31 de out. de 2011

O valioso tempo dos maduros

Recebi por e-mail, não sei se é o texto original do Mário, mas me identifiquei muito.
O valioso tempo dos maduros
Mário de Andrade
Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para a frente do que já vivi até agora. Tenho muito mais passado do que futuro. Sinto-me como aquele menino que recebeu uma bacia de cerejas: as primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades.
Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas intermináveis, para discutir assuntos inúteis sobre vidas alheias que nem fazem parte da minha.
Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas, que apesar da idade cronológica, são imaturos.
Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…
‘As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos’. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos, quero a essência, minha alma tem pressa...
Sem muitas cerejas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita antes da hora, não foge de sua mortalidade. Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade...
O essencial faz a vida valer a pena.
E para mim, basta o essencial!
(vai ter algum/a idiota/o querendo brincar de Einstein ou grande filósofo/a, e me perguntar o que significa “essencial” e fazer um discurso pentelho sobre a relatividade do “essencial”)
De fato, é assim que me sinto: imerso em babaquices; egos inflados; gente que se melindra por qualquer coisa (baixa auto-estima); ignorantes que se acham cheios de conhecimento; esse pessoal que só fala em “direitos” e nunca em deveres; essa bobagem de “politicamente correto” que acabou com o bom humor (a gente tem de medir as palavras e até a forma de olhar para outrem); essa tal de inclusividade histérica que impede a possibilidade de ser crítico e me obriga a achar que tudo é bom, tudo pode… gente que me enche o saco por causa do meu cigarrinho mas entope meus pulmões com os gases mortais de seus automóveis… moralismos idiotas sem fundamento ético.
Mas, pelo menos, ainda tenho amigos e amigas (politicamente correto, viu pentelhada) inteligentes, sinceros, solidários, que sabem a diferença entre bom humor e ofensa, que me chamam de gordo e eu não me chateio com isso (eu sou! e não venha me encher o saco com o papo de colesterol, diabete, etc.)!
Estou lendo e, em alguns casos, relendo a vida de alguns cientistas (físicos e matemáticos) que foram fundamentais para o progresso da Ciência. E relendo sobre mecânica Quântica e Relatividade. Sabiam que é uma boa teologia???
Pois é, relendo a vida de Heisenberg – criador do Princípio da Incerteza – desta vez lendo sua auto-biografia baseada em memórias, fiquei a pensar em meus professores… por isso escrevi o texto em homenagem a eles (veja postagem mais abaixo). Que diferença a mentalidade acadêmica daqueles homens e mulheres que fizeram a ciência e a mediocridade da academia brasileira explodindo de egos vazios! (há exceções, e já sei que vão cair de pau em mim!). Grandes teses (mais de 150 páginas) de conteúdo vazio…
Uma das poucas exceções, a do meu amigo Rev. Dr. Antônio Carlos Ribeiro, sobre Diálogo Inter-religioso*, que me fez voltar a ler sobre Mecânica Quântica! o que tem a ver uma coisa com outra? boa pergunta. Passo a bola pro Antônio Carlos. Mas tem!!! Como eu disse, Mecânica Quântica e Relatividade produzem boas teologias!
(antes que perguntem “quem sou eu para fazer tal juízo sobre a Academia Brasileira”, já vou respondendo: “Sou ninguém!” – e ai gostaria que lessem um texto de Gil Vicente, chamado “Todo Mundo e Ninguém”, lido por mim no Científico durante o curso de Língua Portuguesa do Prof. Manuel Pereira do Valle no Colégio São Luís, em São Paulo, por volta de 1966/67.)
Esse estudo que tenho feito, até mesmo para me livrar do estresse, retornando de forma mais amadora à Física e à Matemática, tem acirrado minha reflexão teológica nestes tempos de inclusividade a qualquer custo, cristologia pobre, eclesiologia desgastada e pouca espiritualidade (já disse, sou pietista! eu disse pietista, não petista!)
Eu tenho refletindo sobre o Princípio da Incerteza e as ideias de Complementariedade do grande Niels Bohr. Do ponto de vista matemático, coisas complementares são mutuamente exclusivas… Então, a Mecânica Quântica, utilizando a noção de terceiro incluído, liquida com a lógica aristotélica dualista e permite a coexistência de complementares dentro de uma mesma teoria! Os teólogos da inclusividade deveriam ler mais Mecânica Quântica e menos Sociologia da Mesmice! Talvez se dessem conta que é a percepção da Diversidade que nos ajuda a ser inclusivos e não elucubrações morais sem se aprofundar em novos paradigmas éticos; estes sim serão decorrentes da percepção ampla do que significa diversidade! Complementariedade não é colocar tudo no mesmo saco!!! Inclusividade é perceber que não se precisam de tantos sacos, aliás, significa que ninguém fica dentro do próprio saco.
Foi exatamente usando esse conceito de terceiro incluído que consegui organizar na minha cabeça e no meu coração as Ciências Naturais e a Fé.
Bem, esse artigo já está por demais confuso… não é um desabafo simplesmente, mas uma tentativa de lidar com a incerteza que os tempos de hoje andam provocando. Então, vou encerrar!
Encerrado!
*  RIBEIRO, Antônio Carlos S. , ECLESIALIDADE E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO: as igrejas cristãs e a experiência salvífica, a partir dos novos paradigmas teológicos na América Latina. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro, Depto. de Teologia, Programa de Pós-Graduação em Teologia da PUC-Rio,  2009.
===/===

