A exortação de Jesus, “Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis ante os porcos as vossas pérolas, para que não as pisem com os pés e, voltando, vos dilacerem” (Mateus 7.6), pode ter sido uma tradição já advinda dessa disciplina ou então tê-la inspirado. O fato é que, na Igreja dos Pais e dos Mártires, havia a regra de ocultar a doutrina cristã e as cerimonias litúrgicas aos que não fossem batizados. Uma cautela para preservar a fé e o kerigma de uma contaminação maior pelos cultos pagãos e pelas escolas filosóficas do mundo helenista, e também para preservar essa mesma fé de interpretações imediatistas dos catecúmenos, ainda mais impressionados pela experiência da conversão que pela reflexão e compreensão da doutrina, à qual eram introduzidos paulatinamente pelo processo catequético, de grande duração no tempo[1]. A Disciplina do Arcano também servia como segurança contra as perseguições do Império. Essa disciplina vigorou até o século VI, mesmo depois do “triunfo do cristianismo”, ou seja, do surgimento da Cristandade.
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[1] Fontes antigas informam que havia igrejas onde a catequese durava de três a quatro anos; em outras, o tempo poderia ser menor, mas era sempre uma exigência antes de realizar-se o Batismo e assim inserir o catecúmeno na Comunidade de Fé.
[2] Ao contrário das antigas religiões de mistério, que cultuavam o que estava oculto e dependiam de ritos mágicos para entendê-lo, os cristãos interpretaram a palavra mysteron como o oculto presente que se revela. Usava-se essa palavra apenas para indicar aquilo que, estando oculto, fechado, encerrado, pode ser revelado, aberto, descerrado. Mysterion é, pois, aquilo que, estando oculto, é revelado, isto é, torna-se compreendido... mas não necessariamente explicado! Está aí, mas nem todos o enxergam, porque não podem ver através ou além do véu... Por isso falamos em “mistério” na liturgia e no ensino cristão. Mistério tem a ver com aquilo que Deus é, faz e revela. O mistério precisa do símbolo: não temos palavras para dizer o que é, mas somos capazes de perceber, sentir, experimentar, contemplar... ver além do véu! por isso, se celebra junto!
[3] Surge assim a iconografia cristã, que vai se tornar um campo da História da Arte.
[4] Para aprofundamento, veja-se meu artigo: Introdução à Liturgia Cristã. In: Inclusividade – Revista de Teologia do Centro de Estudos Anglicanos, Ano II nº. 6, Novembro 2003.
[5] Mutatis mutantis, essa é hoje uma das características da pós-modernidade: a busca pelo imediatismo mágico-religioso.
[6] Um exemplo disso, no Novo Testamento, mostrando a compreensão cristã sobre os dons de Deus, é a perícope onde o mago Simão tenta comprar de Pedro e João o poder da imposição das mãos (cf. Atos 8.14-25); trata-se de defender o as novas comunidades contra a interpretação mágica dos ritos cristãos e da errônea compreensão (gnóstica e esotérica) da Graça Divina.