminou o apelo comercial dos presentes, das festas, dos cartões de felicitações... a vida retornou à sua normalidade cotidiana. Ou quase! Alguns ainda estão na exceção das férias de verão.

Mas é nesse tempo de normalidade cotidiana que o calendário cristão ocidental celebra a Festa da Epifania do Senhor. Os cristãos orientais, por sua vez, estão agora celebrando o Natal, pois para eles as duas festas coincidem. Outro lado do mundo... outra hermenêutica... outra teologia...

Mas nós estamos no Ocidente, com o nosso cristianismo greco-romano marcado fortemente pela Europa Medieval, refrescado pela Reforma no século XVI e renovado de tempos em tempos pelos diversos movimentos que eclodem no seio das comunidades herdeiras da Reforma. Para nós, cristãos herdeiros dessa Tradição, a festa da Epifania passa despercebida, sem muita importância. Não está na mídia, e geralmente nem é lembrada em grande parte das Igrejas herdeiras da Reforma e suas descendentes.

Não há vitrinas enfeitadas, não há Papais Noel pelas ruas, não há cartões de boas-festas nem campanhas de solidariedade com os pobres, não há político sorridente prometendo mundos e fundos (especialmente pedindo ou roubando fundos) para o próximo ano. A festa da Epifania é discreta, tão discreta quanto aquele casal que, na periferia de Belém da Judeia, estava às voltas com um parto de emergência, numa estrebaria. A festa da Epifania não foi poluída pelo consumismo, nem pela necessidade de manifestar gestos de solidariedade temporária que assola as pessoas no tempo do Natal, mas terminam em Janeiro, retornando-se à vida sem sentido do cotidiano consumista...

É por isso que não mando votos de Feliz Natal, isso para mim não faz sentido. As pessoas curtem o Natal consumindo e brincando de bom coração, solidariedade, essas coisas que o mundo capitalista esqueceu. Natal para mim é uma missa, celebrando o nascimento de Cristo - a Encarnação celebramos em 25 de março, Festa da Anunciação. Nesse dia renovo em meu coração os votos de solidariedade, serviço, e testemunho que assumi desde o Batismo, confirmados na Crisma e renovados de forma exponencial ao receber as Sagradas Ordens de Diácono e Sacerdote na Igreja de Cristo; e entrego de coração o presente da minha amizade aos meus amigos e amigas leais, um presente que não se compra com cartão de crédito, nem entra em liquidação depois do Natal].

É bem verdade que, pelo interior do Brasil, ainda existem as Folias de Reis e seus assemelhados culturais, e na cabeça das pessoas ainda há uma leve referência ao Dia dos Reis Magos. Puro folclore, herança cultural e colonial de Portugal e Espanha. Nesse caso é uma festa estranha, porque se celebram reis que não existiram. Pelo menos, Mateus não diz que eram reis, mas que eram magos...

Magos, homens (e mulheres!) de antiga sabedoria, de conhecimentos raros sobre o Cosmos e sobre a Natureza . Pagãos, mas não ateus... Pessoas que tinham não só conhecimento, mas sensibilidade afinada para perceber que Deus está agindo e há sinais de novidade nos céus:  “... vimos sua estrela no oriente e viemos para adorá-lo”!

A Epifania é exatamente isso: a manifestação de Deus, a manifestação de Sua Presença, sem os alardes da publicidade, longe dos Palácios e Estádios, sem ufanismo orgulhoso, presunçoso, arrogante e pernóstico. Na simplicidade do cotidiano, na mesmice do dia-a-dia. O Kairós que acontece no Cronos, sem interferir no Cronos, mas Kairós perceptível para quem tem a mente e o coração abertos para perceber o que, de tão evidente, se torna imperceptível: a Presença discreta na fragilidade de um recém-nascido; uma Estrela que pouco se destaca entre as milhares do céu noturno, só percebida pela vista acostumada a mirar e a contemplar o Mistério da Criação.

É este espírito de Epifania que deveria reger a vida da Igreja de Cristo, ministério de serviço, comunhão, anúncio e testemunho; a Igreja de Cristo, que deveria ser constituída pelas pessoas que são capazes de conviver solidariamente com os diferentes, deveria ser um mundo muito maior que a formalidade denominacional, um mundo eclesial além do eclesiástico, um mundo de intercâmbios e interações constantes, de solidariedade: diakonia (serviço), koinonia(comunhão) e martyria (testemunho).

Que 2010 seja um ano feliz para todos e todas vocês, um ano em que a comunhão seja fortalecida, a partilha seja maior e a esperança seja uma certeza de horizonte factível. Que possamos reconhecer a estrela do Menino-Senhor entre tantas estrelas que povoam nosso céu tropical... para que adoremos e sirvamos fielmente ao Deus da Vida através do serviço e da solidariedade a todas as Suas criaturas, especialmente àquelas que foram criadas à Sua Imagem, segundo a Sua Semelhança (Gênesis 1. 26-27).

Que o Capital Insaciável, o Consumismo Diabólico, o Individualismo Globalizado, a Racionalidade Pervertida, não nos fechem esses horizontes em definitivo!

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2 comentários:

  1. FANTÁSTICO!
    Simplesmente fantástico, profundo, oportuno e pertinente.
    Bem vindo de volta ("à normalidade") meu querido amigo e Professor Caetano. Já estava sentindo a falta dessas postagens maravilhosas, onde tenho a oportunidade de refletir, mergulhar e aprender muito.
    Ao mesmo tempo que me entristeço com a comercialização do natal, e os papais noel nos shoppings e lojas da periferia, me aborreço quando ouço "bate o sino ..." nas telinhas (cada vez mais telões), fruto da evolução tecnológica e "midiática".
    Fico feliz e exulto cada vez mais de alegria pela "invisibilidade" da epifania do Senhor.
    Sinto a falta desse momento tão importante para a Igreja - o corpo - de Cristo, que as instituições chamadas "evangélicas" (que agora são "gospels", pois em ingles é melhor para consumir), retiraram da sua liturgia e calendário.
    Epifania é tempo de refletir, silenciar adorar (não é "louvar" com essas musiquinhas idiotas que disseminam ódio, prosperidade e vingaça gospel), a epifania é o tempo de glorificar esse Deus maravilhoso, é tempo de deixar o verdadeiro Cristo e o verdadeiro evangelho brotar dentro dos corações, ouvir a voz de Deus manifestada no logus por ele enviado... epifania é tempo de amar e caminhar com os marginalizados, estigmatizados, rotulados, excluidos...
    Professor, permita-me desejae-lhe:
    FELIZ EPIFANIA!
    Abçs e Paz em 2010!

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  2. Pois é maninho, alguns poucos como vc maném e divulgam a Antiga Tradição sem torná-la consumo de magias exotéricas...
    Poucos, como vc, conseguem atualizar a Tradição sem deformá-la com modismos palatáveis...
    Bjks.

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