28 de out. de 2011

Brasil x Japão

Recebi essas imagens de uma amiga, Janete Weissinger, por e-mail. Não sei quem são os autores, nem quem montou a publicação delas, mas não posso deixar de divulgar e achei bom fazer isso aqui.

Uma comparação de duas catástrofes: as chuvas na Serra Fluminense em janeiro deste ano e o terremoto no Japão em março.

Olhe bem as imagens e as legendas! (clique em cada imagem para ver a foto ampliada)

Depois reflita!

Untitled2

Untitled7

Untitled3

Untitled8

Untitled4

Untitled9

Untitled5

Untitled10

Os bons burguesas vão dizer que o povo japonês é mais trabalhador que o nosso, que eles tem uma cultura milenar, etecetera e tal… Mas eu acho que o buraco é mais embaixo, é uma questão de consciência cidadã…

Talvez os japoneses saibam escolher melhor seus governantes, seus legisladores… e talvez no Japão a corrupção receba um tratamento menos cruel e mais justo (aqui é cruel porque ela se perpetua pela impunidade)…

Enquanto isso, aqui no Brasil, os recursos públicos são empregados em eventos que vão movimentar bilhões para o capital internacional e vão deixar por aqui elefantes brancos cuja manutenção será caríssima e migalhas para a nossa economia real.

Pense nisso na hora de votar!!!

Informe-se sobre o desempenho dos nossos Parlamentares (federais, estaduais e municipais); ao escolher Prefeito, Governador e Presidente da República, informe-se sobre a biografia política e particular dos/das candidatos/candidatas. Infelizmente o condomínio fechado do Judiciário não depende do voto cidadão, mas se escolhermos bem o Executivo e o Legislativo, o Judiciário entra na linha!

Cansei de ver no interior do Brasil pessoas dizendo que votam em Fulano para Prefeito porque ele dá passagem de graça, remédio, e empresta o trator da prefeitura para serviços em propriedade rural privada… 

Não há corrupto sem corruptor. Isso vale tanto para as mamatas de milhões de reais nas altas esferas, quanto para a cervejinha do guarda de trânsito nas ruas da cidade…

Pense nisso! Seja Cidadão e não “um popular” que assiste passivo o que acontece por ai… está em suas mãos tornar a política brasileira digna de confiança e de sadio orgulho cidadão – somos um triste país onde o orgulho nacional está apenas no talento de alguns dos nossos desportistas...

===/===

27 de out. de 2011

Aos mestres com carinho (e saudades do tempo em que a escola era Escola)

Desde pequeno o céu me fascina, especialmente o céu noturno, com as estrelas, a Lua e  outras estrelinhas mais brilhantes que meu pai dizia serem os planetas Marte, Júpiter, Saturno. 

Quando completei 9 anos, meus pais me deram de presente um telescópio para amadores. Era um telescópio mesmo, tipo Newton, daqueles que refletem a luz em um espelho parabólico dentro de um tubo e a ocular fica de lado. Assim surgiu minha vocação para a Ciência e para a Contemplação!

Todas as noites, na “varanda do andar de cima” da casa onde morava , no bairro da Aclimação em São Paulo, eu ficava até tarde “pesquisando” o céu. Logo aprendi a localizar os planetas e as principais constelações. Meu pai me levava, nos finais de semana,  ao Planetário do Parque do Ibirapuera, e eu curtia muito tudo aquilo. Esse contato desde menino com o céu, mais as boas conversas com meu avô Caetano, matemático e professor, me levaram pelos caminhos da ciência.

Quando vovô Caetano faleceu, eu tinha oito anos! mas  eu já conseguia jogar xadrez (com a grande ajuda do tio Ricardo e do meu pai) e entendia um bocado daquilo que, depois, soube ser a Teoria de Conjuntos – meu avô fez parte da geração de matemáticos italianos que trabalhou com G. Peano no desenvolvimento da nova linguagem para a Álgebra e a Teoria de Conjuntos. Através de intrigantes conversas, muitas estórias, joguinhos e brincadeiras, vovô me mostrou a beleza da Matemática.

Quando fiz 10 anos, fui estudar no Glória (Colégio Nossa Senhora da Glória, dos Maristas), no bairro do Cambuci e lá três professores, o Irmão Deodoro, o Irmão Demétrio e o Irmão Celso Félix, concluíram esse processo de aproximação da ciência ao mesmo tempo que testemunhavam sua fé em Cristo através da devoção à Virgem Maria.

Na puberdade, as aulas de Matemática e Ciências  do Irmão Demétrio e do Irmão Deodoro, me deixavam maravilhado e em atitude quase contemplativa diante das maravilhas da natureza. Foi o Irmão Deodoro, em sua especial maneira de ensinar com simplicidade, quem primeiro me apresentou Darwin e a Teoria da Evolução, enquanto o Irmão Demétrio me introduzia no estudo da Álgebra e da  Análise com muita animação. “Matemática é fácil”, esse era o lema repetido no início de cada uma de suas aulas. Eu curtia o meu telescópio com alguns colegas de noite e usávamos a Geometria do Irmão Demétrio para desenhar nossos mapas do céu!!!

O Irmão Celso Felix, por sua vez, nas aulas de Português e Literatura nos incentivava a escrever e defender nossas ideias nas seções literárias do Grêmio Estudantil, onde também a gente era iniciado na política! Tudo isso, antes de eu completar 14 anos! Haviam debates sobre todos os assuntos, desde fábulas de Esopo (cada uma com a famosa “moral da estória”) até as notícias sobre política, economia e ciência. 

Lembro que minha primeira vitória em um fórum de debates foi que eu consegui provar que as abelhas não são “melhores” que as formigas! Consegui que a banca de jurados declarasse empate numa disputa entre as formigas (tidas como animais daninhos) e as abelhas (animais úteis, na ingênua classificação do livrinho que tivemos de ler). Eu fui o único aluno da classe que aceitou defender as formigas contra o grupo de defensores das abelhas! (como vocês podem ver, vem desde menino essa minha maluquice de abraçar causas complicadas!). E, como testemunhou o Irmão Deodoro, usei muito do que havíamos estudado nas aulas de Ciências sobre insetos…

Esses três homens, Irmãos Maristas, professores por vocação e por voto religioso, são até hoje minhas grandes referências tanto no Magistério (que exerci por 20 anos) quanto na capacidade de contemplar a natureza com os olhos da Ciência e com o coração da Fé, embora minha conversão real ao senhorio de Cristo tenha acontecido em um contexto ecumênico, muitos anos depois do convívio com eles – mas permanece até hoje o carinho especial pela Mãe de Deus.

É claro que guardo no coração um sentimento de reconhecimento e carinho por Dona Eliete, Dona Vilma, Dona Teresinha, Dona Aurea e Dona Margarida, minhas professoras no primário, com quem aprendi a leitura, e dei os primeiros passos nas sendas da Aritmética, da Geografia, da História, e das Ciências Naturais… elas despertaram em minha mente a curiosidade e a vontade de saber e de pensar! Naquele tempo Professora era tratada por “Dona” e por Senhora, não era parente da gente! E ninguém da minha turma ficou cheio de traumas por isso…

Terminei o ginásio em 1964, no ano do primeiro golpe militar. Fui estudar no São Luís e depois no Bandeirantes. Quatro anos depois veio o segundo golpe, com o AI-5, o Decreto Lei 477 e outras coisinhas diabólicas, mudando o rumo da sociedade e liquidando com a educação brasileira através do acordo MEC-USAID e da famigerada Lei de Diretrizes e Bases 5692 (1970). Escapei por um triz dos novos currículos escolares para o segundo grau, cujo estrago só vim perceber quando, anos depois, comecei meu segundo curso universitário e peguei calouros (de)formados de acordo com os conceitos da 5692… Gastei dois dos quatro anos do curso superior em Matemática revendo o que eu tinha aprendido no Científico, pois segundo os meus docentes, o currículo do segundo grau fora reduzido e muita coisa passou para o currículo universitário (exceto nos colégios militares!!!).

Apesar dos tempos complicados, o curso Científico (sei lá o que vem a ser hoje, acho que Secundário – mudam os nomes e baixam a qualidade) definitivamente me encaminhou para a Ciência e me colocou em cheio no Movimento Estudantil, que sofria violenta repressão da Ditadura. 

Alguns professores foram decisivos: Prof. Vitor Eisemann (Trigonometria), Prof. Carlos Cattoni (Geometria), Dr. Fragoso e Profa. Geovana Albanese (Física – fui reprovado duas vezes!), Áurea (Química Geral e Atomística – meu primeiro contato com a Mecânica Quântica), Prof. Manoel Pereira do Valle (Português e Literatura Geral), Prof. Morivaldo (Psicologia Geral) e outros cujos nomes minha pouca memória perdeu, mas seus semblantes ainda estão vivos na minha mente com as belas aulas que ministraram: Álgebra, Físico-Química, Física Experimental, Química Experimental, Química Orgânica, Biologia Geral, Genética, Bioquímica… pois é, a gente estudava isso tudo no Científico, mesmo nas Escolas Públicas, que eram de alta qualidade… naquele tempo não haviam os “cursinhos”, e o vestibular não era de marcar “X”…

Todas essas pessoas, professoras e professores, cooperaram com meus pais para que eu fosse o que sou, de bom e de ruim. Devo a eles minha formação como pesquisador, estudioso da Ciência, e pela capacidade de elaborar uma reflexão crítica e coerente.

Poderia ainda falar dos meus professores dos tempos da universidade e então a lista ficaria bem maior (Milton Damato, Henrique Panzarelli, Jaci Maraschin, Ruben Alves, Glauco Soares de Lima, Sumio Takatsu, Marilena Chauí, Ubiratã Dorival Diniz, et alli). Todavia, quero nesta homenagem memorial, lembrar dos meus Mestres Iniciadores, a quem tratávamos por Senhor e Senhora (e eles também nos tratavam assim!!!), ficávamos em pé quando entravam na sala de aula, eram severos conosco (fui reprovado duas vezes em Física e uma em Matemática - fiz o segundo Científico três vezes!!!), mas tinham um senso de humanidade e de responsabilidade que são raros hoje em dia, quando a professora virou “tia” e os docentes são chamados de “cara”!

A todos, elas e eles, inclusive o vovô Caetano, papai e mamãe, que descobriram minha vocação científica, apresento meu reconhecimento e minha gratidão. Rendo Ação de Graças a Deus pela existência dessas pessoas em minha vida!

Nota: eu devia ter publicado isso dia 15 de outubro, mas por razões diversas, não fiz. Porém, a Física Relativista e a Mecânica Quântica, ambas comecei a aprender com alguns deles, mostram – assim como a Fé – que o tempo é apenas um conceito que não se aplica uniformemente no Universo… então, que seja dia 15 de outubro agora ou quando a gente quiser – todo dia é dia para a gente mostrar carinho e gratidão!

===/===

11 de out. de 2011

Inclusividade ou Diversidade?

Este texto pretende ser um ensaio inicial para partilhar algumas reflexões que tenho feito nestes últimos dois ou três anos. Trata-se portanto de uma reflexão em aberto, onde eu mesmo não tenho muita certeza do que estou dizendo. Aliás, alguém tem certeza de alguma coisa na pós-modernidade? ou “certeza” é um conceito cartesiano cada vez mais distante da realidade líquida que vivemos neste tempo?
Com  efeito, em certos setores da sociedade, a palavra “inclusividade” está na moda. Na Igreja Episcopal, onde exerço o ministério pastoral, a palavra suscitou e suscita muitas discussões teológicas e algumas nada teológicas. Nós, de tradição anglicana, gostamos de nos definir como uma Igreja inclusiva, e na minha opinião isso é apenas arrogância retórica para passar uma ideia que somos algo que, na verdade, não somos! pelo menos da maneira ufanista como certos grupos na Igreja enfatizam.
Eu acho que quem é inclusivo não precisa dizer que é! basta ser! é o excluído que se sente acolhido e incluído quem deve dizer que somos inclusivos; mas isso virou uma espécie de propaganda ufanista. Se setores de vanguarda da Igreja realmente compreendem o significado de “inclusividade” e adotam posturas de acolhimento e simpatia ao diferente, a maioria da Igreja – o povo das nossas pequenas congregações – não tem clareza do que isso significa, e até mesmo olha com estranheza certas práticas que acontecem em uma ou outra comunidade.
O que estou dizendo é que, embora setores teológicos e clericais da Igreja tenham discutido o tema da inclusividade – especialmente a questão homoafetiva – essa discussão não chegou às bases da Igreja para afirmar-se que a Igreja como um todo adota a inclusividade (a reflexão está chegando agora, pela pressão dos acontecimentos e por isso mesmo nem sempre é bem orientada).
Na verdade, o fenômeno não é que a Igreja se tornou inclusiva, mas que grupos com identidade diferenciada do padrão, até o passado recente, mantinham tal qualidade em oculto e raramente demonstravam com clareza sua “identidade diferente”, exatamente para não serem excluídos. Entretanto, em muitas situações, tal condição era de fato conhecida e reconhecida pela comunidade, mas não precisava ser explicitada. Isso é verdade tanto para a Igreja Episcopal quanto para todas as outras denominações religiosas, cristãs ou não, no mundo ocidental.
O que acontece hoje é que os “diferentes” afirmam publicamente sua diferença, defendendo o seu direito de serem como são, e diante disso cada pessoa, cada grupo, tem de posicionar-se para relacionar-se com esses “diferentes”.
O grande mérito da Igreja Episcopal, a meu ver, não é  ser uma Igreja inclusiva, mas assumir a discussão perante o público interno e o público externo, enfrentando abertamente e com coragem a questão, mesmo pagando um alto preço por isso internamente e diante das demais denominações cristãs, em uma sociedade marcada pelos ideais burgueses do séc. XVIII, presa a uma moralidade imutável e, por isso mesmo, excludente de tudo que dela discorde ou difere. O que para muita gente parece ser um afrouxamento moral, é na verdade uma mudança radical de paradigma ético!
Há uma distância temporal entre a reflexão e a prática, considerando-se a Igreja como um todo. Como afirmei acima, setores de vanguarda da Igreja já adotam uma prática inspirada em um novo paradigma ético (a inclusividade em seu sentido maior), mas a reflexão mal começou em nível das comunidades, do povo da Igreja. Assim, há uma estranheza porque a maioria das pessoas comuns não percebe ainda a mudança de paradigma. E aqui sim, eu penso, a Igreja falhou e tem falhado no que se refere ao “aspecto pedagógico” da questão. Falta uma estratégia de formação para a superação de velhos paradigmas.
Eu penso que primeiro é necessário que as pessoas compreendam a diversidade humana – percebam que não há uniformidade, mas diversidade de costumes, de hábitos, de pontos de vista (a diversidade humana existe exatamente como diversidade cultural), e também percebam que conceitos como “verdadeiro” ou “falso” não se aplicam mais diante da diversidade explícita que surge com a rapidez da informação no mundo que se tornou uma aldeia onde os habitantes primam pela diversidade. Não há mais lugar para dogmatismos! mas há – é necessário que haja – lugar para valores a partir de novos paradigmas éticos.
A questão é muito mais profunda do que parece, porque toda a nossa formulação religiosa, herdada do mundo helenista e marcada pelo cartesianismo, fundamenta-se em um conceito dogmático de verdade – por ser dogmático, exclui tudo que com ele discorda ou dele difere.
Para os anglicanos de formação, o conceito de diversidade não é tão estranho. Afinal a principal característica de nossa identidade é exatamente a diversidade da Igreja em suas formulações e ênfases. A identidade fundamental dos anglicanos é que não há um padrão anglicano, mas o anglicanismo é exatamente essa diversidade de padrões. Aliás, essa abertura à diversidade é marca característica da forma anglicana de fazer missão: não se trata de pregar a nossa Igreja para que ela exista em outro lugar, mas anunciar o Evangelho para que a Igreja nasça em comunhão conosco em outro lugar: não a nossa Igreja, mas a Igreja daquele lugar! Nisso nós conseguimos manter o jeito da Igreja Apostólica, cuja unidade não vinha de um padrão, mas da comunhão: a Igreja dos primeiros séculos era na verdade diferentes Igrejas unidas em comunhão. Nesse sentido, a Igreja nunca foi única, mas sempre foi una! Esse é o ideal anglicano.
Assim, eu acredito que ao invés de darmos ênfase na inclusividade, deveríamos ajudar as pessoas compreenderem a riqueza da diversidade como obra de Deus, perceber que a Encarnação de Cristo se deu nessa diversidade e a maior prova disso é que o ministério apostólico do anúncio do Evangelho se abriu desde o início à diversidade característica do mundo conhecido de então.
Eu acho que a narrativa de Pentecostes, em Atos 2 é exatamente isso: os Apóstolos anunciam o Evangelho de forma compreensiva para todos os diferentes povos daquele mundo! O Concílio de Jerusalém (Atos 15), diante do testemunho de Pedro sobre os hábitos estrangeiros e o testemunho de Paulo sobre as Igrejas dos gentios, reconheceu a diversidade da Igreja nascente e não a condenou!
Reconhecendo a diversidade humana, é mais fácil ser inclusivo, porque se pode ver o outro, o diferente, não mais como um estranho, mas um igual a mim porém diferente, amado por Deus e redimido por Cristo, como eu!
Só mais uma palavrinha neste já longo artigo: é preciso refletir muito para que o discurso da diversidade não se torne uma apologia do relativismo. Também é necessário reformular conceitos como salvação, revelação, pecado... Tudo isso tem de ser analisado a partir da teologia bíblica até chegar às formulações e práticas pastorais. A Igreja Episcopal e as demais Igrejas têm ai o grande desafio para o pessoal da Teologia e para os pastoralistas cuja missão é tornar tudo isso acessível às pessoas para enriquecer e fortalecer sua fé, influenciando de forma concreta sua visão de mundo e atitudes de vida enquanto filhas e filhos de Deus, discípulos e discípulas de Cristo.
Caso contrário, ficaremos apenas em um ativismo “liberal”, sem conteúdo, um relativismo vazio de significado, um prato cheio para fortalecer as correntes fundamentalistas que primam em manter a velha e permanente ordem das verdades absolutas. Além disso, se a pastoral da inclusividade focar apenas o incluir os excluídos, acabará excluindo os antes incluídos, ou seja, permanece o gueto da exclusão. As pessoas continuarão separadas por simples classificações e perderão a percepção da unidade maior que é o fato de sermos humanos. A verdadeira inclusão só acontece quando percebemos que, apesar das diferenças, somos de fato todos irmãos e irmãs em comunhão pela Graça de Deus, Quem  por si mesmo se revela como Diversidade (Trindade).
Como eu disse, é uma reflexão ainda cheia de pontos de interrogação… mas estou falando de fé e de ética, por isso continuo não incluindo, e nem tolerando, aquela corja de safados a que me referi no artigo anterior (abaixo). !!!!
===/===